Terça-feira, 23 de Fevereiro
O eng. Sócrates não faz 'bullying'
Por isso, foi com tristeza mas sem espanto que soube do sucedido aos subordinados do primeiro-ministro inglês. Segundo consta, diversos funcionários de Downing Street habituaram-se a telefonar, aflitinhos, para uma linha nacional de apoio a alvos de bullying. O motivo? Gordon Brown costuma agarrá-los pelas lapelas e gritar- -lhes. Num mundo ideal, os choramingas seriam expostos em público e devidamente humilhados. No mundo que temos, a imprensa local e a oposição tomaram as dores dos funcionários e desataram a criticar os modos do sr. Brown. A lendária fleuma britânica tornou--se uma memória vaga.
E a fleuma caseira? Pelo menos no que toca às altas instâncias governamentais, é difícil responder. Se o eng. Sócrates tem fama de irritadiço com os serviçais, não parece ter o proveito. No caso das "escutas", o nosso primeiro-ministro admitiu a hipótese do uso abusivo do seu nome e mesmo assim acrescentou de imediato que os eventuais abusadores lhe merecem a maior estima. Face a tamanha doçura, ficamos pois sem saber de que modo reagiriam essas criaturas a uma cena de intimidação física a cargo do PM: como homens de facto, isto é, com intimidação redobrada, ou como homens modernos, dos que correm entre lágrimas a ligar à APAV? Eu aposto na segunda hipótese, porque nada nos sujeitos em causa indicia coluna vertebral e porque dispõem de desconto da PT nas chamadas. Ou dispunham, se não se tivessem demitido à conta da estima que o Chefe Maior lhes dedica e lhes merece.
Quinta-feira, 25 de Fevereiro
Madeira
Alberto João Jardim estava a pedi-las quando pediu que os media não divulgassem muito a desgraça na Madeira (por causa do turismo). Na época da Internet e das câmaras de vídeo omnipresentes, a pretensão mostra que o dr. Jardim não conhece bem o mundo em que vive.
Por razões distintas, eu também não conheço. Em vez de ridicularizar o comprovado esforço do dr. Jardim para conter a informação, o mundo em que vivo decidiu criticar a alegada falta de esforço do dr. Jardim para conter as enxurradas. A acreditar em inúmeras reportagens e comentários, toda a gente sabia de antemão que uma chuva desmesurada iria cair na Madeira e que as suas consequências seriam trágicas. Se lhes tivessem perguntado, os peritos até teriam dado o nome e a morada das prováveis vítimas.
Aparentemente, só o dr. Jardim não ligou. Segundo certo consenso, assaz repetido nos últimos dias, o dr. Jardim prefere o crescimento urbanístico da ilha ao bem-estar dos respectivos habitantes. Não vale a pena lembrar que esses habitantes reelegem infalivelmente o cruel dr. Jardim. Talvez valha a pena moderar a tendência para procurar nos homens os culpados perfeitos pelas catástrofes naturais, e o talento para atribuir instantaneamente a culpa se o homem à mão é um ódio antigo da "inteligência" indígena. A revista Visão foi a ponto de contrapor à alegada incúria madeirense o "exemplo a seguir" do Rio de Janeiro, se não me engano o exacto Rio de Janeiro onde as águas costumam matar com regularidade e dimensão ignoradas na Madeira actual (ainda que não na Madeira anterior ao famoso crescimento urbanístico). A comparação é tão absurda quanto invocar o encanto de Cabul para fazer inveja à Amadora. Mas na luta contra o dr. Jardim nenhum absurdo é suficiente, e nenhum luto demasiado pesado.
Sexta-feira, 26 de Fevereiro
Inês já não mora aqui
Enquanto se confirma que uma empresa pública pagou a Luís Figo para vir a Portugal apoiar o eng. Sócrates por um dia, um pedacinho do País debate o caso de Inês Medeiros, que o público em geral paga para vir a Portugal apoiar o eng. Sócrates todas as semanas.
Embora eleita deputada pelo círculo de Lisboa, a sra. Medeiros não está para habitar pocilgas e por isso vive em Paris, cidade a que regressa às sextas-feiras. Como nem em trânsito a sra. Medeiros tolera convívio excessivo com a ralé, as viagens decorrem em classe executiva. Infelizmente, na Assembleia da República alguns não compreendem essas necessidades básicas e, numa demonstração de ressentimento muito portuguesa, há quem proponha que a senhora financie as deslocações do próprio bolso. O PS, naturalmente, discorda, e José Lello sugeriu que retirar os privilégios à sra. Medeiros seria "pôr em causa a livre circulação dos cidadãos europeus".
