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O processo Vistos Gold não tem só a ver com Miguel Macedo. Aqui fica um Especial com um resumo dos principais pontos da acusação do Ministério Público.
Uma parceria antiga
Em troca, o ex-presidente do IRN terá recebido, segundo a acusação, uma comissão por cada negócio pelos serviços prestados. Deixando de lado os alegados favorecimentos na agilização e facilitação de escrituras públicas ou de obtenção de vistos gold, mesmo uma atividade lícita como a angariação de imóveis estava vedada a António Figueiredo, pois o então líder do IRN estaria impedido legalmente de ter outra atividade por ser um dirigente da administração pública em exclusividade de funções.
O negócio, contudo conheceu um grande percalço. O Ministério da Justiça de Angola decidiu em 2014 contratar o escritório ACPC – Advogados e Associados por um valor que se situa entre os “300 milhões e os 400 milhões de euros”, segundo o DCIAP, para operacionalizar todo o processo de modernização da Justiça.
De acordo com a acusação, o acordo anterior entre António Figueiredo e Eliseu Zumba manteve-se em vigor e a Merap Consulting assinou um contrato de prestações de serviço com o ACPC para assegurar o “controlo da execução do plano [de revisão dos códigos], atuando o ACPC em representação do Ministério da Justiça angolano em todo o processo”. Em troca, a Merap receberia cerca de um milhão de euros.
O DCIAP, contudo, não conseguiu detetar a totalidade dos circuitos financeiros por onde passaram estes valores contratualizados, tendo apenas localizado a alegada entrega de 30 mil euros em numerário a António Figueiredo.
Outra situação relacionada com negócios com Angola diz respeito à comercialização de aplicações informáticas do IRN com Angola. Mais uma vez, estamos perante uma operação abrangida pela cooperação entre Portugal e Angola e que foi alvo de negócios privados.
Os arguidos acidentais
AVIVE A MEMÓRIA
"VISTOS GOLD"
Macedo, os chineses, Angola, o homem
. das luvas e o primo deste
. das luvas e o primo deste
O processo Vistos Gold não tem só a ver com Miguel Macedo. Aqui fica um Especial com um resumo dos principais pontos da acusação do Ministério Público.
“Há uma rede que utiliza o aparelho de Estado para concretizar atos ilícitos, muitos na área da corrupção”. A frase é de Joana Marques Vidal,
procuradora-geral da República (PGR), foi proferida na primeira
entrevista após a detenção de José Sócrates na Operação Marquês e de
três altos dirigentes da administração pública na Operação Labirinto e pode ser um bom resumo da acusação do Ministério Público (MP) neste último caso – também conhecido por Vistos Gold.
Nenhum
processo pode ser comparado em termos de importância e de simbolismo ao
caso Sócrates (e até mesmo ao caso BES) mas o processo Vistos Gold
vem logo a seguir como um caso marcante deste primeiro mandato de Joana
Marques Vidal como PGR.
Tem como protagonistas dois líderes de
organismos de Estado (António Figueiredo, então presidente do Instituto de Registos e Notariado, e Manuel Palos, diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) e a principal funcionária do Ministério da Justiça (a secretária-geral Maria Antónia Anes). Mas, acima de tudo, foi este o caso responsável pela queda de um dos ministros mais populares do governo PSD/CDS: Miguel Macedo,
titular da pasta da Administração Interna que se demitiu a 16 de
novembro de 2014 – três dias depois das detenções de Figueiredo, Palos e
Anes.
Não fosse este processo, Macedo continuaria a ser uma das figuras
do PSD que os jornais costumavam apontar como possíveis candidatos à
sucessão de Pedro Passos Coelho. Caiu e dificilmente se levantará.
O núcleo central da acusação do Departamento Central de
Investigação e Ação Penal (DCIAP) prende-se com os negócios imobiliários
que tinham como objetivo a obtenção de receitas ilícitas em troca da
emissão de vistos gold, mas o processo é muito mais do que isso. Dos ilícitos imputados aos arguidos terão resultado ganhos totais de cerca de 435 mil euros – valor que o DCIAP requer ao tribunal que vier a julgar este caso que seja declarado perdido a favor do Estado.
Como? Através do chamado instrumento de perda clássica que consiste na
condenação de um pagamento de uma indemnização ao Estado no valor total
ganho ilicitamente.
Os arguidos António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), e o casal de empresários Zhu Xhiadong e Zhu Baoe são os que se arriscam a pagar uma indemnização maior: cerca de 100 mil euros para Figueiredo e 268 mil euros para os gestores chineses.
