27/02/2010

MÁRIO MESQUITA


A Caixa de Pandora da República

A Caixa de Pandora da República

Os governos monopartidários de maioria relativa foram quase sempre experiências de curta duração.

Apesar disso, admitia-se que, perante a crise do centro-direita (leia-se: PSD), o segundo Governo de José Sócrates poderia permanecer em funções, pelo menos, até às presidenciais de 2011. A previsão desactualizou-se. Não pela acção da face visível das forças oposicionistas, ou seja, a sua estratégia no Parlamento, mas pelo labor da parte imersa do "iceberg" da República portuguesa, escondida na caixa de Pandora do aparelho governativo, das instituições judiciárias e policiais, da administração de empresas públicas e privadas e dos meios de comunicação social.

Com base no cruzamento de investigações judiciais e jornalísticas, a campanha ad hominem contra o primeiro-ministro atingiu uma vasta dimensão. Ainda que não existam conclusões autorizadas, sobre a validade das acusações que lhe são dirigidas, desde o "caso Freeport" ao "Face oculta", é impressionante a reverberação deste julgamento de opinião pública, acompanhado pela divulgação (legal ou ilegal é irrelevante para o efeito) de escutas telefónicas, resultantes de investigações judiciárias e policiais. A "espiral do silêncio" em formação, criada pela redundância de noticiaristas, comentadores e porta-vozes partidários, condena ao ostracismo as raras opiniões dissonantes. Na sociedade contemporânea, a censura constitui-se por acumulação (das vozes dominantes) e não por supressão (das dissonantes).

Com as vozes hegemónicas nas televisões, nas rádios, nos jornais e nos blogues, a acusá-lo de atentado à democracia, as opiniões divergentes deixam de ser ouvidas. Uma coisa são pressões, manobras, lutas de influência, disputas localizadas, outra construir uma imponente teoria de um "crime contra o Estado de Direito", com vista ao controlo da Comunicação Social na sua globalidade. Esta ideia é paradoxal. As mesmas forças que desencadeiam a poderosa campanha de opinião em curso consideram que já não existe liberdade de expressão. Num sistema mediático em que predominam a direita e o centro-direita, as forças dominantes dizem-se "asfixiadas". A suposta "asfixia" exprime-se em uníssono num coro (quase) sem dissonâncias.

Os sucessivos escândalos contra José Sócrates enfraquecem o primeiro-ministro. Obrigam a rever previsões quanto à duração do Governo. Qualquer que seja a veracidade das acusações formuladas ou o resultado de (eventuais) sentenças, caso as suspeitas venham a originar processos judiciais, o desgaste é elevado. O voluntarismo do primeiro-ministro não parece suficiente para lhe fazer frente. O calendário é conhecido: a partir de 14 de Abril e até Setembro, o Presidente da República pode dissolver a Assembleia. Decidirá fazê-lo? Para convidar o PS a indicar outro primeiro-ministro, sem a certeza de que o fará? Para convocar legislativas antes das presidenciais, com nova liderança no PSD, mas sem garantia de resultados clarificadores? O problema transfere-se, a pouco e pouco, de S. Bento para Belém.

in " JORNAL DE NOTICIAS"

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