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Poderá a Índia tornar-se
uma nova China?
Dados do Banco Mundial mostram que o PIB da Índia é bem menor que o da China, cerca de 5,7 vezes, o que se traduz em riqueza criada por habitante bastante mais baixa: 1.648€/ano contra 9.164€.
Ano 2020, ponto de partida. Vejamos a situação comparada entre os dois países na base dos indicadores: População, PIB e PIB por habitante.
A população da Índia em 2020 aponta para 1,37 mil milhões de habitantes e a da China 1,4 mil milhões. Para uma ideia mais precisa da sua dimensão no Mundo, os dois países em conjunto representam aproximadamente 36% da população. E, segundo projecções dos serviços da ONU, a Índia ultrapassará a população da China na segunda metade da década em curso. A população (n.º) não será, então, problema.
Quanto ao PIB, a realidade é bem mais problemática. A Índia em 2020 atingiu 2.252.197M€, enquanto a China em 2019 chegou a 12.809.322M€. O PIB da Índia é, assim, bem menor que o da China, cerca de 5,7 vezes, o que se traduz em riqueza criada por habitante bastante mais baixa (1.648€/ano contra 9.164€).
Ainda para reflexão anotamos que, segundo o Banco Mundial, 41,5% da população activa na Índia vive da agricultura contra 24,7% na China, 26,7% do sector industrial contra 39% e 32,3% dos serviços contra 36,3%. E a riqueza da classe rica (1%) da Índia é superior à da metade da população. Não se afasta muito do padrão de apropriação da riqueza a nível mundial.
Alguns dados histórico-económicos
A Índia tornou-se independente no ano de 1947, dois anos antes da Revolução Popular da China (1949). A independência da Índia foi um processo longo, de lutas bem difíceis e um número elevado e indefinido de mortes. Entre as muitas lutas, ficou bem conhecida na história a Revolta dos Cipaios (1857-1859), considerada o primeiro movimento de independência da Índia.
Tratou-se de um levantamento popular armado contra o domínio britânico, realizado por soldados hindus e muçulmanos contra o alistamento obrigatório de jovens no exército da “Companhia Britânica das Índias Orientais”. O levantamento, que não alastrou a todo o território, terminando com a execução dos revoltosos e a extinção da Companhia.
Na sequência deste movimento, é criado um Vice-Rei para a Índia e, em 1877, a rainha Vitória coroada Imperatriz da Índia. Esta reorganização político-administrativa corresponde ao início da colonização profunda da Índia, traduzida na implantação de instituições-tipo britânicas, como colégios mistos, estradas, correios, clubes aristocráticos e bem importante, a introdução do factor “língua inglesa” que, de algum modo, deu um contributo a uma unificação maior num território com mais de 200 dialectos, um território sempre alvo de grande cobiça de diferentes povos, devido às suas riquezas naturais e grande fertilidade dos solos.
A penetração colonial da cultura e tradições inglesas não ofereceu grande resistência dado a Índia não dispor de um governo centralizado e a existência de castas, como factor de divisão da sociedade, facilitou o processo. As classes nobres aceitaram bem a colonização. Certas instituições davam-lhes algum estatuto.
Com a colonização passaram a existir duas Índias: uma de governação britânica e outra, a dos Principados, cerca de 200, administrados por famílias nobres.
A partir de 1920, Gandhi e Nehru, advogados de profissão, formados em Universidades inglesas, começaram a liderar o movimento de independência com o apoio da burguesia indiana e do partido do Congresso (constituído em 1885, por gente com ensino superior). Nesse contexto, foram várias vezes presos.
Gandhi batia-se pela desobediência civil ao poder colonial inglês e pela não-violência. Desobediência civil e não-violência tornaram-se, assim, as armas de rejeição e de prova dos que se batiam contra o domínio inglês.
