A chamada Guerra das Laranjas foi um curto episódio militar ocorrido entre Portugal e a Espanha em 1801, preludiando a Guerra Peninsular, com extensos desdobramentos, quer na Península Ibérica, quer no ultramar português.
Episódio traumático na História de Portugal, reveste-se de particular importância por ter iniciado a chamada Questão de Olivença, em aberto na política de Relações Internacionais de ambos os países até aos nossos dias.
A parte do conflito travada no Brasil é conhecida como Guerra de 1801.[1] e trouxe uma expansão importante para o Brasil, principalmente para o Rio Grande do Sul, que aumentou seu território em um terço.
Antecedentes políticos e actores
Os antecedentes deste conflito episódico inscrevem-se remotamente no confronto entre a França e a Inglaterra pela hegemonia no plano internacional, envolvendo a Espanha e Portugal, como respectivos estados-satélites e, episodicamente, no contexto do golpe do 18 Brumário, que conduziu Napoleão Bonaparte ao poder (Novembro de 1799).
Neste momento, ao se iniciar o século XIX, o governo de D.Maria I de Portugal (1777–1816) buscava se equilibrar entre as duas potências no tabuleiro europeu, através de uma política externa pautada pela neutralidade. Os ganhos com essa política eram duplos, uma vez que sob o manto dessa neutralidade, o comércio português atendia a ambos os lados em conflito.
A França desejosa de romper a aliança anglo-portuguesa, e assim fechar os portos portugueses ao comércio britânico, pressionava a Espanha para invadir Portugal. Não foi outra a intenção do Segundo Tratado de Santo Ildefonso assinado sigilosamente entre a França e a Espanha, concluído em agosto de 1796, pelo qual esta última declarou guerra à Inglaterra a 8 de Outubro. A pressão sobre Portugal aumentou quando do seu envolvimento na destruição da armada espanhola ao largo do cabo de São Vicente e, posteriormente, pela participação no bloqueio inglês a Alexandria, no Egito (Julho de 1798). Em 1800, pela assinatura de um terceiro Tratado de Santo Ildefonso, a França obteve novas concessões da Espanha. Em consequência ambos os países assinaram uma Convenção (Janeiro de 1801), pela qual um ultimado conjunto foi apresentado a Portugal (Fevereiro), intimando-o a:
- abandonar a sua tradicional aliança com a Inglaterra, fechando-lhe os seus portos;
- abrir os seus portos à França e à Espanha;
- entregar território correspondente a um quarto da população metropolitana como garantia da devolução ou cessão de ilhas espanholas em mãos inglesas: Trinidad, Minorca e Malta;
- pagar reparações de guerra à França e à Espanha; e
- rever os limites fronteiriços com a Espanha.
Caso Portugal se recusasse a aceitar os termos deste ultimato, seria invadido pela Espanha, para o que a França contribuiria com um efetivo de 15.000 homens.
Os efectivos
Embora Portugal tenha despachado um negociador para a Corte de Madrid, a contestar a intimação, a Guerra foi declarada.
O Exército português contava no início de 1801 apenas com 2.000 cavaleiros e 16.000 infantes, sob o comando de D. João Carlos de Bragança Sousa e Ligne, 2.º duque de Lafões, na altura contando já 82 anos de idade.
Pelo lado espanhol, em Março, o primeiro-ministro espanhol Manuel de Godoy foi nomeado comandante-em-chefe das tropas de invasão, cujo efectivo ascendia a 30.000 homens.
Pelo lado francês, em Abril, as tropas sob o comando do general Charles Victor Emmanuel Leclerc (cunhado de Napoleão Bonaparte), começaram a chegar a Espanha. Diante do rápido desfecho do conflito, não tiveram oportunidade de entrar em combate.
A campanha
A 20 de Maio, o exército espanhol penetrava em Portugal pelo Alentejo, ocupando, sem resistência, a Praça-forte de Olivença, feito que se repetiu com a Fortaleza de Juromenha, Arronches, Portalegre, Castelo de Vide, Barbacena e Ouguela. A Praça-forte de Campo Maior resistiu por dezoito dias antes de cair com honras militares e a Praça-forte de Elvas resistiu com êxito. No curto espaço de dezoito dias, o exército espanhol era senhor da região do Alto-Alentejo.
A designação que o conflito tomou historiograficamente deve-se a um episódio ocorrido quando do cerco a Elvas (Maio de 1801): dois soldados espanhóis teriam colhido dois ramos de laranjeira com frutos, que foram remetidas frescas por seu comandante, Manuel de Godoy, à rainha Maria Luísa, esposa de Carlos IV de Espanha, com a mensagem: Eu careço de tudo, mas sem nada irei para Lisboa. Alguns autores vêem neste gesto de galantaria um indicativo de uma relação mais íntima entre Godoy e a sua soberana.
