Ordem: | 1.º Imperador do Brasil |
---|---|
Cognome(s): | O Libertador O Rei-Soldado O Rei-Imperador |
Início do Reinado: | 7 de setembro de 1822 (Brasil) 10 de março de 1826 (Portugal) |
Término do Reinado: | 7 de abril de 1831 (Brasil) 28 de maio de 1826 (Portugal) |
Aclamação: | 12 de outubro de 1822, Capela Imperial, Rio de Janeiro |
Predecessor: | D. João VI (Portugal) Inexistente (Brasil) |
Sucessor: | D. Pedro II (Brasil) D. Maria II (Portugal) |
Pai: | D. João VI |
Mãe: | D. Carlota Joaquina |
Data de Nascimento: | 12 de outubro de 1798 |
Local de Nascimento: | Palácio de Queluz, Portugal |
Data de Falecimento: | 24 de Setembro de 1834 (35 anos) |
Local de Falecimento: | Palácio de Queluz, Portugal |
Consorte(s): | Maria Leopoldina de Áustria Amélia de Leuchtenberg |
Príncipe Herdeiro: | D. Pedro II (Brasil) D. Maria II (Portugal) |
Dinastia: | Bragança |
D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal (nome completo: Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon; Queluz, 12 de outubro de 1798 — Queluz, 24 de setembro de 1834) foi o primeiro imperador do Brasil (de 1822 a 1831) e 28º rei de Portugal (durante sete dias de 1826).
Recebeu os títulos de infante, grão-prior do Crato, príncipe da Beira, príncipe do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, príncipe regente do Reino do Brasil além de primeiro imperador do Brasil, como D. Pedro I, de 12 de outubro de 1822 a 7 de abril de 1831, e ainda 28º Rei de Portugal (título herdado de seu pai, D. João VI), durante um período de sete dias (entre 26 de abril e 2 de maio de 1826), como D. Pedro IV.
Em Portugal é conhecido como O Rei-Soldado, por combater o irmão D. Miguel na Guerra Civil de 1832-34 ou O Rei-Imperador. É também conhecido, de ambos os lados do oceano Atlântico, como O Libertador — Libertador do Brasil do domínio português e Libertador de Portugal do governo absolutista.
D. Pedro I abdicou de ambas as coroas: da portuguesa para a filha D. Maria da Glória e da brasileira para o filho D. Pedro II. D. Pedro I era o quarto filho (segundo varão) do rei D. João VI e de sua mulher, Carlota Joaquina de Bourbon, princesa de Espanha, primogênita do rei espanhol Carlos IV da Espanha. Tornou-se herdeiro depois da morte do seu irmão mais velho, Francisco (1795 - 1801).
Infância e juventude
D. Pedro de Alcântara nasceu em Queluz, Portugal, em 12 de outubro de 1798 sendo filho de D. João VI de Portugal, Rei de Portugal, Brasil e Algarves e Dona Carlota Joaquina, infanta da Espanha. Seus avós paternos eram D. Pedro III, Rei de Portugal e Algarves e dona Maria I, Rainha de Portugal e Algarves, enquanto seus avós maternos eram D. Carlos IV, Rei da Espanha e dona Maria Luísa, princesa de Parma. Era o quarto filho, e segundo varão de seus pais, e não era esperado que um dia viesse a ascender ao trono.
O falecimento de seu irmão mais velho, D. Antonio, em 1801, tornou-o o herdeiro de seu pai, então regente em nome de dona Maria I.
O príncipe passou a infância no Palácio de Queluz, onde também nascera, e convivera com a avó paterna, que estava completamente insana. Sua mãe não lhe dava muita atenção, preferindo voltar-se para seu irmão mais novo, D. Miguel. Seu pai o estimava muito, considerando-o o filho predileto, mas por ser reservado e sofrer de depressão, mantinha pouco contato com o seu herdeiro.
Em 1807, D. João VI, preocupado com os acontecimentos na Europa, realizou um plano de enviar o seu filho mais velho para o Brasil e assim impedir que a mais valiosa colônia portuguesa pudesse sofrer o mesmo destino das colônias espanholas. Entretanto, a invasão de Portugal por tropas de Napoleão Bonaparte o fizeram mudar de ideia e decidiu-se pela transmigração não só da Família Real portuguesa, mas de todo aparato estatal do império lusitano.
No Brasil, D. Pedro viveu no Palácio da Quinta da Boa Vista em São Cristóvão junto com seu pai e D. Miguel, mas também residiu na Fazenda de Santa Cruz e no Paço Imperial.
D. Pedro e seu irmão D. Miguel compartilhavam a aparência, o temperamento e afeições. Ambos possuíam uma relação de amor e ódio um com o outro, e brincavam e brigavam quando crianças. Na infância, os dois irmãos criavam pequenos regimentos formados por amigos que se combatiam simulando batalhas entre exércitos.
A predileção de D. Pedro pela vida militar não se restringiu apenas à infância, e mesmo como adulto manteve o gosto pela carreira. Anos mais tarde, em 1825, um estrangeiro diria que não havia no Brasil pessoa melhor que o então Imperador no manejo com armas.
As principais atividades do herdeiro da coroa portuguesa até os seus dezesseis anos de idade foram os exercícios físicos, a equitação e a marcenaria. Seu interesse pelos cavalos não se restringia a apenas montar, mas também cuidava dos mesmos, arreando, dando banho e até mesmo os ferrando.
Na mocidade se divertia indo as tavernas do Rio de Janeiro, onde as freqüentava em companhia dos empregados do palácio, mas sempre disfarçado para que não fosse reconhecido. Em uma dessas andanças noturnas conheceu Francisco Gomes da Silva, que mais tarde se tornaria um dos seus mais fiéis amigos e seria conhecido como o "Chalaça".
Características
De acordo com Isabel Lustosa, D. Pedro se "bem que não fosse bonito, era simpático, bem constituído, de cabelos pretos e anelados; tinha nariz aquilino, olhos pretos e brilhantes, uma boca regular e dentes muito alvos".Para José Murilo de Carvalho, ele era "comandado por emoções, às vezes contraditórias, a que não aprendera a impor barreira alguma. Era impulsivo, romântico, autoritário, ambicioso, generoso, grosseiro, sedutor. Era capaz de grandes ódios e grandes amores". Heitor Lyra o define da seguinte maneira:
“ | De temperamento, era um impulsivo. Volúvel até os extremos, era capaz dos maiores egoísmos e das mais largas generosidades. Tudo nele era incompleto: mal educado, mal guiado, mal aconselhado, faltou-lhe sempre o senso da medida. Mas, como todas as naturezas espontâneas, tinha um fundo de grande bondade. Herdou do velho Rei seu pai a liberalidade […]. Tinha, da mãe, sobretudo, a impetuosidade. Foi essa impetuosidade, aliada ao seu estabanado cavalheirismo, que o levou a libertar dois povos. Um punhado, largo, de boas qualidades: bravura, honestidade, desprendimento pessoal, idealismo. E um acentuado desejo de bem fazer – o que o não impedia de ser, muita vez, injusto e agressivo até com os seus melhores amigos. | ” |
O príncipe era extremamente simples, e enquanto a sociedade da época como um todo considerava qualquer forma de trabalho manual algo relegado somente a escravos, D. Pedro não se importava em trabalhar com as próprias mãos.Fazia questão de manter uma relação direta com o povo, e sentia prazer em estar entre gente comum.
Isabel Lustosa expressa claramente este lado do Imperador como no episódio em que "ele saia da igreja misturado com a gente do povo que gracejava e ria, não dando a menor demonstração de repulsa ao profanus vulgus, mas sim de desejar confraternizar-se com eles. Quando d. Pedro era abordado por qualquer pessoa do povo, entabulava familiarmente uma conversa".
D Pedro e a escravidão
D. Pedro I não acreditava em diferenças raciais e muito menos em uma presumível inferioridade do negro como era comum à época e perduraria até o final da II Guerra Mundial. O Imperador deixara clara a sua opinião sobre o tema: "Eu sei que o meu sangue é da mesma cor que o dos negros". Era também completamente contrário a escravidão e pretendia debater com os deputados da Assembleia Constituinte uma forma de extinguí-la.