Eu, confesso, ignorava que a ausência de bilhetes em "executiva" à custa do contribuinte desrespeitasse um dos princípios basilares da União. Porém, já que falam nisso, é verdade que até aqui sentia a minha capacidade circulatória um tanto condicionada e não sabia a razão. Agora sei, pelo que aproveito para apelar aos valores de Maastricht e exigir, não na qualidade de cidadão europeu, voos regulares e com tratamento VIP rumo a Florença, Praga, Londres e Edimburgo.
A sra. Medeiros apenas deseja a rota Lisboa-Paris. E é da maior importância que os portugueses a ajudem a realizar a sua pretensão por via de manifestações, petições e, se preciso for, donativos directos. Em primeiro lugar, porque não nos devemos arriscar a que a sra. Medeiros nos prive do seu extraordinário desempenho parlamentar, de resto evidente no sorriso irónico com que ela encara cada reunião da Comissão de Ética. Em segundo lugar, porque se o eng. Sócrates for impedido de angariar apoiantes no estrangeiro depressa começará a ter dificuldades em consegui-los cá dentro. Bem sei que, além do sr. Figo e da sra. Medeiros, os comentários da Internet estão repletos de louvores apaixonados do primeiro-ministro. Mas, justamente a julgar pelo grau da paixão, os seus autores também não vivem em Portugal: vivem na Lua ou no aparelho do PS, o que hoje em dia é quase o mesmo.
Sábado, 27 de Fevereiro
O infiltrado
A menos que tivesse participado no conluio para despachar Manuela Moura Guedes, é irrelevante a informação de que a dra. Ferreira Leite conheceu mais cedo ou mais tarde o negócio da PT/TVI, não é? Pedro Passos Coelho acha que não e surgiu logo a lamentar o papel (?) da senhora no processo. A menos que tivesse sido a principal responsável pela actual situação económica, é pertinente a comparação que a dra. Ferreira Leite fez entre Portugal e a Grécia, não é? Pedro Passos Coelho acha que não e surgiu logo a explicar que os países não são comparáveis.
Engraçado. O dr. Passos Coelho, que se diz do PSD e até concorre à respectiva presidência, é rápido como Usain Bolt a criticar a dra. Ferreira leite e omisso como um repolho a tecer qualquer reparo ao eng. Sócrates. Na cabeça da jovem esperança social-democrata, o grave não é o eng. Sócrates usar empresas públicas para manipular os media ou a inépcia própria para afundar a economia: gravíssimo é que a dra. Ferreira Leite o saiba ou diga.
Uma boutade célebre ensinava que os adversários se sentam nas bancadas dos restantes partidos e os inimigos na nossa. Temo que o dr. Passos Coelho tenha levado o ensinamento longe demais: para ele, os adversários e os inimigos estão todos na sua bancada. Ao PS, que por acaso é Governo, o dr. Passos Coelho apenas dedica simpatia. Não é à toa que, dos lados do PS, a simpatia é constantemente retribuída. Mas só à toa o PSD elegerá o simpático Pedro para líder: o Mudar do seu programático livrinho refere-se evidentemente à dra. Ferreira Leite e não ao eng. Sócrates, o qual, aliás, nem por uma vez é aí citado.
Depois de tentar controlar a informação, o que apesar de tudo causa algum alvoroço, o PS tenta subjugar a oposição, o que pelos vistos pode ser facílimo. A oposição, leia-se o PSD, o dirá.
Anedota de (um certo) português
Na entrevista a Sousa Tavares, o eng. Sócrates disse o que vem dizendo sempre que lhe apontam um microfone, ou seja, que é inocente e alvo de uma conspiração. O homem, que é dado a clichés, agarrou-se a um velhinho: o de que uma mentira muito repetida se transforma em verdade. Será? Uma sondagem da TSF e do Diário Económico, que mostra uma queda de 11 pontos na popularidade do primeiro-ministro em Fevereiro, sugere que uma mentira repetida pode transformar-se apenas em anedota, aquela que o eng. Sócrates contou na SIC pela enésima ocasião. Curiosamente, cada vez há mais gente a rir.
in "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
28/02/10
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