07/01/2010

FRANCISCO MOITA FLORES

03 Janeiro 2010 - 09h00
in "CORREIO DA MANHÃ"

Impressão Digital

Vamos a Isto!

Todos sabemos que vai ser difícil. Quem governa fora dos gabinetes alcatifados, que apenas conhece a força da crise pelos noticiários, quem conhece a amargura e o sofrimento que vão por aí, que está longe da mera teoria e da discussão mais ou menos retórica, quem pisa todos os dias o mesmo chão que é pisado por centenas de desempregados, de gente que perdeu a esperança, de gente que discute se come ou se manda os filhos à escola, sabe que o país está doente.

Pobre, aflito, por vezes sem perceber por que aconteceu esta hecatombe que atinge a economia, que morde as canelas de quem trabalha, e de quem desespera por trabalho. A verdade é difícil, custa a perceber, e nestes tempos de aflição habitados pelo medo estamos sempre em condições de apontar o dedo e de acusar o outro. A culpa é sempre do outro. Do governo que não governa, da oposição que não coopera.

Dos professores por viverem de ameaça em ameaça ou da ministra que não cede até ao servilismo. Do empresário sufocado por dívidas que fechou a empresa, dos beneficiários do rendimento mínimo, sabendo-se que o projecto de grandeza moral e cívica está a ser aproveitado por milhares de malandros. A culpa é da discussão sobre o casamento gay; ou daqueles que dão palpites e não fazem, ou dos outros que insultam e menos ainda fazem. A culpa é sempre estranha a cada um de nós. Velho estigma que herdámos dos tempos em que a culpa era acompanhada de acto de contrição e autos de fé.

Porém, agora que entrámos na nova década, agora que somos cada vez mais confrontados com as consequências mais graves da crise, digamos esse outro acto de contrição que atira as culpas para cima de nós todos. Pois não soubemos fazer, não sabemos ouvir, trabalhámos menos do que precisávamos, estudámos muito menos do que o país precisa, quisemos ser espectadores de um psicodrama no qual somos actores. Mesmo que não o queiramos ser. Pois da nossa vida se trata. Nossa e dos nossos filhos. E não se pode perder mais tempo.

É preciso saber reagir, resistir, ganhar uma nova dimensão da tolerância, e saber que este país precisa de gente com vontade de ser feliz em vez de agonizar no desespero do despeito. Temos séculos andados pelos caminhos que nos trouxeram a 2010. Não creio que tenhamos perdido as forças. Logo agora que lutamos pelo que temos de entregar aos nossos filhos. Que lhes daremos? Esta tristeza moral em que mergulhámos? Apesar de por vezes sermos muito pequeninos, não creio. Temos genica e força para entregar um tempo melhor. Sei que temos. Pesem todos os profetas da desgraça.

Francisco Moita Flores,
Professor Universitário

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