A ineficiência da nossa justiça
Há anos que se repete a mesma coisa: à justiça portuguesa falta eficiência - o que conduz a uma progressiva falta de credibilidade. O caso da destruição das escutas de conversas telefónicas entre José Sócrates e Armando Vara é, infelizmente, apenas mais um exemplo que se junta à extensa lista de casos conhecidos.
Veja-se os factos. As decisões do presidente do Supremo Tribunal de Justiça que ordenam essa destruição reportam-se a Setembro e Novembro. Desde aí, a simples execução dessa deliberação ficou presa por dúvidas jurídicas, de resto mal esclarecidas, e por uma troca de correspondência entre o procurador-geral da República e o juiz de Aveiro. Ao fim de cinco meses, foi finalmente cumprida a missão - mas só em parte, porque nem a ordem para destruir as originais tinha chegado à PJ.
Acontece que, pelo meio - e enquanto não havia fecho de processo -, as várias escutas acabaram por passar por vários outros processos, em que eram incluídos como peças de apoio. Aconteceu assim, por exemplo, com o caso Taguspark, que foi investigado pelo DIAP. Mas também em casos de violação de segredo de justiça ou de alegado favorecimento de farmacêuticas, ainda em investigação. Em termos práticos, escutas declaradas ilegais - e de alto grau de sensibilidade política - andaram espalhadas pelos corredores do Ministério Público.
É certo que, dentro de dias, elas terão o mesmo destino. Mas é também inegável que o que era suposto ficar esquecido acabou por ficar registado, pelo menos, na memória de dezenas de pessoas. Neste caso nem pode dizer-se que a lei foi cumprida. Se a intenção do legislador foi proteger a privacidade de quem governa, ela não foi cumprida por quem tinha essa obrigação.
Falar a língua de Jesus
Em Malta fala-se inglês e maltês. A primeira é a língua dos últimos dos colonizadores, que partiram do arquipélago há menos de meio século. A segunda, um legado da presença árabe que durou dois séculos em redor do ano mil. Apesar dos muitos vocábulos tomados de empréstimo ao italiano, o maltês moderno mantém a sua sonoridade semítica, dizem os linguistas que com certas semelhanças com o árabe dialectal do Líbano e até mesmo com o aramaico, a língua falada por Jesus. Mas não é por causa da partilha do idioma com o fundador do cristianismo que a ilha se tornou um bastião do catolicismo. Isso foi obra dos Cavaleiros de São João de Jerusalém, que depois de expulsos da Terra Santa e de Rodes se fixaram na minúscula ilha situada entre a Itália e a Tunísia.
Fervorosos defensores da fé cristã, os cavaleiros resistiram a múltiplos ataques dos turcos otomanos e encheram Malta e a sua pequena vizinha Gozo de fortalezas mas também de igrejas. A Catedral de São João, em La Valetta, é um dos expoentes dessa sua devoção, com o chão repleto de túmulos de cavaleiros, muitos deles portugueses. Aliás, Portugal deu três grão-mestres à Ordem de Malta, espécie de soberanos. E um deles, Manoel de Vilhena, ainda hoje é célebre entre os malteses a ponto de o seu teatro nacional se chamar Teatro Manoel.
A invasão napoleónica pôs fim ao domínio dos cavaleiros, mas nem a colonização por essa Inglaterra que um dia se converteu ao protestantismo abalou a fé católica dos malteses. E a influência da Igreja é tal que o divórcio ainda é proibido no país. Mas é exactamente pela solidez da crença dos ilhéus que se tornam desafiadoras para o Papa, desde ontem em Malta, as críticas à indiferença da hierarquia católica aos escândalos de pedofilia descobertos na ilha. É um sinal de que nenhuma sociedade, por mais sólido que seja o seu catolicismo, admitirá qualquer minimização pelo Vaticano dos pecados cometidos.
18/04/10
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