O Reino Unido, que saíra enfraquecido da Primeira Guerra Mundial, perdeu ainda mais poder e influência no Mundo em favor dos EUA, na Segunda Guerra. Nestas condições, eram grandes as fragilidades para manter a Índia e tenta uma independência negociada.
O ambiente na Índia era instável e conflituoso. Muitas rivalidades religiosas vieram a marcar todo o processo. Por outro lado, debatiam-se na sociedade indiana duas tendências políticas para a independência.
Gandhi defendia a criação de uma Índia Unitária e Ali Junnah batia-se pelo Estado Independente do Paquistão. O Reino Unido apoia a segunda posição. E assim, em 1947, os ingleses reconhecem a independência da Índia que se concretiza com alguma turbulência. De forma sumária, a herança colonial inglesa deixa um país dividido em dois: a Índia e o Paquistão.
A União Indiana passou a ser governada por Nehru como primeiro-ministro na base do partido do Congresso e maioria hinduísta. O Paquistão de maioria islamita é governado por Ali Junnah. Entretanto, em 1948, Gandhi é assassinado por um elemento hinduísta radical que não aceitava juntar num mesmo país, hinduístas e muçulmanos.
A Índia de Nehru
Nehru, um lutador pela independência e alguns anos de prisão pela causa, torna-se primeiro-ministro da Índia em 1947 mantendo-se como primeiro condutor da governação da Índia independente até 1964, ano da sua morte.
O tipo de desenvolvimento económico protagonizado por Nehru não se encaixava na linha de Gandhi, defensor sobretudo de investimentos na agricultura e na sua reorientação.
Nehru, pelo contrário, apostava na grande indústria, no planeamento económico e na intervenção do Estado na economia, aliás com alguns traços de semelhança com a URSS. No entanto, nunca rompeu com as bases do capitalismo. As empresas não foram nacionalizadas. Praticou, contudo, uma espécie de “condicionamento industrial” como imperou, aliás, em Portugal. Os investimentos das empresas estavam sujeitos a autorização administrativa do governo.
Sob a governação de Nehru, o país não cresceu acima de 3% ao ano, o que era limitado para um país que arranca de uma situação atrasada e pobre, embora em domínios como o da construção de barragens os sucessos tenham sido assinaláveis.
Nehru notabilizou-se em termos mundiais pela sua política de não-alinhamento na Guerra Fria, tendo sido um dos fundadores e dirigentes com Nasser, Tito, Sukarno e Nkruma do movimento dos países não-alinhados que atingiu grande projecção mundial.
Com a morte de Nerhu, a sua filha Indira Gandhi sobe quase de imediato ao poder estabelecendo-se assim a dinastia da família na governação por longo tempo, através do Partido do Congresso.
Indira Gandhi segue, em termos económicos, as pisadas do pai: desenvolvimento de uma indústria nacional, defesa do não alinhamento na Guerra Fria e Estado secular, traves mestras que marcaram a linha de rumo de Nehru desde a independência. Esta linha de rumo acaba por ser alterada com a inflexão liberal da economia do país em 1990.
Não estamos numa resposta directa ao título do artigo. Estamos a carrear informação para quem ler este e os próximos escritos desenhar a sua própria resposta. Neste, deixamos alguns traços da evolução da Índia que se julgam importantes para o contexto, pois, em nosso entender, “tudo condiciona tudo” e a independência do país constituiu, sem dúvida, um factor marcante.
Termina-se, assim, este texto relembrando: há quem defenda que o Mundo se encontra num intervalo de 200 anos em que a “balança” da governação pendeu para o Ocidente.
Na verdade, entre o ano 1 e o de 1820, as duas grandes economias mundiais foram sempre as da China e da Índia. Muitos estudiosos que analisam este período de domínio do Mundo pelo Ocidente consideram-no como uma anomalia histórica em declínio natural. Será, necessariamente, assim?!
* Economista
IN "O JORNAL ECONÓMICO" - 11/04/21
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