Crime, cadeia e teorias à margem da lei
por Miguel Pacheco
Publicado em 07 de Julho de 2009 no jornal«i»
Minneapolis estudou o efeito da prisão nos crimes. Portugal não tem guardas para garantir que os crimes acabam na cadeia
Na década de 80, Minneapolis foi palco de uma experiência estranha. A cidade andava perdida com casos de violência doméstica e, sem um enquadramento legal para este crime, os culpados ficavam impunes e a prisão era um castigo que não metia medo a ninguém. A solução apareceu sob a forma de um estudo. Em 1981/1982, Lawrence Sherman tentou avaliar a resposta dos criminosos ao braço forte - ou fraco - da lei. Com a ajuda da polícia de Minneapolis, Sherman concebeu três soluções, sempre que houvesse causa provável: 1. confrontava o agressor com uma reprimenda; 2. mediava o conflito entre as partes e oferecia ajuda psicológica; 3. prendia-o durante algum tempo. O teste durou 17 meses e cobriu mais de 300 indivíduos. Quando acabou começaram as entrevistas. Durante seis meses, as vítimas e os agressores responderam a inquéritos para perceber se os primeiros tinham - ou não - voltado ao crime. Conclusão? Quanto mais dura a pena, menor a probabilidade de voltarem a ser violentos. Entre os agressores que tinham sido presos a reincidência caiu para cerca de metade. Quando a lei era mais fraca - e se safavam com uma reprimenda -, a probabilidade de voltarem às agressões era maior.
O estudo em Minneapolis - que foi lembrado na semana passada por Joshua Angrist, economista que esteve na Universidade do Minho - tornou-se rapidamente um caso modelo na justiça. A capacidade de articular leis tendo por base testes prévios no terreno é um atalho seguro para evitar erros e adequar o espírito da lei à sua aplicação prática. Em Portugal, infelizmente, estes testes prévios são caso raro. O que se passou com o Código de Processo Penal - em que até o procurador-geral da República admitiu que os prazos na prisão preventiva podiam ser melhorados - é um bom exemplo.
Tudo isto vem ao caso porque as prisões estão num rebuliço e os guardas prisionais em greve. São os próprios que garantem que a segurança das prisões já não é o que era, que os motins e as fugas são episódios cada vez mais recorrentes. O lóbi dos guardas não é inocente mas é preocupante. A credibilidade de um sistema judicial assenta em quatro premissas básicas: 1. boas leis; 2. justiça nas penas; 3. capacidade de manter presos os que merecem estar presos; 4. capacidade para reabilitar e integrar os que são punidos.
Quando a penúltima premissa é posta em causa, o sistema torna-se ineficaz. O estado que pune torna-se uma sombra quando paira a ameaça de que é incapaz de assegurar o essencial: a autoridade para garantir a segurança dos que protege. Sherman e Berk sabiam que o factor psicológico era tudo: durante meses apostaram na publicidade ao estudo. Resultado? A médio prazo o número de casos de violência doméstica e de prisões acabou por cair. A experiência em Minneapolis prova que o Estado não precisa de ser sempre punitivo. Basta a imagem. Não precisamos de um Estado autoritário e omnipresente. Basta que alguns - os mais perigosos - sintam que o é.
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