26/03/2010

CONSTANÇA CUNHA E SÁ


Causas e consequências

O fim de um ciclo

O PEC arrasa a máquina de propaganda em que a imagem de Sócrates sempre se moldou.

Onde o PSD não conseguiu dividir, apelando pateticamente aos hipotéticos valores da liberdade inscritos no código genético do PS, o engº Sócrates parece ter conseguido uma estrondosa vitória. O partido, que se manteve silencioso em torno do líder a propósito das relações dúbias que este mantém com a Comunicação Social, ressuscitou agora dos mortos e desferiu, através da sua ‘ala esquerda’, um dos mais violentos ataques ao Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) conhecido, esta semana, em toda sua esplendorosa miséria. As principais críticas, como seriam de esperar, prendem-se com o plano (se é que se pode chamar àquilo um plano!) de privatizações apresentado no documento e pela diminuição drástica dos chamados apoios sociais aos mais pobres em clara contradição com o Programa de Governo, aprovado ainda há poucos meses, com o aplauso e a complacência da generalidade do partido.

Infelizmente para a ‘ala esquerda’, para o PS e para o país, este PEC não surgiu do nada: é um remendo mal amanhado (é certo) que surge na sequência de uma política económica assente no delírio, na ilusão e num portentoso exercício de propaganda que durante anos conseguiu iludir os principais problemas do país à custa de proclamações sem nexo e de promessas inviáveis que foram invariavelmente desmentidas pela dura realidade dos factos. Invocar, como têm feito os críticos do PEC no interior do PS, o programa eleitoral do partido e o respectivo programa do Governo, transformando-os numa espécie de matriz doutrinária do verdadeiro socialismo, é não perceber que a génese do problema (e do PEC por arrasto) se encontra exactamente na forma como o Governo e o PS tentaram iludir a situação económica nacional, arrastando o país para uma crise sem precedentes que, agora, mal ou bem, não podem deixar de enfrentar.

O que o PEC, de facto, revela – e isso a ‘ala esquerda’ do partido percebeu – é a falência de uma política e o fim de um ciclo que se caracterizava por uma certa forma de governar. Por outras palavras, o PEC, ao ter de levar em linha de conta a realidade, arrasa a máquina de propaganda em que a imagem do engº Sócrates sempre se moldou. Curiosamente, o que começa a parecer óbvio no PS não tem qualquer eco no maior partido da oposição. Entre moções de censura e inquéritos parlamentares de resultados duvidosos, o PSD ainda não percebeu que o pior que pode acontecer ao engº Sócrates é ter de governar sem uma política económica que ele próprio hipotecou.

JORNALISTA


in "CORREIO DA MANHÃ" 23/03/10

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