18/10/2009

JOSÉ NIZA

Fui director de programas da RTP e depois seu administrador. E garanto-vos
que, se alguma vez algum apresentador ou jornalista desse uma entrevista a
chamar-me "estúpido", a primeira coisa que aconteceria seria o cancelamento
imediato do seu programa, independentemente de haver ou não eleições em
curso.

Por isso me parece incompreensível que, embora rios de tinta já se tenham
escrito sobre o cancelamento do jornal nacional que Manuela Moura Guedes
(MMG) apresentava na TVI, todos os analistas e comentadores tenham ignorado
a explosiva e provocatória entrevista que MMG deu ao Diário de Notícias dias
antes de a administração da TVI lhe ter acabado com o programa.

Em meu entender essa entrevista, realizada com antecedência para ser
publicada no dia do regresso de MMG com o seu jornal nacional, foi a gota de
água que precipitou a decisão da TVI. É que, o seu conteúdo, de tão
explosivo e provocatório que era, começou a ser divulgado dias antes. E se
chegou ao meu conhecimento, mais cedo terá chegado à administração da TVI.

Nessa entrevista MMG chama "estúpidos" aos seus superiores. Aliás, as
palavras "estúpidos" e "estupidez" aparecem várias vezes sempre que MMG se
refere à administração.

É um documento que merece ser analisado, não somente do ângulo jornalístico,
mas sobretudo do ponto de vista comportamental. É uma entrevista de uma
pessoa claramente perturbada, convicta de que é a maior ("Eu sou a Manuela
Moura Guedes"!) e que se sente perseguida por toda a gente. (Em psiquiatria
esse tipo de fenómenos são conhecidos por "ideias delirantes", de grandeza
ou de perseguição).

MMG diz-se perseguida pela administração da TVI; afirma que os accionistas
da PRISA são "ignorantes"; considera-se "um alvo a abater"; acusa José
Alberto de Carvalho, José Rodrigues dos Santos e Judite de Sousa de fazerem
"fretes ao governo" e de serem "cobardes"; acusa o Sindicato dos Jornalistas
de pessoas que "nunca fizeram a ponta de um corno na vida"; diz que o
programa da RTP 2, Clube de Jornalistas, é uma "porcaria"; provoca a ERC
(Entidade Reguladora da Comunicação Social); arrasa Miguel Sousa Tavares e
Pacheco Pereira, etc.

E quando o entrevistador lhe pergunta se um pivô de telejornal não deve ser
"imparcial", "equidistante", "ponderado", ela responde: "Então metam lá uma
boneca insuflável"!

Como é que a uma pessoa que assim "pensa" e assim se comporta, pode ser dado
tempo de antena em qualquer televisão minimamente responsável?

Ao contrário do que alguns pretendem fazer crer - e como sublinhou Mário
Soares - esta questão não tem nada a ver com liberdade de imprensa ou com a
falta dela. Trata-se, simplesmente, de um acto e de uma imperativa decisão
administrativa, e de bom senso democrático.

Como é que alguém, ou algum programa, a coberto da liberdade de imprensa,
pode impunemente acusar, sem provas, pessoas inocentes? É que a liberdade de
imprensa não é um valor absoluto, tem os seus limites, implica também
responsabilidades. E quando se pisa esse risco, está tudo caldeirado. Há, no
entanto, uma coisa que falta: uma explicação totalmente clara e convincente
por parte da administração da TVI, que ainda não foi dada.

Vale também a pena considerar os posicionamentos político-partidários de MMG
e do seu marido.

J. E. Moniz tem, desde Mário Soares, um ódio visceral ao PS. Sei do que
falo. MMG foi deputada do CDS na AR.Até aqui, nada de especialmente
especial.

O que já não está bem - e é criminoso - é que ambos se sirvam de um
telejornal para impunemente acusarem pessoas inocentes, sem quaisquer
provas, instilando insinuações e induzindo suspeições.

Ainda mais reles é o miserável aproveitamento partidário que, a começar no
PSD e em M. F. Leite, e a acabar em Louçã e no BE, está a ser feito. Estes
líderes políticos, tal como Paulo Portas e Jerónimo de Sousa, sabem muito
bem, que nem Sócrates nem o governo tiveram qualquer influência no caso TVI.
Eles sabem isto. Mas Salazar dizia: "O que parece, é"!

E eles aprenderam.

- 1984. Eu era, então, administrador da RTP. Um dia a minha secretária
disse-me que uma das apresentadoras tinha urgência em falar comigo: - "Venho
pedir-lhe se me deixa ir para a informação, quero ser jornalista"!
Perguntei-lhe se tinha algum curso de jornalismo. Não tinha. Perguntei-lhe
se, ao menos, tinha alguma experiência jornalística, num jornal, numa
rádio... Não tinha. "O que eu quero é ser jornalista"! Percebi que estava
perante uma pessoa tão determinada quanto ignorante. E disse-lhe: "Vá falar
com o director de informação; se ele a aceitar, eu passo-lhe a guia de
marcha e deixo-a ir". A magricelas conseguiu. Dias depois, na primeira
entrevista que fez - no caso, ao presidente do Sporting, João Rocha - a
peixeirada foi tão grande que ficou de castigo e sem microfone uma data de
tempo.

P.S.
A jovem apresentadora chamava-se Manuela Moura Guedes.
E se eu soubesse o que sei hoje...


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