O meu cérebro loiro
por Clara Ferreira Alves, Publicado em 27 de Junho de 2009
Assim de repente não sei o que é que o meu cérebro tem de masculino. Usemos o cérebro para tentar saber. Este "usemos" é plural de majestade porque aqui estou só eu, com o meu cérebro com revestimento feminino. A verdade é que sou uma mulher embora uma vez um cavalheiro tenha tido a gentileza de me dizer: com essa cabeça e esse corpo vais ter problemas. Isto era um aviso amigo, nada de mais. Ele não exaltava o corpo, queria apenas dizer que eu tinha cérebro a mais para uma mulher e que uma mulher com cérebro a mais corre o risco de se meter em sarilhos.
Tinha sua excelência inteira razão, porque voltei a ouvir a frase mais vezes, repetida de outro modo, ou disfarçada de brincadeira. A menina pensa demais, a menina não pode ter lido tantos livros, a menina não pense que me dá ordens só porque... (preencher o espaço livre com a palavra que desejar), a menina está a entrar num terreno onde mandam os homens, tem a certeza de que quer fazer isto olhe que isto é coisa de homens, etc. etc. Eu adorava póquer. Um amigo escreveu uma vez (soberbamente) que as mulheres não sabiam jogar póquer. Numa noite de lerpa e póquer durante as férias perdeu 14 contos. Naquela altura, uma pipa de massa. A mulher dizia, vem embora, não vês que estão a ser esfolados? Éramos quatro. Três cavalheiros e eu. Todos pagaram a dívida de cavalheiro. Eu paguei as férias.
Quando era menina talvez estas frases me impressionassem, embora duvide. Hoje, recebo-as com carinho. A sobranceria masculina tem efeitos compensatórios e o meu cérebro feminino tornou--se (com os anos) um pouco mais masculino. Que quero eu dizer? A verdade é que odeio futebol excepto nas finais das copas e odeio carros. A mim ninguém me apanha a dizer, eh pá é verdade que esse motor tem X cavalos mas este carro é mais carro. Nunca soube o que era um carro mais carro e tive uma amiga que foi despedida por um namorado porque pôs os pés no tabliê numa ida para a praia. No tabliê do carro novo. Os pés sem sapatos. Coitada.
O meu cérebro ficou mais masculino porque se tornou imune à crítica, indiferente à hostilidade. E, se uma coisa define a masculinidade do cérebro é essa impermeabilidade feita de egocentrismo que faz com que todo o homem, mesmo o mais insignificante, se tome pela medida de todas as coisas. O cérebro do homem sabe o que faz, gere o mundo. O da mulher é (seria, seria) uma harpa onde se dedilham uns sentimentos e presságios. Algumas lágrimas. Eu detesto chorar, embora menos do que detesto futebol. E, já agora, adoro uma boa piada. Do género: O Pacheco é a loira do PSD. É mauzinho e tem graça. Nisto, sou um homem. Se fosse mulher achava ofensivo o modo como o Pacheco se ofendeu e as loiras não. E agora, peço desculpa, tenho de ir ao cabeleireiro aclarar o loiro. Do cabelo.
Jornalista e escritora
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