18/03/2010

VASCO GRAÇA MOURA

VASCO GRAÇA MOURA

Angola já não é nossa!

É de há poucos dias a notícia de que Angola solicitou "um espaço de três anos para aderir ao Acordo Ortográfico da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, dada a necessidade da inclusão do seu vocabulário nacional no da comunidade", isto é, no vocabulário da língua que todos falamos. Sem contar a população do Brasil, somos mais de 50 milhões de seres humanos nas áreas mais afectadas por uma eventual aplicação do acordo…

Segundo um dos membros da delegação angolana à conferência da CPLP, o deputado Luís Reis Cuanga, Angola que, tal como Moçambique, ainda não ratificou o acordo, solicitou três anos "para que se possa implementar na totalidade este instrumento", pois entende "que deve haver reciprocidade na sua aplicação, defendendo que haja integração do vocabulário angolano no comum".

Para o referido parlamentar, deve haver uniformização na escrita, como ele teve ensejo de exemplificar, com a palavra "kwanza". A questão das flutuações da grafia de "kwanza" (que o dicionário da Texto Editora, pretensamente conforme ao Acordo Ortográfico, regista com nada menos de três formas, três!!!) já tinha sido um dos exemplos apresentados pelo Movimento contra o Acordo Ortográfico para pôr em evidência não apenas uma deficiência chocante, mas ainda que os negociadores do dito - e, depois deles, os responsáveis políticos portugueses e brasileiros que o assinaram com alvoroço indecoroso - se estiveram solenemente nas tintas para os países africanos de língua portuguesa.

Os negociadores universitários e políticos apenas tinham esperado que os representantes dos PALOP se prestassem a assinar de cruz. Para eles, as características do português falado nesses países não eram atendíveis. E era tal a pressa que não lhes proporcionaram a dignidade de uma possível contribuição material para a formulação de regras cientificamente aceitáveis, nem sequer a possibilidade de reivindicarem a existência de vocabulário dos seus países incorporado na língua comum que impusesse a necessidade de adopção dessas regras.

Foi uma escandalosa política da meia bola e força, tanto no plano científico, como no plano da tratação internacional. E agora o resultado está à vista: passaram 20 anos e nem Angola ratificou o acordo, nem considera que o tempo da sua aplicação tenha chegado, nem aceita que ela se possa fazer sem reciprocidade, e ainda menos aceita que não haja integração do vocabulário angolano no comum!

Para vergonha dos intervenientes oficiais portugueses e brasileiros, Angola veio afinal significar que não embarca em leviandades e que o Acordo Ortográfico precisa de ser revisto e renegociado antes de ser ratificado e de entrar em vigor.

Efectivamente, não pode agora ser determinada a maneira de grafar "kwanza" (ou muitas outras palavras) sem o correspondente consenso dos países subscritores quanto à regra a aplicar, o que envolve a necessidade de uma revisão e alteração do Acordo e se aplica mutatis mutandis às palavras oriundas de Moçambique, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde, de S. Tomé e Príncipe e de Timor que tenham sido ou venham a ser incorporadas na língua portuguesa…

Com o Movimento contra o Acordo Ortográfico e as bases do respectivo manifesto, a sociedade civil portuguesa revelou-se muito mais lúcida do que as luminárias de uma geoestratégia que, em matéria de língua, propende manifestamente para a obscenidade balofa.

O Acordo Ortográfico não tem ponta por onde se lhe pegue. Não presta. Deveria ter ido já para o caixote do lixo das baboseiras desprezíveis e dos abastardamentos da língua.

Quem manda em Angola são os angolanos. É outra aberração neo-colonialista pretender-se que bastaria o segundo protocolo modificativo ser assinado por três países da CPLP para se tornar obrigatório para os restantes.

Os responsáveis angolanos têm por certo a consciência das implicações catastróficas que a todos os níveis decorreriam para a língua portuguesa de uma aplicação insensata do Acordo Ortográfico no seu país.

E vieram cá dizer com toda a clareza que Angola é deles! Já não é nossa e nunca foi nem é do Brasil, por muito que isso pese à meia dúzia de pataratas trôpegos que não tem mais nada que fazer e se arrasta há anos a palrar para impor o Acordo na CPLP.


in "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
17/03/10

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