23/11/2009

JOSÉ LEITE PEREIRA


O fim da linha

O fim da linha

Já passaram muitos dias sobre o dia em que Noronha do Nascimento ordenou a destruição das escutas que envolvem o primeiro-ministro. Não há notícia dessa destruição e o DN dizia ontem que o juiz de Aveiro que está à frente da instrução do processo "Face Oculta" recusa proceder a essa destruição.

Enquanto o processo está neste pé e se vão digladiando juristas que perfilham uma e outra tese, avançam as coisas a que a destruição e o normal andamento do processo deveriam ter posto cobro: suspeitas políticas, informação e contra-informação diversa. Nalguma comunicação social mais sensacionalista e menos (ou nada) escrupulosa fritam-se diariamente algumas figuras públicas, umas directamente relacionadas com o processo (que deveriam, ainda assim, gozar da presunção de inocência) e outras lá metidas, a quem não resta senão responder com processos em tribunal a que a justiça há-de atender lá para as calendas. Como, desta forma, o crime compensa, também não falta neste imenso caldeirão alguma disputa empresarial, tentativas saloias de eliminar a concorrência. Numa crise, há sempre quem se ponha em bicos de pés para afirmar pureza de princípios. É desses que, antes do mais, devemos duvidar.

Poucos conseguirão explicar o que se passa e menos ainda explicarão como e porquê chegamos aqui. "Aqui" é aquilo que vulgarmente se designa como "o fim da linha", o local a partir de onde tudo pode acontecer, sem regra nem princípios.

É um facto que há muito se gerou a convicção de que a corrupção minou a nossa vida pública. Mas a justiça que é Justiça deve ter formas de o provar, até mesmo com escutas, que são a excepção a que a investigação só deve recorrer em caso extremo. O que não pode é haver dúvidas sobre a própria investigação. Podia dar jeito à política, a alguma política, este atropelo de princípios; mas não vale, e é bom que haja alguém que o diga. Noronha do Nascimento, ao decidir a destruição das escutas, foi disso mesmo que cuidou.

O chamado cidadão comum - o "mexilhão" das nossas anedotas - pouco perceberá sobre o que se passa. A ligeireza com que a Justiça tem actuado permite que cada um aja segundo a sua "fé" política, assim se instalando a enorme confusão em que vivemos.

Ontem, o procurador-geral pronunciou-se finalmente sobre as cinco escutas que ainda envolviam o primeiro--ministro. Por não haver elementos probatórios, mandou arquivar os documentos. Ponto final? - Ainda não. Os juristas continuarão a dirimir argumentos sobre a destruição das escutas. E os políticos manterão o assunto na agenda, como até aqui.

O desemprego cresce, a crise não abranda. Isso o cidadão comum entende, porque sente. Não lhe peçam que se transforme num ginasta de trampolim e entenda os saltos que alguns magistrados, juízes, políticos e outros mais vão dando em sucessivos e despudorados espectáculos.

in "JORNAL DE NOTÍCIAS" a 22/11/09

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