O monarca acreditava que a melhor maneira de eliminar a escravidão seria de uma maneira gradual em conjunto com a imigração de trabalhadores europeus para substituir a mão-de-obra que viria a faltar.
D. Pedro tinha noção de que não detinha meios para abolir o sistema esclavagista a não ser convencendo a sociedade brasileira. Contudo, a escravidão não era utilizada por apenas ricos aristocratas como popularmente se imaginava. Pessoas humildes compravam com seus poucos recursos escravos que pudessem trabalhar por elas. Libertos também detinham seus próprios escravos e até mesmo estes possuíam escravos.
A escravidão não se resumia somente a negros, e havia casos de brancos escravos também. O Imperador combatia publicamente a escravidão e entrava em choque com a população brasileira como um todo que via em suas ações uma demonstração de autoritarismo. Segundo o próprio D. Pedro I:
“ | "Os escravos nos inoculam todos os seus vícios, e nos fazem corações cruéis, inconstitucionais e amigos do despotismo. Todo senhor de escravo desde pequeno começa a olhar o seu semelhante com desprezo, acostuma-se a proceder a seu alvedrio [arbítrio], sem lei nem roca, às duas por três julga-se, por seu dinheiro e pelo hábito contraído, superior a todos os mais homens, espezinha-os [humilha-os] quando empregado público, e quando súdito em qualquer repartição não tolera nem sequer a menor admoestação [repreensão com brandura], que logo o seu coração, pelo hábito de vingar-se e de satisfazer-se as suas paixões, lhe esteja dizendo: ‘Se tu foras meu escravo’…" | ” |
Poucas foram as pessoas que se aliaram a D. Pedro na primeira metade do século XIX na luta pelo fim da escravidão, tais como: José Bonifácio, João Severiano Maciel da Costa e Hipólito da Costa. A maior parte, entretanto, permaneceu hostil as idéias abolicionistas. Seriam necessárias várias décadas até que o seu filho, D. Pedro II e sua neta, a princesa Isabel, lograssem convencer a sociedade brasileira da necessidade de extinguir a escravidão, que era chamada de "cancro [câncer] social".
De acordo com José Murilo de Carvalho, a prova "da força da escravidão é o fato de que nenhuma das muitas revoltas regenciais propôs sua abolição geral. Quando os malês se rebelaram em 1835, buscavam a liberdade apenas para os irmãos de fé muçulmana". O abolicionismo de D. Pedro I e de D. Pedro II viria a custar à coroa de ambos. Sobre o papel do primeiro Imperador na luta pelo fim da escravidão, a historiadora Isabel Lustosa diz que:
“ | […] d. Pedro I foi um governante muito à frente da elite brasileira do seu tempo. Ele afrontou os valores da escravidão, combatendo com vigor o hábito de alguns funcionários públicos de mandar escravos para trabalhar em seu lugar; concedendo lotes aos escravos que libertou na Fazenda de Santa Cruz; no Rio de Janeiro e na Bahia, onde os ricos circulavam em liteiras e qualquer pessoa que pudesse ter dois escravos tinha condições de se fazer transportar pelas ruas numa rede amarrada num pau que os escravos sustentavam nos ombros, lembra Macaulay, d. Pedro andava a cavalo ou circulava numa carruagem puxada por cavalos ou mulas e dirigida por ele mesmo; e, como foi visto, não permitiu que seus súditos lhe prestassem a homenagem tradicional de carregar sua carruagem nas costas por ocasião do Fico.[16] | ” |
Educação
O início da instrução de D. Pedro coube a "austera e grave" dona Maria Genovena do Rego e Matos e em seguida tornou-se responsabilidade do "erudito" Frei Antônio de Nossa Senhora de Salete. O clérigo lhe ensinou o catecismo e latim. Seu ensino na língua latina foi aperfeiçoado pelo Frei Antônio de Arrábida, futuro Bispo de Anemúria. Também foi educado em matemática, disciplina pela qual D. Pedro era "apaixonado", pelo "cultíssimo" João Monteiro da Rocha, que ao falecer em 10 de dezembro de 1819, legou a D. Pedro a sua vasta biblioteca pessoal.
Aprendeu francês com o cônego René Pierre Boiret e inglês com Guilherme Paulo Tilbury, capelão da Divisão Militar da Guarda Imperial de Polícia. João Rademaker também atuou como preceptor do príncipe e "foi verdadeiramente o seu mestre, no sentido preciso e restrito do termo, lucrou imensamente o jovem príncipe. Sábio e poliglota, o antigo ministro de Portugal na Dinamarca e em Buenos Aires reunia em si as qualificações indispensáveis a direção moral e cientifica de D. Pedro".
Além do seu português nativo, D. Pedro sabia ler, escrever e falar em francês e latim, e compreendia o inglês e o alemão.
Na viagem da Família Real portuguesa ao Brasil em 1808, D. Pedro com apenas nove anos de idade, quando não estava entre os marinheiros aprendendo as manobras de bordo, era sempre visto sentado encostado em um dos mastros do navio lendo a clássica obra Eneida do romano Virgílio no original em latim. Leu os sermões do padre Antônio Vieira, as cartas de Madame de Sévigné, as obras de Edmund Burke, de Voltaire e de Benjamin Constant. Até o fim de seus dias o príncipe reservou diariamente cerca de duas horas à leitura e ao estudo. Também escreveu diversas poesias:
Meu amor, meu grande amor,
Sem ti não quero viver
Tua imagem é a meiga flor
Que eu vivo a bem-querer…
Assim como seus antepassados da Casa de Bragança, D. Pedro tinha fascinação e vocação para a música. Foi educado na arte musical por Maurício Nunes Garcia, Marcos Antônio Portugal e Sigismund Neukomm. O príncipe compôs diversas obras, tais como: "uma missa cantada, sinfonias e um Te Deum, além de hinos, como o Hino da Maçonaria, uma das versões do hino da Independência do Brasil e o Hino da Caeta, considerado até 1911 como o Hino Nacional português".
O príncipe sabia tocar instrumentos musicais como: piano, flauta, fagote, trombone, violino, clarinete, violão, lundu e cravo. Tinha grande interesse por atividades que requeressem uma certa habilidade física, como pintura, litografia, escultura e freqüentou constantemente as aulas de desenho da Academia de Belas-Artes.
Era também um excelente mecânico, marceneiro e torneiro, além de desprender bastante tempo a exercícios físicos, equitação e caça.
Apesar da visão costumeira que se trata nos livros escolares, D. Pedro não era o semi-analfabeto que sempre se imaginou. De fato não recebeu a educação esperada para um futuro Chefe de Estado, mas ainda assim fora muito melhor do que a recebida pela maior parte dos seus contemporâneos e mesmo atualmente. A instrução deficiente que recebeu não o impediu de sempre buscar aprimorar seus conhecimentos e o príncipe fora na realidade um autodidata.Se tivesse sido educado conforme a sua posição como herdeiro do trono exigia, teria "sido um príncipe quase perfeito". Napier diria a seu respeito: "As suas boas qualidades eram propriamente suas; as más, devido à falta de educação; e homem nenhum conhecia melhor este defeito do que ele mesmo".
D. Pedro tinha clara noção da falha em sua educação e buscava aconselhar tantos os seus filhos legítimos como os ilegítimos a estudarem e não cometerem o mesmo erro que ele próprio cometera. Sabia também do valor da educação e uma de suas primeiras medidas como regente fora a extinção de qualquer tributação sobre livros importados e a abolição da censura prévia. Criou cursos jurídicos e relegou ao Estado a obrigação de manter escolas primárias.
Casamento com Leopoldina de Habsburgo
Em 1818, quando tinha 19 anos, casa-se com a Arquiduquesa Dona Leopoldina, filha do Imperador Francisco I da Áustria, e de sua segunda esposa, Maria Teresa de Bourbon, Princesa das Duas Sicílias, de um ramo dos Bourbons franceses. Francisco I e Maria Teresa foram os últimos imperadores do Sacro Império Romano Germânico e os primeiros da Áustria. Leopoldina era sobrinha-neta da rainha Maria Antonieta e irmã da segunda imperatriz dos franceses Maria Luísa da Áustria.