O
ex-líder do IRN e a sua mulher serão ainda confrontados num eventual
julgamento com um pedido de perda ampliada por parte do MP. Neste
caso, está em causa a discrepância detetada pelos procuradores do DCIAP
entre os rendimentos anuais declarados em sede de IRS e os valores
realmente depositados nas contas bancárias do casal. Trata-se de uma diferença na ordem dos 231 mil euros, segundo a acusação. Nesse sentido, o MP requer ao tribunal que venha
a julgar o caso que declare o arresto desse montante depositado nas
contas do casal Figueiredo e que o mesmo seja declarado perdido a favor
do Estado.
O mesmo verifica-se com o casal Xhiadong/Baoe, sendo que neste caso está em causa um montante superior: cerca de 512 mil euros. No total, o Estado arrisca-se a ganhar uma receita extraordinária de cerca de 1,1 milhões de euros, caso todos os pedidos do DCIAP sejam satisfeitos.
Miguel Macedo foi acusado de quatro crimes mas apenas uma dessas situações está relacionada com os vistos gold propriamente ditos. Em todas situações ilícitas que lhe são imputadas está presente o seu amigo Jaime Gomes e
as parcerias de negócio lideradas por este empresário – o MP diz mesmo
que se conhecem desde os tempos da adolescência e tratam-se por “irmãos”.
Uma parceria antiga
Para os quatro procuradores do DCIAP que subscrevem a acusação, existem negócios antigos entre Miguel Macedo e Jaime Gomes que sustentam a sua proximidade pessoal e empresarial – negócios
esses que derivam de participações que, segundo o MP, não terão sido
declaradas por Macedo ao Tribunal Constitucional como estava obrigado
enquanto deputado da X e XI Legislatura e ministro do governo PSD/CDS
(2011/2015).
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Em 2008, era Macedo deputado, os dois amigos terão tido uma
parceria com o grupo Often (especialista em mobiliário urbano e de
escritório), na qual teriam como missão “facilitar contactos com
entidades públicas e privadas a fim de «blindar/fechar negócio», fazer a
aproximação a quem de direito e indicado por vós, disponibilizar
informação a fim de estabelecer contacto imediato sempre que saiam novos
concursos, junto das entidades contratantes, nomeadamente públicas”, lê-se no despacho de acusação que cita o contrato assinados entre as partes.
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A
Often terá conseguido contratos com diversas entidades públicas:
Ministério da Administração Interna (concurso para instala, Galp,
Tabaqueira, Biblioteca Nacional, EDP, APL – Sines; IRN (Lojas do
Cidadão), Câmara Sintra, AMA – Agência para a Modernização
Administrativa mas o MP apenas refere um contrato como tendo
intervenção da dupla Macedo/Gomes: o da Ilhas Valor, empresa pública dos
Açores, pelo qual a mulher de Jaime Gomes, alegada testa de ferro, terá
recebido 16 mil euros do grupo Often.
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Outras parcerias
estarão relacionadas com a empresa JMF – Projects & Business –
sociedade da qual foram sócios Miguel Macedo, Jaime Gomes, Luís Marques Mendes e Ana Luísa Figueiredo (filha de António Figueiredo, o principal arguido do caso Vistos Gold) e que teve como única atividade comercial um contrato de dezembro de 2009 com a empresa espanhola Fitonovo para a “facilitação de negócios e contactos privilegiados no âmbito da contratação pública” a troco de uma comissão de 2%. Desse contrato, terão resultado pagamentos de 31 mil euros à JMF que foram distribuídos em partes iguais pelos sócios em dezembro de 2011. De
acordo com as contas do MP, esta comissão paga à JMF terá subjacente um
valor global de 1,5 milhões de euros contratos feitos com o Estado.
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A
posição contratual da JMF com o grupo Fitonovo foi transmitida à
empresa JAG – Consultoria e Gestão – empresa de Jaime Gomes que foi
acusada no âmbito do processo Visto Gold. No âmbito de um
contrato igualmente de facilitação de negócios com o Estado, a JAG terá
recebido cerca de 172 mil euros entre 2011 e 2013.
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Também
terão existido contactos entre Jaime Gomes/Miguel Macedo com José Santa
Clara Gomes do grupo Bragaparques a propósito de Parcerias
Público-Privadas no Brasil na área da exploração de parques de
estacionamentos adjudicados pela Codeplan – Companhia de Planejamento do
Distrito Federal de Brasília. Esses contactos, contudo, não terão tido
efeitos práticos. O mesmo já não se pode sobre a Tecnobras – uma
empresa brasileira de serviços de informática. Terá sido mesmo
constituída em julho de 2011, já depois de Macedo ter tomado posse como
ministro da Administração Interna do Governo de Passos Coelho, tendo como sócios, segundo o MP, António Figueiredo, Jaime Gomes, Miguel Macedo e o luso-brasileiro Paulo Elísio de Souza, presidente da Câmara do Comércio e Indústria do Rio de Janeiro.