A expansão do Rio Grande do Sul
No Rio Grande do Sul o governo local tinha uma política expansionista, fundando povoações ao longo da região de fronteira, que além de povoar a região, propiciava um aporte de soldados. Em janeiro de 1800, foram criadas, com imigrantes açorianos, as povoações de Caçapava do Sul e Canguçu.[1]
A notícia da declaração de guerra foi recebida na capital do Rio Grande do Sul em 15 de junho de 1801, quando chegou uma embarcação vinda da Bahia, retransmitindo uma informação dada pela corveta portuguesa Andorinha, que tinha lá aportado pouco antes. A informação foi confirmada no dia 22, por outra embarcação vinda de Pernambuco. [1]
Não tendo ainda recebido ordens do vice-rei, as forças militares, divididas em dois corpos, se dirigiram para a fronteira, uma para Rio Pardo, outra para Rio Grande, com o objetivo de conquistar os territórios que levasse as fronteiras aos "limites naturais" do Sul do Brasil, os rios Uruguai e da Prata. [1]
Como não havia uma declaração de guerra conhecida e oficial entre os dois reinos, foram organizadas pequenas tropas de milicianos, sem uniforme, mas armados pelo governo, que realizaram os primeiros ataques. O primeiro a se apresentar foi Manuel dos Santos Pedroso com uma tropa de aproximadamente 30 homens, conquistou o fortim espanhol de São Martinho. [1]
José Francisco Borges do Canto, conhecido contrabandista buscando uma anistia, se apresentou com 15 homens. Encarregado inicialmente de apoiar a Manuel Pedroso, conseguiu apoio de índios Guarani e buscou o combate com os espanhóis em São Miguel das Missões, que cercada se rendeu em poucos dias, tendo sua guarnição espanhola sido libertada. Em seguida se renderam as povoações de São João e Santo Ângelo. [1] O passo seguinte foi conquistar São Lourenço, São Luís e São Nicolau, que já estavam sendo abandonadas pela população local. O comandante espanhol foi preso tentando mobilizar uma tropa perto de São Luís e foi conduzido de volta a São Miguel. [1]Uma comissão de índios de São Borja, a última missão não conquistada, trouxe cativo o administrador espanhol e prometeu fidelidade aos portugueses.[1]
Ao sul tropas do capitão de milícias Simão Soares da Silva e do tenente José Antunes da Porciúncula atacaram a região do Taim, conquistaram o forte de Chuí. [1] Já uma tropa do coronel Patrício José Correia da Câmara, liderada pelo tenente Antônio Alves, atacou e rendeu as tropas espanholas que abandonavam o forte de Cerro Largo. [1]
Todas os outros fortins da região foram sucessivamente abandonados pelos espanhóis e ocupados por destacamentos portugueses sem mais confrontos, sendo o mais importante espólio o forte de Santa Tecla, em Bagé.[1]
O Rio Grande do Sul ao final tinha expandido seu território em um terço.[1]
A expansão do Mato Grosso
Provavelmente ambos portugueses e espanhóis ficaram sabendo da guerra ao mesmo tempo, em meados de julho ou princípios de agosto de 1801. Os espanhóis decidiram então atacar o Brasil no ponto que consideravam o mais vulnerável nas defesas portuguesas, o forte Coimbra. Uma expedição comandada por D. Lázaro de la Ribera y Espinoza, composta por mais de 500 homens foi enviada para atacar o forte, comandado pelo tenente-coronel Ricardo Franco de Almeida Serra, que tinha uma pequena guarnição militar de cerca de 40 militares, acompanhados de 60 civis. A expedição chegou ao forte em 16 de setembro de 1801, sendo recebida a tiro de canhão.[1]
No dia seguinte, os espanhóis tentaram um desembarque na ponta superior do forte, mas a artilharia portuguesa rechaçou as milícias paraguaias. Em 19 de setembro atacaram pelo outro lado infrutiferamente, no dia seguinte apresaram alguns mantimentos, mas sem grandes consequências para os defensores. No dia 24 de setembro, com as suas forças reorganizadas, os espanhóis tentaram um último esforço, novamente sem sucesso, se retiraram no dia seguinte. [1]
Enquanto os espanhóis atacavam o Forte Coimbra, o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, futuro visconde e marquês de Vila Real da Praia Grande, decidiu contra-atacar. Enviou uma pequena força pelo vale do rio Mondego, comandada pelo tenente Francisco Rodrigues Prado, comandante do forte Miranda, que tomou e arrasou o forte São Jorge, na margem sul do rio Apa, o que permitiu fixar a fronteira definitivamente nesse rio. Um território que o Paraguai independente pretendeu na Guerra da Tríplice Aliança.[1]
O Tratado de Badajoz
Surpreendido e em desvantagem, Portugal assinou o Tratado de Badajoz (6 de Junho de 1801), que entre os seus artigos, estipulava:
- A paz entre as duas nações, em toda a extensão dos seus reinos e domínios, em terra e no mar;
- O encerramento dos portos de Portugal e de todos os seus domínios aos navios da Inglaterra;
- A restituição, pela Espanha, das praças e povoações de Juromenha, Arronches, Portalegre, Castelo de Vide, Barbacena, Campo Maior e Ouguela, conservando, em qualidade de Conquista (…) a Praça de Olivença, seu Território, e Povos desde o Guadiana, estipulando-se a linha de fronteira, naquele território, pelo rio Guadiana;
- Proibição de contrabando nas fronteiras entre ambos os países;
- Pagamento por parte de Portugal à Espanha, das despesas incorridas por esta na guerra;
Os termos do tratado foram ratificados pelo Príncipe-Regente de Portugal no dia 14 e pelo rei da Espanha a 21 do mesmo mês, mas foram rejeitados por Napoleão Bonaparte. Um novo tratado foi celebrado, a 29 de Setembro de 1801, que, se por um lado formulou imposições mais severas a Portugal, por outro, evitou uma nova violação do seu território.
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