A cerimônia foi realizada na Igreja de Santa Ifigênia, na Rua da Alfândega, tendo o cortejo nupcial desfilado pelo que é hoje a Rua Primeiro de Março. Nela, dizem os historiadores que se dançou pelas ruas o Catupé, variedade de Congo, antigamente ligado a festejos religiosos e, depois, ao Carnaval. Do enlace nasceram, entre outros filhos, D. Maria da Glória (1819), Rainha de Portugal como Dona Maria II, e D. Pedro de Alcântara (1825), sucessor do pai como Imperador do Brasil com o título de D. Pedro II.
Viúvo desde 11 de dezembro de 1826, em agosto de 1829 contrai segundas núpcias por procuração com Amélia de Beauharnais, Princesa da Baviera, Duquesa de Leuchtenberg, neta da Imperatriz Josefina da França, esposa repudiada de Napoleão Bonaparte.
O Movimento da Independência do Brasil
Em março de 1816, com a morte de Dona Maria I, a Louca e a elevação de seu pai a Rei de Portugal, recebeu o título de Príncipe Real e Herdeiro do Trono (o irmão mais velho, Antônio Príncipe da Beira, falecera em 1801). Irrompe então a revolução constitucionalista de 1820, exigindo a restituição do Pacto Colonial e o retorno da Família Real ao reino.
D. João VI a ignora, mas devido à pressão popular do clero, da nobreza e da burguesia portuguesa, em 1821 decide retornar à metrópole depois de cerca de treze anos no Rio de Janeiro. Em Portugal, as Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa já iniciavam a elaboração da Constituição do reino. Mas esta decisão régia foi mal recebida no Brasil.
Ao voltar à Portugal, D. João VI deixa seu filho D. Pedro I como Príncipe Regente do Brasil. Os direitos concedidos ao Brasil, entretanto, foram sendo rescindidos pelas cortes. D. Pedro I então alinha-se ao descontentamento brasileiro provocado pelas medidas portuguesas.
O Dia do Fico
Preocupada com a evolução do Brasil, a elite política portuguesa pressionava as cortes que redigiam a Constituição Portuguesa a rebaixar novamente à categoria de colônia o Brasil (que tinha sido elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves). Pressionado por essas cortes, D. João VI assinou um documento que tornava inefetivo o título de príncipe regente do Brasil concedido a D. Pedro I. Uma ordem judicial exigiu a volta imediata do príncipe a Portugal. Foi enviada uma frota ao Rio de Janeiro, destinada a repatriá-lo.
Após ter recebido um abaixo-assinado com centenas de assinaturas (conhecido como Petição do Fico), que pedia que ele permanecesse no Brasil, o regente recusou-se a embarcar para a Europa e, em 9 de janeiro de 1822, pronunciou, em um episódio que ficou conhecido como Dia do Fico, a frase histórica: "Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que fico!", declarando também que nenhuma ordem das cortes portuguesas seria cumprida no Brasil sem a sua autorização.
Proclamação da Independência
Em abril a popularidade do príncipe foi comprovada durante uma viagem a Minas Gerais. De lá seguiu para São Paulo, a fim de pacificar rebeliões na província. Em 7 de setembro, quando ia de Santos para a capital paulista, recebeu notícias de Portugal por cartas de José Bonifácio e da esposa Maria Leopoldina da Áustria, contando-lhe que havia promulgado a independência brasileira, uma vez que a corte portuguesa exigia o seu retorno e com isso não acontecendo, programava uma ação militar contra o Brasil. Foi então que, junto ao riacho do Ipiranga (São Paulo), o herdeiro de D. João VI proferiu o famoso Grito do Ipiranga: "Independência ou Morte!".
D. Pedro I contou, naturalmente, com o apoio do "povo" e, de volta ao Rio de Janeiro, em 12 de outubro, foi proclamado imperador e "defensor perpétuo do Brasil". Em 1 de dezembro foi sagrado e coroado. A Independência do Brasil foi contestada em território brasileiro por tropas do Exército Português, especialmente nas regiões onde, por razões estratégicas, elas se concentravam, a saber, nas então Províncias Cisplatina, da Bahia, do Piauí, do Maranhão e do Grão-Pará (Guerra da Independência do Brasil). A Independência foi oficialmente reconhecida por Portugal e pelo Reino Unido somente em 1825.
Imperador do Brasil
A visão histórica ensinada nas escolas até os dias atuais é a de que um dom Pedro I autoritário e despótico teria entrado em conflito com a liberal e democrática Assembléia, fechando esta última contra a vontade do povo brasileiro e acabando por outorgar (impôr) uma Constituição de cunho absolutista sobre o país. Trata-se de uma invenção posterior dos republicanos para desmoralizar o passado monárquico do Brasil.[29] A realidade dos fatos foi completamente diversa.
Constituinte de 1823
No dia 3 de março de 1823, a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil iniciou sua legislatura com o intento de realizar a primeira Constituição Política do país. No mesmo dia, D. Pedro I discursou para os deputados reunidos, deixando clara a razão de ter afirmado durante sua coroação no final do ano anterior que a Constituição deveria ser digna do Brasil e de si (frase esta que fora ideia de José Bonifácio e não do Imperador[30]):
“ | Como Imperador Constitucional, e mui especialmente como Defensor Perpétuo deste Império, disse ao povo no dia 1 de dezembro do ano próximo passado, em que fui coroado e sagrado – que com a minha espada defenderia a Pátria, Nação e a Constituição, se fosse digna do Brasil e de mim…, uma Constituição em que os três poderes sejam bem divididos… uma Constituição que, pondo barreiras inacessíveis ao despotismo quer real, aristocrático, quer democrático, afugente a anarquia e plante a árvore da liberdade a cuja sombra deve crescer a união, tranqüilidade e independência deste Império, que será o assombro do mundo novo e velho. Todas as Constituições, que à maneira de 1791 e 1792 têm estabelecido suas bases, e se têm querido organizar, a experiência nos tem mostrado que são totalmente teóricas e metafísicas, e por isso inexeqüíveis: assim o prova a França, a Espanha e, ultimamente, Portugal. Elas não tem feito, como deviam, a felicidade geral, mas sim, depois de uma licenciosa liberdade, vemos que em uns países já aparecem, e em outros ainda não tarda a aparecer, o despotismo em um, depois de ter sido exercido por muitos, sendo conseqüência necessária ficarem os povos reduzidos à triste situação de presenciarem e sofrerem todos os horrores da anarquia.[31] | ” |
D. Pedro lembrou aos deputados em seu discurso que a Constituição deveria impedir eventuais abusos não somente por parte do monarca, mas também por parte da classe política e da própria população. Para tanto, seria necessário evitar implantar no país leis que na prática seriam desrespeitadas. A Assembleia num primeiro momento se prontificou a aceitar o pedido do Imperador,[32] mas alguns deputados se sentiram incomodados com o discurso de D. Pedro.
Um deles, o deputado por Pernambuco Andrade de Lima, manifestou claramente seu descontentamento, alegando que a frase do monarca fora por demais ambígua.[30] Os deputados que se encontravam na Constituinte eram em sua grande maioria liberais moderados, reunindo "o que havia de melhor e de mais representativo no Brasil".[33] Foram eleitos de maneira indireta e por voto censitário e não pertenciam a partidos, que ainda não existiam no país.[33]
Havia, contudo, facções entre os mesmos, sendo três discerníveis: os "bonifácios", que eram liderados por José Bonifácio e defendiam a existência de uma monarquia forte, mas constitucional e centralizada, para assim evitar a possibilidade de fragmentação do país, e pretendiam abolir o tráfico de escravos e a escravidão, realizar uma reforma agrária e de desenvolver econômicamente o país livre de empréstimos estrangeiros.[34] Os "portugueses absolutistas", que compreendiam não apenas lusitanos, mas também brasileiros e defendiam uma monarquia absoluta e centralizada, além da manutenção de seus privilégios econômicos e sociais.
