17/02/2010

ALBERTO GONÇALVES

O eng. Sócrates e a pouca vergonha

Segunda-feira, 8 de Fevereiro


No sábado, ao almoço, um colunista do Público irritou-se comigo. Porquê? Se bem percebi, porque o "perigo" (sic) que o eng. Sócrates representa para o País não pode ser tratado em textos irónicos do tipo dos que, de acordo com o meu generoso colega, eu pratico. A hora, diz ele, exige franqueza, indignação, os pontos nos ii. Na altura, sorri e, em tom ligeiro, confessei-lhe falta de apetência para manifestos. Mas no domingo saiu a minha crónica no DN e compreendi, enfim, as armadilhas do duplo sentido.

Uma artigo em que, a propósito do episódio Mário Crespo, "defendi" com o sarcasmo possível o direito do eng. Sócrates a atacar jornalistas e quem lhe aprouver foi, a julgar pelos comentários no site do jornal e pelas citações em blogues, tomado à letra por diversos leitores. Num ápice, e por uma vez na vida, vi-me elogiado por gente que venera o primeiro-ministro e insultado pelos que o abominam. Não gostei. Embora seja indiferente aos elogios e sobretudo aos insultos, não sou indiferente aos motivos que os fundamentam: é chato vermo-nos avaliados a partir de um equívoco. De modo a desfazê-lo, venho por este meio exercer uma rectificação (e dar razão ao meu colega). Aqui vai ela, sem ironia, sem açúcar, sem afecto e, convenhamos, sem grande entusiasmo.

Não concebo que um governante interpele jornalistas em público, como Mário Crespo garante que o eng. Sócrates fez ao director da Sic. Não concebo que um governante interpele jornalistas em privado, como uma multidão de profissionais testemunha que o eng. Sócrates e seus subordinados fazem. Sei que a ingerência dos governos nos media não começou ontem e não terminará amanhã. Sei que este particular Governo elevou a ingerência a níveis inéditos, em parte por inclinação natural, em parte por necessidade: nunca, desde a democracia iniciada em 1975, tivemos um primeiro-ministro de currículo tão dúbio e competência tão nula. O currículo, oficialmente embelezado por uma licenciatura curiosa, é uma sucessão de "casos" cuja inconsequência fala pelo estado da Justiça. A competência está à vista no estado do País.

O mentiroso foguetório da propaganda, que disfarça muito, não disfarça tudo, donde a obsessão (um eufemismo) do eng. Sócrates & Cia. com a imprensa, de que a história da TVI seria pretexto bastante para que, num país menos folclórico, o Governo fosse sumariamente varrido e o seu chefe confrontado com os respectivos actos. Por azar, tocou-nos um presidente da República tolhido pelas próprias artimanhas, uma oposição presa a estratégias eleitorais e um eleitorado abúlico. Resta algum PS, o qual, segundo consta, começa a ponderar livrar-se da desagradável gente que ocupou o partido. Mesmo que improvável, a hipótese serviria. O PS dispõe de legitimidade para governar: esta gente não. Esta gente é inacreditável nos vários sentidos da palavra. Cada dia que resista no poder é um dia que o País perde e que a pouca-vergonha ganha.

E agora, se me permitem, vou descansar a indignação. Ainda acho que, se não for o melhor remédio, o riso é um paliativo.

Terça-feira, 9 de Fevereiro
Mudam-se os tempos, as vontades e o que calha

"Socialistas têm vindo a tentar junto de Jorge Sampaio a substituição imediata do PGR" (DN, 6-7-2005) "Ferro Rodrigues acusa PGR de parcialidade" (JN, 12/11/2005). "Altos dirigentes do PS tentaram promover a demissão do procurador-geral da República logo a seguir à vitória de José Sócrates nas eleições legislativas." (Público, 25/11/2005). "Vera Jardim disse que as palavras do PGR não contribuem para cimentar a confiança dos cidadãos na Justiça nem o prestígio das instituições judiciárias." (Expresso, 10/12/2005). "Alegre defendeu a demissão do PGR." (JN, 14/1/2006). "O porta-voz do PS, Vitalino Canas, sugeriu no Parlamento que o PGR foi penalizado politicamente pela forma como lidou com o caso do envelope 9." (Público, 4/10/2006). Alberto Martins exigiu que "o PGR assuma as responsabilidades perante os erros processuais cometidos." (Público, 10/12/2005).

