22/03/2010

MANUEL FALCÃO








Várias análises publicadas esta semana mostram que os principais cortes que o PEC realizou foram obtidos à custa das despesas sociais, muito mais do que à custa da diminuição do peso do aparelho de Estado. Traduzido por miúdos, o Governo corta naquilo que...

CORTES - Várias análises publicadas esta semana mostram que os principais cortes que o PEC realizou foram obtidos à custa das despesas sociais, muito mais do que à custa da diminuição do peso do aparelho de Estado. Traduzido por miúdos, o Governo corta naquilo que se esperaria que os impostos e taxas que cada um paga garantissem, e não se aplica a racionalizar e a melhorar efectivamente o serviço que o Estado presta aos cidadãos.

JUSTIÇA - Precisamente a este respeito o funcionamento da Justiça é um dos maiores problemas que temos. Infelizmente ainda esta semana se voltou a confirmar que o funcionamento da polícia é parte dos problemas no funcionamento da Justiça - sobretudo quando se percebe que em 2009 a polícia efectuou nove execuções e em 2010 já vai em mais quatro. Para um país que se gaba de ter sido dos primeiros a abolir a pena de morte, não está mal.

CONGRESSO - De todo, do Congresso do PSD retive a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa, a tentar colocar os pés dos congressistas bem na terra - para o PSD conseguir um Governo estável tem que desenvolver uma estratégia de alianças, o que quer dizer ter as ideias bem assentes sobre o que quer fazer no Governo e com quem. É básico, mas não estava dito e fez bem ouvir alguém falar do assunto naquela ocasião. Quanto ao resto apenas me ocorre dizer, como um bom amigo me disse no dia seguinte, que o Congresso correu bem… ao PS.

TELEVISÃO - Em vésperas da data prevista para a transição do sistema analógico actual para a televisão digital terrestre seria bom voltar a discutir qual o papel do Serviço Público na nova paisagem audiovisual, como se devem encarar nesse contexto as novas oportunidades abertas pelas tecnologias mais recentes, como criar condições para desenvolver a oferta e os modelos de negócio dos operadores privados de televisão, e como criar as bases para o desenvolvimento da indústria de produção audiovisual em língua portuguesa e em Portugal. O resto, nesta matéria, na nossa situação actual, é pura perca de tempo e de energias.

VER - Na Galeria Baginski inaugurou nesta quarta-feira uma dupla exposição muito curiosa: novas pinturas de Carlos Correia e manipulações de fotografias por Délio Jasse. "Ensaio" é o título da exposição de Carlos Correia, um dos mais originais pintores portugueses contemporâneos, com obra pública iniciada há pouco mais de uma década e com presença já assinalável numa série de colecções importantes. As novas obras exploram nomeadamente as memórias de imagens que marcam a vida quotidiana. Na sala ao lado o angolano Délio Jasse apresenta "Schengen", uma evocação da sua condição de imigrante e da vigilância que as sociedades europeias exercem sobre os imigrantes. Jasse reflecte sobre a sua condição através da manipulação e intervenção sobre a imagem fotográfica. Até 15 de Maio, Rua Capitão Leitão 51/53, a Marvila.

LER - Joaquim Manuel Magalhães é dos poetas portugueses que mais gosto. A sua produção é escassa e o autor submete-a a periódicas revisões. Este ano foi publicado pela Relógio d'Água "Um Toldo Vermelho", uma antologia que o próprio autor descreve desta forma numa discreta nota final: "Este volume constitui a minha obra poética até 2001, a que acrescento um poema publicado em 2005. Exclui e substitui toda a anterior". O autor quer assim como que rever a forma como expõe a sua obra, preferindo não incluir aqueles textos que por alguma razão deixou de considerar poemas publicáveis. O que gosto mais em Joaquim Manuel Magalhães é a forma como escreve, o ritmo que imprime, o modo como escolhe palavras e a narrativa que desenha, Tem uma forma de escrita quase gráfica, permanentemente sugerindo imagens. E, como explora os limites do português e tem um olhar totalmente contemporâneo, consegue escrever poesia sobre um tema tão improvável como as máquinas de um ginásio.

OUVIR - Neste tempo em que muito se fala da necessidade de cada pessoa ou empresa se reinventar permanentemente é muito curioso observar como os Tindersticks passaram eles próprios por esse processo. Este "Falling Down A Moutain", o oitavo disco do grupo, que há cinco anos não publicava originais, mostra uma banda num momento alto de criatividade, a revisitar ambientes de jazz, influências dos rhythm'n'blues, de Tom Waits e até de Johhny Cash, para além das baladas que são a imagem de marca de Stuart Staples. Vale a pena destacar um dueto de Mary Margaret O'Hara com Staples, "Peanuts", um diálogo bem humorado e irresistível. Destaque ainda para "Piano Music", a faixa instrumental que encerra o disco, num ambiente que faz o contraponto perfeito à faixa de abertura, que é a muito jazzy e quase hipnótica "Falling Down A Moutain", que dá o nome ao álbum. CD 4AD.

PETISCAR - Muitos dos estabelecimentos comerciais que hoje em dia se intitulam gourmet shops são na realidade pouco mais do que as antigas mercearias e charcutarias finas - como as mercearias antigas da Baixa (como a Jerónimo Martins) ou as charcutarias Diplomata. Confesso que muitas vezes gosto de acabar as minhas tardes com um pequeno passeio num destes estabelecimentos, a procurar inspiração para o jantar ou à procura de alguma novidade para o paladar - salvaguardadas as devidas distâncias não é, do ponto de vista sensorial, um exercício muito diferente de percorrer as estantes de uma livraria ou os escaparates de uma discoteca. Bem perto do Chiado, junto ao Largo Barão de Quintela, a meio da Rua das Flores, fica a Mercearia Doubles - um local despretencioso, mas com uma razoável garrafeira, uma boa secção de frutas e legumes frescos, óptimas compotas, queijos e enchidos. Mesmo ali ao pé fica a nova padaria Quinoa, na Rua do Alecrim 54 - onde pode comprar desde bagels até diversos pães pouco usuais e de boa qualidade. O local também serve refeições leves e oferece uma boa selecção de chás, cafés e chocolates. Entre as duas pode encontrar forma de levar para casa o suficiente para petiscar como deve ser.

BACK TO BASICS - É o Governo que deve trabalhar para os cidadãos e não os cidadãos que devem trabalhar para alimentar os governantes - Gordon Beck
in"JORNAL DE NEGÓCIOS" 19/03/10

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