E por último, os "liberais federalistas", que contavam em seus quadros com portugueses e brasileiros, e que pregavam uma monarquia meramente figurativa e descentralizada, se possível federal, em conjunto com a manutenção da escravidão, além de combaterem com veemência os projetos dos bonifácios.[34] Ideologicamente, o Imperador se identificava com os bonifácios tanto em relação aos projetos sociais e econômicos, quanto em relação aos políticos, pois não tinha interesse nem em atuar como um monarca absoluto e muito menos em servir como "uma figura de papelão no governo".[35]
O esboço da Constituição de 1823 foi escrito por Antonio Carlos de Andrada, que sofreu forte influência das Cartas francesa e norueguesa.[36] Em seguida foi remetido a Constituinte, onde os deputados iniciaram os trabalhos para a realização da carta. Existiam diversas diferenças entre o projeto de 1823 e a posterior Constituição de 1824. Na questão do federalismo, era centralizadora, pois dividia o país em comarcas, que são divisões meramente judiciais e não administrativas.[37] As qualificações para eleitor eram muito mais restritivas que a Carta de 1824.[38] Definia também que seriam considerados cidadãos brasileiros somente os homens livres no Brasil, e não os escravos que eventualmente viessem a serem libertados, diferentemente da Constituição de 1824.[39]
Era prevista a separação dos três poderes, sendo o Executivo delegado ao Imperador, mas a responsabilidade por seus atos recairia sobre os ministros de Estado. A Constituinte optou também pela inclusão do veto suspensivo por parte do Imperador (assim como a de 1824), que poderia inclusive vetar se assim o desejasse o próprio projeto de Constituição. Entretanto, mudanças nos rumos políticos levaram os deputados a proporem tornar o monarca uma figura meramente simbólica, completamente subordinado à Assembléia. Este fato, seguido pela aprovação de um projeto em 12 de junho de 1823 pelo qual as leis criadas pelo órgão dispensariam a sanção do Monarca levou D. Pedro I a entrar em choque com a Constituinte.[40]
Por trás da disputa entre o Imperador e a Assembléia,[41] havia uma outra, mais profunda e que foi a real causa da dissolução da Constituinte. Desde o início dos trabalhos legislativos os liberais federalistas tinham como principal intuito derrubar o ministério presidido por José Bonifácio a qualquer custo e se vingar pelas perseguições que sofreram durante a Bonifácia ocorrida no ano anterior. Os portugueses absolutistas, por outro lado, viram seus interesses feridos quando José Bonifácio emitiu os decretos de 12 de novembro de 1822 e 11 de dezembro de 1822, onde no primeiro eliminava os privilégios dos lusitanos e no segundo seqüestrava os bens, mercadorias e imóveis pertencentes aos mesmos que tivessem apoiado Portugal durante a independência brasileira.[42] Apesar das diferenças, os portugueses e os liberais se aliaram com o objetivo de retirar do poder o inimigo comum.[34] Os liberais e portugueses aliciaram os:
“ | […]"desafetos dos Andradas, cujo valimento junto ao Imperador açulava muitas invejas e cuja altaneira, por vezes grosseira, suscetibilizava muitos melindres e feria muitas vaidades. Duros para com os adversários, os Andradas tinham suscitado fartura de inimigos no prestígio conquistado pela sua superioridade intelectual e pela sua honestidade. Os descontentes uniram-se para derrubá-los e na aliança se confundiram moderados com exaltados".[43] | ” |
As duas facções aliadas arregimentaram os amigos íntimos do Imperador para o seu lado, que logo trataram de envenenar a amizade do monarca com o seu grande amigo, José Bonifácio. Vendo a maior parte da Assembleia abertamente descontente com o Ministério Andrada e influenciado por seus amigos, que se identificavam com os interesses dos portugueses, D. Pedro I demitiu os ministros de Estado.[44] Iniciou-se então uma guerra de ataques entre os jornais do país, que defendiam uma ou outra facção política.
A aliança entre os liberais e portugueses foi efêmera. Logo que o Ministério Andrada foi demitido, os dois grupos voltaram-se um contra o outro. Para o monarca qualquer relação com os liberais seria inadmissível, pois sabia muito bem de suas intenções em transformá-lo numa figura meramente decorativa. Os ataques contra os portugueses em geral e até mesmo contra D. Pedro por parte dos jornais e deputados a favor dos Andradas levou o Imperador a se aproximar dos portugueses.
A crise tornou-se ainda mais séria quando um episódio que normalmente seria completamente ignorado acabou por ser utilizado para fins políticos. Um boticário nascido no Brasil, que também praticava o jornalismo, sofreu agressões físicas por parte de dois oficiais lusitanos que erroneamente acreditavam que ele tivesse sido o autor de artigo injurioso. Os Andradas aproveitaram a oportunidade para alegar que a agressão sofrida pelo boticário fora na realidade um atentado contra a honra do Brasil e do povo brasileiro.[45][46] Antônio Carlos de Andrada e Martim Francisco de Andrada foram levados sobre os ombros de uma multidão e seguiu-se uma onda de xenofobia antilusitana que acirrou ainda mais os ânimos.
A tudo D. Pedro assistiu da janela do Paço Imperial que se encontrava ao lado da "Cadeia Velha", nome do local onde estava se realizando a Constituinte. O Imperador ordenou que o Exército se preparasse para um conflito.[46] D. Pedro I detinha a fidelidade da oficialidade, que se sentira agredida pelos insultos direcionados a si e ao Imperador pelos jornais aliados aos Andradas e exigia uma punição aos mesmos. Os deputados demonstraram apreensão e exigiram respostas sobre a razão da reunião de tropas em São Cristóvão. O ministro do Império, Vilela Barbosa, representando o governo, dirigiu-se a Assembleia demandando que se processassem os irmãos Andradas pelos supostos abusos que cometeram.
Os deputados reunidos debateram sobre a proposta do governo e permaneceram em sessão durante a madrugada. Mas no dia seguinte quando Vilela Barbosa retornou a Assembleia para dar explicações sobre a reunião das tropas, alguns deputados gritaram exigindo que D. Pedro I fosse declarado "fora-da-lei". O Imperador ao saber disto, antes mesmo que o ministro do Império retornasse da Assembléia, assinou o decreto dissolvendo a Constituinte.[47] Sobre o episódio, Oliveira Lima afirmou que:
“ | "A madrugada da ‘noite de agonia’ não iluminou todavia martírio algum. Os deputados que se tinham declarado prontos a cair varados pelas baionetas imperiais, voltaram tranqüilamente para suas habitações, sem que os soldados os incomodassem. Seis tão-somente foram deportados para a França, entre eles os três Andradas".[45] | ” |
Os portugueses propuseram a D. Pedro I que enviasse os irmãos Andradas para Portugal pois lá muito provavelmente seriam condenados a morte por suas participações na independência brasileira. Pediram apenas o seu consentimento. "Não! Não consinto porque é uma perfídia [deslealdade]", respondeu o monarca.[48] Apesar da apreensão de D. Pedro I quanto a possibilidade de se tornar uma figura nula no governo do país e sua demonstração de descontentamento, não foi a razão principal do fechamento da Constituinte.
