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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
20/05/20
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As migrações,
a escola e a língua
Consultei o site da Direção-Geral de Educação e surpreendi-me com a quantidade de materiais sobre o ensino de português como língua não materna.
Quem era professor no inícios dos anos 90 lembra-se certamente da
quantidade de meninos que não falavam português ou para quem o português
não era a língua falada em casa, que subitamente surgiram nas salas de
aulas, filhos de imigrantes sobretudo de países da ex-esfera soviética. A
questão foi tema de discussão, de investigação. Para os professores era
muito perturbador não saber o que fazer com aquelas crianças (a que
chamaremos, "visíveis), como as apoiar, como as integrar.
A presença de meninos não falantes de português nas escolas não era
nova, porém. Durava há décadas, mas até então não se havia prestado
atenção ao facto, até porque os meninos, a que chamaremos "invisíveis",
que não falavam português ou não o tinham como primeira língua, eram ou
filhos de imigrantes de países de língua oficial portuguesa e, portanto,
haveriam de saber português, ou filhos de emigrantes e, portanto,
também haveriam de saber português.
O destino de muitos "meninos invisíveis" estava praticamente traçado à
partida. Quase todos oscilavam entre ser envergonhados, inseguros, e
acusados de não participar, de perturbar as aulas.
Muitos reprovavam
consecutivamente, em silêncio, até desistirem da escola. A maioria nunca
dominou a língua escrita e nem a norma padrão do português. Raros foram
os que frequentaram ou concluíram cursos superiores. Quase todos
acabaram por não concluir sequer o ensino obrigatório, por não adquirir
competências que lhes permitissem ter bons empregos e aspirar à
mobilidade social.
Os "meninos visíveis" eram em tudo contrários aos seus antecessores. Bem
comportados, intervinham nos trabalhos da aula, rapidamente ganhavam
confiança, em si mesmos e dos professores. Quase todos se integravam na
comunidade escolar e muitos eram elogiados pelo bom comportamento,
sentido de responsabilidade, trabalho árduo, apesar das evidentes
dificuldades linguísticas. A maioria aprendeu a dominar com mestria a
língua escrita e a norma padrão. Raros foram os que reprovaram ou
desistiram, ou que não frequentaram cursos superiores.
Para a maioria das famílias dos "meninos invisíveis", a origem não era
fator de orgulho, os filhos sempre constituíram um problema sem solução e
a escola que eles frequentavam um lugar inóspito, incompreensível,
intimidante. As famílias dos "meninos visíveis" ostentavam a sua
identidade, a língua e cultura maternas (ao ponto de as ensinar fora do
espaço escolar), consideravam os filhos a sua principal prioridade e o
seu sucesso escolar inevitável, e a escola um parceiro, um espaço
familiar.
Hoje, Portugal é um país multilingue e multicultural, casa ou refúgio de
gentes diversas; delas e das suas crianças, felizmente. O país
progrediu muito sobretudo a partir dos anos 80, também em termos de
educação. Os "meninos invisíveis" ganharam visibilidade à boleia dos
"visíveis". . A comunidade escolar tem mais meios para apoiar estas
crianças. Os professores estão hoje mais conscientes, recetivos e bem
preparados para acolher o multilinguismo e a multiculturalidade dos
alunos, e para ensinar português de formas diferentes
A escola portuguesa não é perfeita e nunca o será, mas é hoje mais
igualitária, inclusiva e apta. E a língua portuguesa vai-se tornando
mais forte, porque língua e educação são duas faces da mesma moeda, a do
desenvolvimento humano.
* Professora Auxiliar da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa e Presidente do Conselho Científico do
Instituto Internacional da Língua Portuguesa - IILP
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
20/05/20
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