Isto era dantes, quando o PGR se chamava Souto Moura. Agora o PS, justamente pela voz do ministro da Justiça, Alberto Martins, considera que a crítica, qualquer crítica, ao dr. Pinto Monteiro "reveste-se de enorme gravidade" e "não pode ser aceite por quem tenha apego aos valores do Estado de direito democrático". Estranho? Nem por isso. A verdade é que, em quatro ou cinco anos, não foi só o titular da procuradoria-geral que mudou: os valores do Estado de direito mudaram imenso, e a democracia, ou o que resta dela, também.

Sexta-feira, 12 de Fevereiro
Velhas oportunidades

Nem tudo é mau na novela das "escutas". Pelo menos o percurso de um dos escutados permite-nos constatar os méritos socialistas em matéria de formação profissional: o mundo está ao alcance de quem ignore as Novas Oportunidades e suba através das velhas, leia-se o "aparelho" do PS.

O jovem Rui Não Sei Quê Soares, que os conhecidos dele acham "inteligente" e "capaz", trepou à administração da PT em dez anos, os que separam o tempo em que andava pela JS a estampar T-shirts com a cara do "Che" e o tempo em que, levando a sério a concepção de liberdade do argentino, interpôs a providência cautelar ao Sol.

Pelo meio, o jovem Rui vendeu créditos na Cetelem, desenhou websites, passou pela TV Cabo e, na PT propriamente dita, correu postos em sentido ascendente até atingir o cargo actual, pago a um milhão e duzentos mil euros anuais. Nada mau. Principalmente porque as regalias do jovem Rui incluem disponibilidade para continuar a frequentar a vida partidária, onde concorreu a líder da "jota", dirigiu o Grupo de Estudos, colaborou na campanha que elegeu o eng. Sócrates e estabeleceu interessantes vínculos entre a PT e o PS, ao fornecer telemóveis substitutos dos destruídos pelos acessos de fúria do "chefe maior" (sic) e, não menos importante, ao representar ambas as entidades no admirável negócio da TVI. Nos telefonemas interceptados (sempre o bichinho das telecomunicações), o jovem Rui trata empresas e bancos teoricamente privados por "os nossos", prova cabal da importância do moço.

Não sei a que alturas esta esperança pátria ainda chegará. A história mostra-nos que já chegou longe, e que, logo que possua ambição e duas ou três virtudes adicionais que me abstenho de enumerar, neste igualitário país qualquer um pode imitar o exemplo do jovem Rui. E o "qualquer um" é literal.

Sábado, 13 de Fevereiro
Para que serve o PSD?

No jornal Metro, o meu amigo Luciano Amaral pergunta: o que tem o PSD a oferecer de diferente? Muito pouco, responde o próprio Luciano e responde a amostra da recentíssima sondagem do Expresso, que reproduz quase até às décimas os resultados das últimas "legislativas".

Eu também acho que o eng. Sócrates já provou com abundância não possuir capacidade nem carácter (sim, o famoso "carácter" conta) para mandar nisto. Mas as trágicas limitações do primeiro- -ministro não legitimam excessivamente a ambição de qualquer dos candidatos à liderança do PSD. Um quer "mudar", o outro quer "romper" e um terceiro quer "unir". Infelizmente para eles, não consta que boa parte do eleitorado se excite com tão louváveis propósitos, ou porque não os percebe, ou porque percebe demasiado o vazio que encerram.

Se Paulo Rangel parece o melhor candidato é apenas devido aos remoques que recebe do lado socialista. Nessa linha, a simpatia que o PS lhe dedica fazem de Passos Coelho o pior (e a ausência de insultos ou louvores tornam Aguiar-Branco irrelevante). Por aí, os congressistas do PSD têm a tarefa facilitada. Os restantes cidadãos, não. Ser o alvo preferencial dos adversários talvez constitua critério para remendar o PSD: não é condição suficiente para resgatar o fosso em que o País caiu. Assim como a tese da "asfixia democrática" talvez chegue para demonstrar que o eng. Sócrates está a mais: a liberdade respiratória prometida pelo dr. Rangel (e sobre a qual os antecedentes do PSD suscitam algumas reservas) não chega para demonstrar que o PSD está a menos.

Com Paulo ou Pedro, o PSD só será alternativa de poder se alargar o discurso à economia e apresentar um programa de contenção potencialmente impopular e francamente oposto ao ruinoso legado do eng. Sócrates. E só será poder se ultrapassar o velho dilema: aquilo de que o País precisa é aquilo que o País deseja?

Um gigante

O ministro Silva Pereira jura que as "escutas" do Sol mostram que o Governo nunca teve qualquer ideia de controlar os media. Logo, conclui-se que o dr. Silva Pereira ficou radiante com a respectiva divulgação, certo? Errado: considerou-a um "acto criminoso". Se é verdade que os grandes homens são complexos, eis um gigante, para não lhe chamar outra coisa.

in "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"

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