Os deputados deveriam ter se reunido para elaborarem uma Constituição para o país e debater seus artigos. Contudo, perderam-se em disputas pelo poder e somente para defender seus próprios interesses levaram a capital do Império à beira da anarquia. Este não foi o fim dos deputados, entretanto. Da Constituinte saíram 33 senadores, 28 ministros de Estado, 18 presidentes de província, 7 membros do primeiro conselho de Estado e 4 regentes do Império.[49]
Promulgação da Constituição brasileira
Não era o desejo de D. Pedro I imperar como um déspota, pois "sua ambição era ser guardado pelo amor de seu povo e pela fidelidade das suas tropas e não impor sua tirania".[35] O Imperador, por tal razão, encarregou o Conselho de Estado criado em 13 de novembro de 1823 de redigir um novo projeto de Constituição que estaria finalizado em apenas quinze dias. Era um "conselho de notáveis"[50] formado por juristas renomados, sendo todos brasileiros natos.[51] O grupo incluía Carneiro de Campos, principal autor da nova Carta, além de Villela Barbosa, Maciel da Costa, Nogueira da Gama, Carvalho e Mello, dentre outros. O Conselho de Estado utilizou como base o projeto da Constituinte e assim que terminou, enviou uma cópia da nova Constituição para todas as câmaras municipais. Esperava-se que a Carta servisse como um projeto para uma nova Assembleia Constituinte.[29]
Contudo, as câmaras municipais sugeriram ao Imperador ao invés que se adotasse "imediatamente" o projeto como a Constituição brasileira.[29][52] Em seguida, as câmaras municipais, compostas por vereadores eleitos pelo povo brasileiro como seus representantes, votaram a favor por sua adoção como a Carta Magna do Brasil independente.[29][53][54]
Pouquíssimas câmaras fizeram qualquer tipo de observação a Constituição[51] e praticamente nenhuma fez alguma reserva.[55] A primeira Constituição brasileira foi então promulgada por D. Pedro I e solenemente jurada na Catedral do Império, no dia 25 de março de 1824.[56]
A Carta promulgada em 1824 foi influenciada pelas Constituições francesa de 1791 e espanhola de 1812.[55] Era um "belo documento de liberalismo do tipo francês",[57] com um sistema representativo baseado na teoria da soberania nacional.[58] A forma de governo era a monárquica, hereditária, constitucional e representativa, sendo o país dividido formalmente em províncias e o poder político estava dividido em quatro, conforme a filosofia liberal das teorias da separação dos poderes e de Benjamin Constant.[55] A Constituição era uma das mais liberais que existiam em sua época,[59][60] até mesmo superando as européias.[61] Fora mais liberal, em diversos pontos,[38] e menos centralizadora que o projeto da Constituinte,[37] revelando que os "constituintes do primeiro reinado que estavam perfeitamente atualizados com as idéias da época"..[62]
Apesar da Constituição prever a possibilidade de liberdade religiosa somente em âmbito doméstico, na prática, ela era total. Tanto os protestantes, como judeus e seguidores de outras religiões mantiveram seus templos religiosos e a mais completa liberdade de culto.[60] Continha uma inovação, que era o Poder Moderador, cujo surgimento na letra da lei fora atribuída a Martim Francisco de Andrada, um grande admirador de Benjamin Constant.[36] Este Poder serviria para "resolver impasses e assegurar o funcionamento do governo".[60] A separação entre o Poder Executivo e Moderador surgiu a partir da prática no sistema monárquico-parlamentarista britânico.[37]
Havia na Carta Magna "algumas das melhores possibilidades da revolução liberal que andava pelo ocidente – as que iriam frutificar, embora imperfeitamente, no reinado de D. Pedro II".[51] Isabel Lustosa diz que "segundo [Neill] Macaulay, ele proporcionou uma Carta invulgar, sob a qual o Brasil salvaguardou por mais de 65 anos os direitos básicos dos cidadãos de maneira melhor ‘do que qualquer outra nação do hemisfério ocidental, com a possível exceção dos Estados Unidos’".[60] De acordo com João de Scantimburgo:[63]
"D. Pedro e os seus constituintes tiveram o bom senso de escolher o melhor regime para a nação tropical, que se emancipava na América, sem copiar os Estados Unidos já consolidados, e as nações hispano-americanas retaliadas por tropelias sem fim, pelo revezamento de breves períodos democráticos e ditaduras caudilhescas".
A Confederação do Equador
A dissolução da Constituinte não trouxe maiores prejuízos à não ser para os bonifácios. Frei Caneca, um dos líderes dos liberais federalistas em Pernambuco, considerava como culpados pelo ocorrido "os ministros que segundo ele iludiam o imperador e, entre eles, o mais terrível era Bonifácio. A d. Pedro caberia livrar-se dos maus conselheiros e retomar o caminho constitucional para preservar a unidade".[64] Para o clérigo, antigo republicano, não importava a forma de governo que o país implantasse, fosse ela monarquia ou república, contanto que existisse uma federação.[64]Império constitucional? Colocado entre a monarquia e o governo democrático, reúne em si as vantagens de uma e de outra forma e repulsa para longe os males de ambas. Agrilhoa o despotismo e estanca os furores do povo indiscreto e volúvel".[65] Caneca inclusive apoiou com entusiasmo a manutenção da monarquia no Brasil após a independência, onde o próprio afirmou que: "
Com a Constituição promulgada após a aceitação em massa das câmaras municipais brasileiras, os liberais federalistas pernambucanos se revoltam contra o governo central. Estes liberais não diferiam em praticamente nada dos que participaram da Constituinte: defendiam os interesses das oligarquias dominantes e não estavam em busca de mudanças profundas na sociedade.[66] A revolta ocorrida em Pernambuco e que se denominou "Confederação do Equador", contou com o apoio dos federalistas de outras províncias do nordeste brasileiro mas foi rapidamente debelada ainda no início de 1824. O fato de ter ocorrido justamente enquanto o Império ainda estava em guerra pela independência contra Portugal, dificultando o esforço bélico, em conjunto com a destruição e mortes causadas pelos revoltosos, impediu qualquer possibilidade de entendimento com os mesmos.
D. Pedro I estava decidido a impor a ordem ao país e comentou: "O que estavam a exigir os insultos de Pernambuco? Certamente um castigo, e um castigo tal que sirva de exemplo para o futuro".[67] Ainda assim tiveram direito ao devido processo legal que teve como duração cerca de seis meses.[68] Os revoltosos sofreram penas diversas, mas Caneca e outros companheiros foram sentenciados a morte.[69] A revolta teve por conseqüência aproximar ainda mais o Imperador dos portugueses, pois aquele passou a enxergar os federalistas com total desconfiança.
As Coroas de D. Pedro
Rei da Grécia
Após cerca de quatrocentos anos de domínio opressivo turco, as antigas províncias do Império Romano do Oriente (erroneamente, mas popularmente chamado de Império Bizantino) na região dos Bálcãs estavam conseguindo sua liberdade. Apesar da recusa dos países ocidentais em colaborar com as insurreições contra o Império Otomano, diversos europeus se voluntariaram espontaneamente para combater ao lado dos cristãos orientais. Contudo, não havia Casas Principescas, Reais ou Imperiais nativas nos países balcânicos.
A Dinastia Comnenus e a Dinastia Paleólogo, que imperaram em Constantinopla, tinham se extinguido cerca de quatrocentos anos antes. A Grécia, um dos novos países que surgiram das insurreições que perduraram por todo o século XIX, buscou um príncipe estrangeiro para ocupar seu trono vago.[70]
Os gregos enviaram emissários a D. João VI para propor que o seu filho mais velho, D. Pedro, viesse a tornar-se o primeiro Rei da Grécia independente. D. Pedro, apesar de membro da Casa de Bragança (que por sua vez era um ramo português da Dinastia Capetíngea), era descendente dos Imperadores romanos da Dinastia Comnenus e Paleólogo. Para os portugueses, a proposta era-lhes muito interessante, pois acreditavam que com o príncipe longe do Brasil poderiam impedir a independência do Brasil e retorná-lo a condição de simples colônia.[71] As mensagens dos gregos com a oferta do trono heleno alcançaram D. Pedro logo após os acontecimentos do Dia do Fico, mas o:
[…] "príncipe regente, porém, não traiu a confiança nele depositada pela nação brasileira, que o aclamaria seu Defensor Perpétuo. Amando verdadeiramente o povo da pátria que o viu nascer e tendo a intuição profunda da missão histórica que lhe seria dada desempenhar na terra bárbara e selvagem do Novo Continente, resistiu à vaidade de ostentar em sua fronte o diadema da pátria de Homero e de Péricles".
"E, assim, o Príncipe D. Pedro, primeiro imperador do Brasil, recusou a coroa dessa Grécia imortal, berço maior da cultura humana".[72]
Com a recusa de D. Pedro, os gregos optaram em 1832 pelo príncipe Oto da Casa de Wittelsbach como seu Rei e após sua deposição, em 1862, escolheram Jorge, príncipe da Dinamarca, da Casa de Schleswig-Holstein-Sonderburg-Glücksburg, ramo cadete da Dinastia de Oldemburg.
Rei de Portugal e dos Algarves
O Rei D. João VI faleceu em 10 de março de 1826. Pressentindo o seu fim, e desejando evitar que sua esposa tomasse o poder, o monarca português nomeou sua filha dona Isabel como um dos membros da regência que perduraria até que D. Pedro recebesse a notícia de sua ascensão ao trono lusitano. Pelo tratado de reconhecimento da independência brasileira, D. Pedro manteria sua posição como Príncipe Real e herdeiro da coroa portuguesa. Mas a Constituição Brasileira de 1824 proibia qualquer possibilidade de união do Brasil com outro país.
