A tourada
2009-12-07
Os forcados foram lançando provocações. O touro respondeu furioso. Foi uma boa pega de caras. Só que em vez de ser no Campo Pequeno, foi no Parlamento.
1.Parece que estamos no fim da legislatura e, no entanto, isto só começou há um mês. O tom despropositado, os excessos de linguagem e de azedume foram evidentes no primeiro debate no Parlamento. Reparem bem, o primeiro! Se o Governo cumprir os quatro anos para que foi eleito teremos esta espécie de tourada de 15 em 15 dias. São duas por mês, 24 por ano, 96 até ao fim.
Um acontecimento, sobretudo para quem gostar de assistir a pegas de caras. Os forcados lançando suspeitas sobre escutas comprometedoras do Face Oculta; provocações sobre acusações de espionagem política; acusações de desperdício de dinheiro público no BPN. E o touro, cada vez mais furioso, lançando-se de forma desenfreada, respectivamente contra os coscuvilheiros (PSD), os inquisidores (BE) e os histéricos (PP).
Como em todas as pegas, à partida nunca se sabe quem a vence. E pelo menos enquanto o touro ainda tem força, a companhia pode abanar. Sobretudo se estiver mais preocupada com os seus egos e pequenos brilharetes e menos com o interesse colectivo. No entanto, como qualquer espectador de touradas também sabe, quase sempre o touro acaba por ceder. Se não for à primeira, é à segunda, ou à terceira.
Até porque na tourada, como na política portuguesa, não existe árbitro. Não há ninguém que seja capaz de dizer aos forcados que há limites, que há coisas mais importantes do que garantir uma volta triunfal perante o aplauso da multidão. E ainda menos um árbitro capaz de amansar o animal feroz e forçar a percepção de que, não sendo capaz de assumir compromissos com nenhum dos seus adversários, melhor será que se retire para a lezíria e dê a vez a outro.
2. É quase impossível compreender por que é que uma mulher está disposta a deixar-se morrer só para poder voltar a casa. É surpreendente que para um sarauí seja assim tão importante que um pobre pedaço de areia seja reconhecido como um país independente. É demencial que uma mãe de dois filhos rejeite o acolhimento de um país democrático e progressista, como é Espanha, exigindo, de forma tão radical, que a deixem regressar às mãos de esbirros marroquinos que, por mais de uma vez, a torturaram.
Será tudo isto, mas não deixa de ser igualmente admirável a coragem, determinação e superioridade moral que revela Aminatu Haidar. Que assim nos obrigou a olhar, pelo menos durante três semanas, para um desses locais no fim do Mundo, cujos problemas não conhecemos, nem queremos conhecer. Três semanas no aeroporto de Lanzarote, depois de ter sido expulsa do Sara Ocidental, precisamente por ter escrito o nome do seu país num papel onde alguns acham que deveria ter escrito Marrocos.
Uma epopeia que se aproxima rapidamente de um fim trágico. O regime marroquino não cederá e a saúde de Aminatu chega ao ponto de não retorno. Veremos se o apelo desesperado de José Saramago, tomando carinhosamente as mãos de Aminatu, no aeroporto de Lanzarote, se cumpre: "Não podemos permitir que esta mulher morra. Seremos moralmente mais pobres se a deixarmos morrer".
in "JORNAL DE NOTÍCIAS"
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