O
fenómeno desportivo repousa inteiramente sobre uma procura social
constituída por dois elementos. De um lado, o praticante joga, salta,
lança, evita, visa, corre, nada; do outro lado, o praticante vê jogar,
lançar, saltar, lançar, evitar, visar, correr, nadar, etc. De um lado,
são os praticantes desportivos; do outro lado, são os não praticantes,
que vão ao estádio, aos circuitos, veem a televisão ou leem as páginas
especializadas. Estes dois tipos não são opostos e não se excluem
mutuamente. Eles são o complemento, alternativamente os mesmos: quando
são jovens, a maior parte dos casos, e sucessivamente os mesmos quando a
idade, o modo de vida ou uma incapacidade reduz as suas capacidades ou,
simplesmente, quando o seu desejo de conseguir os esforços físicos se
escapa.
O fenómeno desportivo divide-se em dois sistemas.
Um
sistema no qual os indivíduos (sozinhos ou em grupo) entram em
competição uns contra os outros (exemplo: as grandes maratonas de
Londres, Nova Iorque, Paris, Berlim). Comparamo-nos uns aos outros. É a
confrontação de um adversário contra si que sai da avaliação. Os
encontros têm um sentido e um interesse para os competidores e
espetadores (quando estes existem) e só devem opor desportivos de valor
sensivelmente igual. É, por isso, que existem classificações, separando
os grupos por níveis extremamente ténues. Procura-se a homogeneidade dos
confrontos.
Os melhores sobem de divisão ou categoria de valor, os menos bons descem. Em princípio, quanto mais se aproximam do alto nível, mais as distâncias de valor se esbatem. Este sistema compreende todos os desportos de competição conhecidos (futebol, râguebi, ténis, ciclismo, andebol, basquetebol, judo, etc.). A grande maioria dos praticantes é amadora. Os atletas de alto rendimento são, essencialmente, profissionais. A “elite” são “os melhores iguais”, ou seja, indivíduos selecionados na ordem da excelência, que se separam, regra geral, em distâncias ténues, quase ínfimas, por vezes, invisíveis a olho nu, distâncias que podem ser reversíveis a cada novo encontro. Os concorrentes são tão próximos uns dos outros que é preciso aumentar o tempo do jogo (competição) até ao surgimento da diferença: é o caso dos prolongamentos, no futebol. Em muitos desportos, faz-se apelo ao “foto-finish” e nas provas contrarrelógio aos centésimos e milésimos de segundo, à medida do objetivo e incontestável. Neste primeiro sistema existe uma organização da incerteza. É o espetáculo de massas, capaz de federar milhões de telespetadores, aos estádios superiores, quando entram em confronto a “elite dos melhores iguais”. O desporto-espetáculo, organizado sempre da mesma forma, segundo as três regras do teatro clássico: unidade de lugar, unidade de ação e unidade de tempo, surge como uma “liturgia de identificação”. Terá ela um carácter religioso? Sim, se utilizarmos o seu sentido forte e etimológico de “religare” (latim). Sim, se consideramos que ele repousa sobre uma crença (illusio) na permanência de uma coletividade e mesmo de uma personalidade coletiva. Esta liturgia testemunha a reconstrução de um tipo de sacralidade, nova, e emerge diretamente no seio do universo profano e para (re)encantar o mundo.
Os melhores sobem de divisão ou categoria de valor, os menos bons descem. Em princípio, quanto mais se aproximam do alto nível, mais as distâncias de valor se esbatem. Este sistema compreende todos os desportos de competição conhecidos (futebol, râguebi, ténis, ciclismo, andebol, basquetebol, judo, etc.). A grande maioria dos praticantes é amadora. Os atletas de alto rendimento são, essencialmente, profissionais. A “elite” são “os melhores iguais”, ou seja, indivíduos selecionados na ordem da excelência, que se separam, regra geral, em distâncias ténues, quase ínfimas, por vezes, invisíveis a olho nu, distâncias que podem ser reversíveis a cada novo encontro. Os concorrentes são tão próximos uns dos outros que é preciso aumentar o tempo do jogo (competição) até ao surgimento da diferença: é o caso dos prolongamentos, no futebol. Em muitos desportos, faz-se apelo ao “foto-finish” e nas provas contrarrelógio aos centésimos e milésimos de segundo, à medida do objetivo e incontestável. Neste primeiro sistema existe uma organização da incerteza. É o espetáculo de massas, capaz de federar milhões de telespetadores, aos estádios superiores, quando entram em confronto a “elite dos melhores iguais”. O desporto-espetáculo, organizado sempre da mesma forma, segundo as três regras do teatro clássico: unidade de lugar, unidade de ação e unidade de tempo, surge como uma “liturgia de identificação”. Terá ela um carácter religioso? Sim, se utilizarmos o seu sentido forte e etimológico de “religare” (latim). Sim, se consideramos que ele repousa sobre uma crença (illusio) na permanência de uma coletividade e mesmo de uma personalidade coletiva. Esta liturgia testemunha a reconstrução de um tipo de sacralidade, nova, e emerge diretamente no seio do universo profano e para (re)encantar o mundo.
No segundo sistema, os
indivíduos (sozinhos, raramente em grupo) entram em competição com eles
próprios. Avaliamo-nos a nós próprios, não temendo espetacularizar as
desigualdades (de capacidades, de treino, de motivação). O desporto
assenta sobre uma curiosa e fecunda combinação de igualdade e de
desigualdade. Ele não é apenas a simples diversão. Ele não é apenas uma
atividade e um complemento de aprendizagem e de formação. Ele é, hoje, o
que reúne os homens, mesmo quando eles se confrontam numa banal
competição. A política do desporto é a de participar na construção de
uma ligação social. De uma certa forma, o desporto assume um papel
outrora assumido pela Igreja, a estrutura militar, o trabalho. Ele
participa na reestruturação da sociedade, a começar pelos modos de vida,
que marca os ritos sazonais que acompanhava a vida rural e, durante
estes eventos de grande ressonância que reúne os membros de uma
sociedade, o desporto permite a existência da vida coletiva de uma
comunidade de homens e de mulheres que a constituem e se reconhecem.
*
Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador
Integrado no CPES – Centro de Pesquisa e Estudos Sociais, da
Universidade Lusófona de Lisboa.
IN "A BOLA"
16/02/19
.
Sem comentários:
Enviar um comentário