Dona Isabel logo enviou um enviado oficial para o Brasil para avisar seu irmão do falecimento de D. João VI. O Imperador tornava-se então D. Pedro IV, Rei de Portugal e dos Algarves daquém e d'além mar, em África Senhor da Guiné, e da Conquista, Navegação, Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da índia, etc.
D. Pedro era defensor do Liberalismo e Constitucionalismo, enquanto o seu irmão D. Miguel era o representante da causa absolutista. A morte de D. João VI criou um problema de sucessão do trono: por um lado, D. Pedro não podia acumular os cargos de Rei de Portugal e Imperador de um Brasil independente; por outro lado, o seu irmão D. Miguel tinha participado por duas vezes em tentativas de assassínio do seu pai e não era visto com bons olhos pelos portugueses.
Em 1826 D. Pedro torna-se Rei de Portugal, tendo abdicado cerca de sete dias depois em favor da sua filha Maria da Glória e regressado novamente ao Brasil, já que a Constituição brasileira não lhe permitia ser monarca de dois países. Ficou acordado que Portugal manteria a Constituição por ele aprovada e que a sua filha Dona Maria se casaria com D. Miguel. Esperava-se assim com este matrimónio selar um armistício entre liberais e absolutistas portugueses.
D. Miguel aceitou o consórcio e partiu da Áustria onde estava exilado desde que realizara um golpe de Estado para destronar seu pai. Ao chegar a Portugal fez pela segunda vez (a primeira ocorrera ainda em Viena) o juramento de aceitação da nova Constituição e do casamento com sua sobrinha, assumindo a regência em nome desta. Porém, aliando-se aos sectores mais conservadores da nobreza, foi proclamado Rei de Portugal a 23 de Julho de 1828. Isto provocou o início das Guerras Liberais portuguesas, uma guerra civil entre os liberais partidários de D. Pedro e os absolutistas partidários de D. Miguel.
D. Pedro viu-se assim forçado a regressar a Portugal para lutar pela causa liberal e pelo reconhecimento do direito da sua filha ao trono portugês. Em 1831 D. Pedro abdica da coroa do Brasil em favor de seu filho Pedro II e parte para Portugal, primeiro para os Açores, onde irá consolidar apoios e preparar uma armada capaz de invadir Portugal. O desembarque desta armada, a norte da cidade do Porto é conhecido como o Desembarque do Mindelo. Seguiram-se numerosas batalhas, com graves perdas para ambos os lados, culminando em 1834 com a vitória dos liberais, o regresso de D. Maria II à coroa e o exílio de D. Rei da Espanha e Imperador da Ibéria
REI de Espanha e Imperador da Ibéria
A Espanha passava por um período de repressão sem precedentes desde a restauração da Casa de Bourbon ao trono com a queda de Napoleão Bonaparte. D. Fernando VII, Rei da Espanha e irmão de Carlota Joaquina, completamente inabalável em relação ao seu sentimento absolutista, extingue a Constituição e ordena a prisão em massa dos espanhóis que defendiam o liberalismo. A imprensa foi censurada e eliminou-se qualquer vestígio das garantias individuais. A Espanha entra num caos que perduraria durante todo o século XIX até o final da Guerra Civil espanhola na primeira metade do século XX. Os conflitos entre absolutistas e liberais atinge proporções internacionais, criando instabilidade também nos países vizinhos, como Portugal e França.
Em 1826, os liberais espanhóis ofereceram a coroa de seu país a D. Pedro, a quem consideravam um "bem-feitor dos Povos" e muito "digno", e que resultaria na unificação do Império do Brasil, do Reino de Portugal e dos Algarves e do Reino da Espanha sob sua pessoa.[73] Se tivesse aceitado, D. Pedro imperaria sobre um Império que se estenderia de Cuba, passando pelo Brasil, pelo continente africano nas colônias de Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe, e atingindo no extremo oriente em Macau e nas Filipinas. Mas não o aceitou, alegando que era necessário primeiramente consolidar o Império brasileiro e repetira tal asserção três anos mais tarde, após uma nova proposta por parte dos espanhóis.[74]
Contudo, a situação se agravou na Espanha durante este período com o falecimento de D. Fernando VII. Seu herdeiro era seu irmão mais novo, D. Carlos, mas o Rei modificara as regras de sucessão para beneficiar sua filha, dona Isabel, que se tornou Rainha com a sua morte. D. Carlos não aceitou a perda do trono e aliou-se aos absolutistas, que formaram a facção dos Carlistas que viria a causar grandes problemas a Espanha durante todo o século XIX.[75] No ano de 1830, os liberais mais uma vez se voltaram para D. Pedro I e propuseram dessa vez que se tornasse o Imperador da Ibéria, resultado da unificação de Portugal com a Espanha..[74]
Desta vez, entretanto, o monarca brasileiro aceitou a proposta e realizou os preparativos para partir para a Europa e derrotar os absolutistas em favor dos constitucionalistas. A aceitação da oferta da coroa imperial da península Ibérica seria uma das razões que levaria D. Pedro a abdicar do trono brasileiro.[76]
Guerra da Cisplatina
A região onde se situa atualmente o Uruguai foi inicialmente colonizada por Portugal, em 1679. Os portugueses fundaram a vila de Sacramento, e por quase cem anos a região permaneceu praticamente em suas mãos. Esta colônia mais ao sul da América portuguesa era importante, pois, controlando o estuário do Prata seria possível manter a comunicação com os regiões interiores que hoje formam o Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (preocupação esta que os brasileiros iriam herdar e que viria a resultar mais tarde na Guerra do Paraguai). Em 1817 toda a região, denominada Banda Oriental (da região do Prata), foi reconquistada pelos portugueses por ordem de D. João VI e renomeada Cisplatina (que significa literalmente "este lado do Prata"). Esta província era povoada tanto por castelhanos, como por portugueses e também por seus descendentes, resultando numa amálgama cultural que dificultava o surgimento de uma identidade própria para seus habitantes.
A província aceitou fazer parte do Império do Brasil, inclusive enviando deputados para a Constituinte de 1823 (e antes mesmo para as Cortes em 1822). Contudo, trinta e dois nativos da província liderados por Juan Antonio Lavalleja revoltaram-se contra o Brasil e declaram a união da Cisplatina com as Províncias Unidas do Rio da Prata (futura Argentina). Tal insurreição fora possível graças à colaboração material e financeira por parte das Províncias Unidas.[77] Tal atentado contra a soberania brasileira por parte de uma nação estrangeira foi revidada por uma declaração formal de guerra em 10 de dezembro de 1825.[78] Apesar de deter um Exército com mais de 26 mil homens[79] e uma poderosa marinha de guerra, o Brasil foi incapaz de derrotar as forças rebeldes da Cisplatina e as tropas das Províncias Unidas.
No campo militar, as tropas brasileiras, preparadas para batalhas convencionais, eram incapazes de fazer frente às tropas gaúchas que utilizavam táticas que atualmente seriam consideradas de guerrilha. O Exército brasileiro manteve sua presença nas cidades e vilas da Cisplatina, mas não encontrava maneiras de desferir um golpe certeiro no inimigo que preferia atuar de maneira inconsistente na região rural. No campo estratégico e político, D. Pedro viu a oposição dos liberais federalistas ao conflito, que manipulavam a opinião pública culpando o monarca pela guerra. Para os federalistas que defendiam os interesses dos fazendeiros escravocratas e dominavam a Assembléia, a guerra não lhes importava, pois a Cisplatina possuía uma terra imprópria para o cultivo de café e cana-de-açúcar.[80]
D. Pedro se viu numa situação delicada, pois os políticos ao invés de colaborarem com o esforço de guerra para defender os interesses da nação, faziam justamente o contrário, por interesses pessoais e políticos. Dificultavam o envio de ajuda material e financeira para as tropas no teatro de guerra ao recusarem os pedidos do Executivo. As províncias também não enviavam voluntários suficientes e assim a guerra se estendeu em prejuízo do Império, que se via em graves dificuldades financeiras..[78][81]
O Imperador partiu para o teatro de operações para tentar resolver o problema por si só, visto que não conseguia o apoio dos políticos. Iniciou sua viagem em 29 de novembro de 1826, em seguida desembarcou na província de Santa Catarina e realizou um longo percurso por terra por mais de quatrocentos quilômetros a cavalo até atingir Porto Alegre, na província do Rio Grande do Sul em 7 de dezembro do mesmo ano. D. Pedro encontrou o Exército brasileiro desmoralizado, sem recursos e sem qualquer perspectiva de tomar iniciativa. Imediatamente demitiu os oficiais incompetentes e corruptos, e reorganizou as tropas, assim como a administração civil e militar.[82] Não teve como ficar muito tempo, pois ao receber a notícia do falecimento de Leopoldina, retornou ao Rio de Janeiro no início de 1827.[78]
Ao chegar na capital do Império, encontrou mais dificuldade em lidar com os liberais federalistas. Estes atacavam, através dos jornais e por discursos na Assembléia, os imigrantes europeus que chegavam ao país para estabelecer suas moradias.[83] Vários deles foram recrutados para a guerra e eram atacados nas ruas por escravos incentivados por seus senhores, ligados aos liberais.[84] Revoltados com o tratamento recebido no Brasil, os estrangeiros que haviam sido recrutados e contratados como mercenários entraram em negociações secretas com o governo argentino para trocarem de lado. Em contra-partida, os estrangeiros receberiam a província de Santa Catarina para lá se instalarem como país independente, enquanto o Rio Grande do Sul seria anexado pelas Províncias Unidas..[85]
Para facilitar esta ação, os soldados estrangeiros iriam rebelar-se no Rio de Janeiro e raptariam D. Pedro,[86] levando-o para Buenos Aires, onde lá seria forçado a aceitar as exigências dos argentinos e estrangeiros. A revolta foi precipitada pela punição injusta de um militar alemão por um oficial brasileiro ocorrida em 9 de junho de 1828.[84] Isabel Lustosa afirma[84] que o estrangeiro recebeu cerca de 230 chibatadas e então seus companheiros se rebelaram. Sérgio Corrêa da Costa alega[87] que o militar não chegou a ser punido fisicamente graças à intervenção de um outro oficial brasileiro. Contudo, as tropas estrangeiras se revoltaram, e após vários combates na cidade do Rio de Janeiro, foram derrotadas por tropas leais ao Imperador e por vários civis brasileiros. Centenas de pessoas de ambos os lados morreram devido aos confrontos armados.
O tratado de paz entre o Brasil e as Províncias Unidas veio logo após, em 28 de agosto de 1828, ao preço da perda da província Cisplatina (que se tornou o Uruguai), mais de 30 milhões de dólares em gastos e 8 mil brasileiros mortos.[88] D. Pedro teve sua imagem abalada profundamente pelo término do conflito que custou vidas e recursos desnecessariamente e foi culpado pelo desmembramento do território.[89] Por sua vez, o Imperador percebeu claramente que não poderia confiar nos liberais federalistas, que mais uma vez causaram mortes que poderia ter sido evitadas graças à defesa de seus próprios interesses em detrimento dos da Nação (a semelhança do que ocorreu na Confederação do Equador que foi iniciada durante a Guerra da Independência). A Guerra da Cisplatina teve um papel importante na abdicação de D. Pedro, ao colaborar com o aumento do seu desprestígio.[89]
Abdicação
A indecisão entre o Brasil e Portugal contribuiu para minar a popularidade e o prestígio de D. Pedro I. Os problemas do Imperador agravaram-se a partir de 1825, quando, no plano interno, fracassavam as forças brasileiras na Campanha Cisplatina (1825 - 1827). O Imperador chegou a ir ao Rio Grande do Sul, a fim de participar pessoalmente da campanha, no final de 1826. A notícia da morte da Imperatriz Leopoldina obrigou-o a mudar os planos e retornar ao Rio de Janeiro.
Além do malogro militar, da perda da província da Cisplatina (em 1828), e dos constantes atritos com a Assembléia, a vida privada do Imperador também contribuía para o desgaste de sua imagem. Era notório seu relacionamento com Domitila de Castro Canto e Melo, a quem fez viscondessa e depois marquesa de Santos. O romance teve início em 1822 e durou até o segundo casamento de D. Pedro I, em 1829, com Amélia de Beauharnais, duquesa de Leuchtenberg. O marquês de Barbacena, encarregado de encontrar uma noiva para o Imperador que atendesse às exigências de nobreza, formosura, virtude e educação, enfrentara humilhantes recusas por parte de várias casas reais européias que viam com horror o relacionamento do Imperador com a Marquesa de Santos,e o sofrimento que este causara na Imperatriz Leopoldina.
Tudo isso, ao lado das dificuldades financeiras, provocaram o protesto das elites brasileiras. Apesar da renúncia, sua relação com os assuntos internos de Portugal o tornaram cada vez mais impopular no Brasil. O constante declínio de seu prestígio e a crise provocada pela dissolução do gabinete, em 1830, fez o Imperador sofrer oposição dos liberais e ocasionar uma reação popular, levando-o a abdicar, em favor do filho D. Pedro II (que tinha apenas cinco anos de idade), em 7 de abril de 1831.
Guerras Liberais
D. Pedro I retorna à Europa onde assume a liderança da luta para restaurar os direitos da filha, usurpados por D. Miguel. Desembarca inicialmente na Normandia em 10 de junho de 1831 chegando a Cherbourg, onde permanece até 24 de junho, quando parte para a Inglaterra. Há ecos de sua estada nos jornais locais.
Em Portugal se viviam as Guerras Liberais entre os miguelistas, partidários do absolutismo defendido por Miguel, que usurpara a Coroa de D. Maria II, Rainha em título, e os liberais, defensores do constitucionalismo. Após conseguir os apoios financeiros necessários e organizar os liberais imigrados, chega aos Açores em 1832, onde assume a regência na qualidade de Duque de Bragança, nomeia um Ministério composto por Mouzinho da Silveira, Marquês de Palmela e Agostinho José Freire (do qual se destaca o primeiro pela legislação que vai promulgando, que viria a alterar a estrutura jurídica e social do país), e prepara força expedicionária para invadir Portugal e colocar a sua filha no trono.
Em junho a expedição militar parte para o norte do país, vindo a desembarcar no Pampelido em 8 de julho no que ficou conhecido como Desembarque do Mindelo, e seguindo depois para o Porto. As tropas chegam à cidade no dia seguinte e, ao contrário do que tinham inicialmente previsto, sofrem um longo e penoso cerco, dando-se início a uma guerra civil. Em 24 de julho de 1834, depois da batalha de Lisboa, ganha pelo marechal-duque da Terceira, os liberais derrotam os miguelistas.
Morte
As cortes de agosto de 1834 confirmam a regência de D. Pedro I, que repõe a filha no trono português. Apesar de ter reconquistado o trono português para sua filha, D. Pedro I voltou tuberculoso da campanha e morreu em 24 de setembro de 1834, pouco depois da Convenção de Évoramonte (que selara a vitória da causa liberal, de que se fizera paladino), no palácio de Queluz, no mesmo quarto e na mesma cama onde nascera 36 anos antes. Ao seu lado, na hora da morte, estavam D. Amélia e D. Maria II.
Foi sepultado no Panteão dos Braganças, na Igreja de São Vicente de Fora. O seu coração foi doado, por decisão testamentária, à Igreja da Lapa, no Porto, onde se encontra conservado, como relíquia, num mausoléu na capela-mor da igreja, ao lado do Evangelho. Em 1972, no sesquicentenário da Independência, seus despojos foram trasladados do panteão de São Vicente de Fora para a cripta do monumento do Ipiranga, em São Paulo, no Brasil
Atualmente, os restos mortais do imperador repousam ao lado de sua primeira esposa, a Imperatriz Leopoldina e da segunda esposa, Imperatriz Amélia.
O corpo de D. Maria Amélia só foi trasladado para o Brasil, em 1982, por iniciativa do governador Paulo Salim Maluf. Durante todo o tempo que esteve em Portugal, o corpo de D. Maria Amélia repousava ao lado do irmão de D. Pedro I, D. Miguel, no Panteão dos Braganças em Lisboa.
Legado
D. Pedro I é visto atualmente pelos brasileiros como um déspota arbitrário e absolutista que estava mais preocupado com as diversas amantes do que com o Brasil. Esta visão é fruto da propaganda realizada primeiramente pelos liberais federalistas contra o monarca e seguida mais tarde pelos republicanos para desacreditarem o período monárquico brasileiro. Tal quadro viria a se modificar somente na década de 1950, quando o historiador Otávio Tarqüínio de Souza lançou em 1952 a obra biográfica "A vida de D. Pedro I".[90] Sobre a visão histórica a respeito do primeiro Imperador brasileiro Oliveira Lima afirmou que:[91]
"Foi até moda, que só passou com a República, difamar D. Pedro I e zombar o mais possível do bom Rei D. João VI, a quem o Brasil deve sua organização autônoma, suas melhores fundações de cultura e até seus devaneios de grandeza". […] "De D. Pedro I mil coisas se inventaram, entre elas uma deslealdade tão consumada que só parecia roubada aos tiranetes [pequenos tiranos] da Itália da Renascença".
No entanto, ao abdicar em 1831, o Brasil que D. Pedro deixou era a maior potência latino-americana. O Exército, com cerca de 24 mil homens, era tão bem equipado e preparado quanto os seus equivalentes europeus, apesar da diferença numérica.[92] A Marinha detinha mais de oitenta modernos navios de guerra.[93] As demais nações republicanas da América Latina sofriam com intermináveis guerras civis, golpes de Estado, ditaduras, desmembramentos territoriais e caudilhos disputando o poder pelas forças das armas. O Brasil recebeu os seus primeiros investimentos em indústria, tendo o Estado criado incentivos governamentais em 1826..[94]
Havia plena liberdade de imprensa, respeito às garantias individuais e as eleições ocorriam periodicamente sem interrupções. A Constituição promulgada em 1824 sofreu uma única grande modificação em 1834 e perdurou por todo o Império e ao ser extinta em 1889, era a terceira mais antiga ainda em vigor no mundo.[95] Após a revolta da Confederação do Equador em 1824 e apesar das disputas entre as facções políticas, pelos próximos sete anos de reinado de D. Pedro I houve paz interna. Armitage afirmou que apesar "de todos os erros do Imperador, o Brasil durante os dez anos de sua administração fez certamente mais progressos em inteligência [desenvolvimento] do que nos três séculos decorridos do seu descobrimento à proclamação da Constituição portuguesa de 1820"..[96]
Contudo, o maior legado de D. Pedro I foi ter garantido a integridade territorial de um Império de proporções continentais, permitindo aos habitantes de regiões longínquas do norte na nascente do rio Ailã em Roraima, ao sul no arroio Chuí no Rio Grande do Sul, ao leste em Ponta do Seixas na Paraíba e a oeste na nascente do rio Moa no Acre considerarem-se hoje pertencentes a uma única nacionalidade: a brasileira.[97]
Descendência
D. Pedro teve ao todo 18 filhos. De sua esposa em primeiras núpcias, a Imperatriz Leopoldina, Arquiduquesa da Áustria, nasceram:
- D. Maria II, rainha de Portugal (1819-1853), casada por procuração com seu tio, D. Miguel I, rei de Portugal, em primeiras núpcias com Augusto de Beauharnais, duque de Leuchtenberg, e em segundas núpcias com o príncipe Fernando de Saxe-Coburgo-Gota, rei consorte de Portugal;
- Infante D. Miguel de Bragança (1820), príncipe da Beira;
- Infante D. João Carlos de Bragança (1821–1822), príncipe da Beira;
- D. Januária Maria (1822–1901), princesa imperial do Brasil, casada com o príncipe Luís de Bourbon e Duas Sicílias, conde de Áquila;
- D. Paula Mariana (1823–1833);
- D. Francisca (1824–1898), princesa do Brasil, casada com o Francisco Fernando de Orléans, príncipe de Joinville;
- D. Pedro II (1825–1891), imperador do Brasil, casado com D. Teresa Cristina de Bourbon e Duas Sicílias, princesa de Duas Sicílias.
De sua esposa em segundas núpcias, Dona Amélia de Leuchtenberg, imperatriz do Brasil (1829–1831), duquesa de Leuchtenberg e de Bragança:
- D. Maria Amélia de Bragança (1831–1853), princesa do Brasil.
De sua amante, Domitília de Castro e Canto Melo, marquesa de Santos:
- rapaz (1823), menino natimorto;
- Isabel Maria de Alcântara Brasileira (1824–1898), duquesa de Goiás, casada com Ernesto José João Fischler von Treuberg, conde de Treuberg;
- Pedro de Alcântara Brasileiro (1825–1826);
- Maria Isabel de Alcântara Brasileira (1827–1828), duquesa do Ceará;
- Maria Isabel II Alcântara Brasileira (1830–1896), que se casou com Pedro Caldeira Brant, conde de Iguaçu.
Com a francesa Noémi Thierry teve:
- Pedro, falecido antes de completar um ano;
- Menina, falecida antes de completar um ano.
Com Maria Benedita de Castro Canto e Melo, baronesa de Sorocaba e irmã da marquesa de Santos, teve:
Com a uruguaia María del Carmen García teve uma criança natimorta.
De sua amante francesa Clémence Saisset teve:
- Pedro de Alcântara Brasileiro.[98]
Com a monja portuguesa Ana Augusta teve outro menino de nome Pedro.
Apesar das possíveis aparências, muitos biógrafos consideram D. Pedro um pai zeloso pelo menos com a maior parte de sua prole, fosse ela legítima ou não. Procurou, na medida do possível, cuidar pessoalmente da educação de todos, chegando inclusive a se indispor com D. Leopoldina quando exigiu que a duquesa de Goiás fosse educada juntamente com as princesas imperiais. Ainda sobre a duquesa, já exilado em Paris, fez com que viesse a viver juntamente com D. Maria da Glória e Amélia de Leuchtenberg - que finalmente a aceitara após uma primeira rejeição, ainda no Brasil.
De acordo com Isabel Lustosa, D. Pedro costumava brincar com os filhos e lhes ministrar pessoalmente remédios e outros cuidados médicos. Otávio Tarqüinio relata como o ex-imperador ficara consternado com a morte de cada um de seus filhos. O corpo da menina que tivera com Noémi Thierry foi, a seu mando, embalsamado e trasladado para a Quinta da Boa Vista, onde ali permaneceria velado pelo regente até sua partida do Brasil. Maior tristeza lhe abateu quando da morte do Príncipe da Beira, D. João Carlos de Bragança, a quem, em seu leito de morte, deu-lhe o "último beijo" e a "derradeira bênção paterna". Mesmo no exílio, manteve constante comunicação com D. Pedro de Alcântara, futuro Pedro II do Brasil, por cartas enviadas mesmo durante as Guerras Liberais.
Títulos
- 1798-1816: Sua Alteza, o Príncipe da Beira
- 1816-1822: Sua Alteza Real, o Príncipe Real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
- 1822-1828: Sua Majestade Imperial, o Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil
- 1826-1826: Sua Majestade Fidelíssima, El-Rei de Portugal e dos Algarves d'Aquém e d'Além Mar em África e Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Arábia, Pérsia e Índia
- 1828-1834: Sua Majestade Imperial e Real, o Duque de Bragança
Na cultura popular brasileira
D. Pedro I já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por:
- Achiles Lambertini no filme "O Grito do Ipiranga" (1917)
- Tarcísio Meira e seu filho Tarcísio Filho no filme "Independência ou Morte" (1972)
- Tarcísio Meira na novela "Saramandaia" (1976) (aparição especial)
- Gracindo Júnior na minissérie "Marquesa de Santos" (1984)
- Tarcísio Filho na novela "Dona Beija" (1986)
- Marcos Palmeira no filme "Carlota Joaquina - Princesa do Brazil" (1995)
- Pedro Palli na minissérie "Entre o Amor e a Espada" (2001)
- Marcos Pasquim na minissérie "O Quinto dos Infernos" (2002)
- Reynaldo Gianecchini no especial de natal "O Natal do Menino Imperador" (2008)
Efígie
Também teve sua efígie impressa na nota de Cr$ 200 (duzentos cruzeiros) de 1951 e na de Cr$ 5,00 (cinco cruzeiros) de 1970; cunhada no verso das moedas de Cr$ 1 (um cruzeiro) e Cr$ 20 (vinte cruzeiros) — comemorativas do sesquicentenário da independência, em 1972 — e, atualmente, de 10 centavos de real.
wikipédia
Sem comentários:
Enviar um comentário