Os alegados quatro crimes
São estes antecedentes de relações comerciais que levaram o MP a
reforçar a sua convicção de que existia uma especial relação entre
Miguel Macedo, Jaime Gomes e António Figueiredo (que tinha chegado a
líder do Instituto dos Registos e Notariado por indicação do secretário
de Estado da Justiça, Miguel Macedo), com Manuel Palos pelo meio. As
quatro situações que deram origem à acusação contra Miguel Macedo são as
seguintes, como o Observador já noticiou:
- Jaime Gomes, António Figueiredo e o empresário chinês Zhu Xhiadong terão acordado a criação de uma sociedade comercial na China para angariar candidatos aos vistos gold, propondo-lhes os respetivos investimentos imobiliários. Nesse sentido, necessitavam de um oficial de ligação para a imigração na embaixada portuguesa em Pequim que pudesse apressar a emissão de vistos. A pedido de Jaime Gomes, Miguel Macedo, o ministro que tutelava do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), terá ordenado ao diretor nacional Manuel Palos que lhe propusesse a criação de tal posto na embaixada portuguesa. O que veio a acontecer mas sem efeitos práticos devio, segundo o MP, a uma fuga de informação sobre a existência desta investigação. Crime imputado: prevaricação de titular de cargo político em regime de co-autoria com António Figueiredo, Manuel Palos e Jaime Gomes
- No contexto em que Jaime Gomes aparecia como consultor da Intelligent Life Solution (ILS), empresa de Paulo Lalanda Castro, Macedo terá voltado a ordenar a Manuel Palos que emitisse vistos de estada temporária para cidadãos líbios que vinham a Portugal receber tratamento médico no âmbito de contrato entre a ILS e a Líbia. Crime imputado: prevaricação de titular de cargo político em regime de co-autoria com Manuel Palos
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No âmbito da ligação comercial à ILS, Gomes solicitou uma segunda intervenção de Miguel Macedo num conflito fiscal entre a empresa de Lalanda Castro e as Finanças. Estava em causa o pagamento de IVA sobre as faturas emitidas pelos serviços prestados às autoridades líbias, no valor de um milhão de euros, reclamado pelo Fisco. Devido à intervenção de Macedo, que ligou ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, para estar atento ao caso, não só as Finanças deram o dito por não dito (não cobrando o valor), como a ILS acabou por receber um reembolso de mais de 43 mil euros. Crime imputado: tráfico de influência em regime de co-autoria com Jaime Gomes
-
Jaime Gomes terá igualmente recebido de Miguel Macedo, através do email oficial que este usava enquanto ministro da Administração Interna, o caderno de encargos relativo ao concurso internacional de manutenção dos helicópteros do Estado. Tal documentação acabou nas mãos da empresa Easy Jet, adquirida pouco antes pelo grupo Bragaparques, que viria a ganhar o concurso. Crime imputado: prevaricação de titular de cargo político
Figueiredo, o arguido com acusação mais pesada
Se Macedo é a cara mediática, António Figueiredo é o principal arguido do processo.
Pelo menos, a julgar pela pesada acusação que incide sobre si – de
longe, a mais pesada de todos os arguidos. São 13 crimes, dos quais
saltam à vista os quatro crimes de corrupção passiva para ato ilícito.
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O
primeiro desses alegados crimes de corrupção passiva está relacionado
com os negócios imobiliários relacionados com os vistos gold. De acordo com a acusação do DCIAP, António Figueiredo terá feito o seguinte acordo com o empresário chinês Zhu Xhiadong:
*participar ativamente na angariações de imóveis;
*agilizar os procedimentos burocráticos relacionados com os vistos
gold desejados pelos compradores desses imóveis, com autorizações de
residência simples e até vistos simples de entrada de cidadãos chineses
em Portugal. Como? Exercendo alegada influência junto de Manuel
Palos, que terá aceite os pedidos de António Figueiredo para favorecer
33 cidadãos chineses nos respetivos processos administrativos;
*colocar à disposição dos interesses de Zhu Xhiadong meios e
funcionários do IRN para promover a realização célere das respetivas
escrituras de compra e venda
Em troca, o ex-presidente do IRN terá recebido, segundo a acusação, uma comissão por cada negócio pelos serviços prestados. Deixando de lado os alegados favorecimentos na agilização e facilitação de escrituras públicas ou de obtenção de vistos gold, mesmo uma atividade lícita como a angariação de imóveis estava vedada a António Figueiredo, pois o então líder do IRN estaria impedido legalmente de ter outra atividade por ser um dirigente da administração pública em exclusividade de funções.
De acordo com a acusação, António Figueiredo terá depositado um total de cerca de 89 mil euros em numerário entre 2011 e 2014 em
contas bancárias por si tituladas em conjunto com a sua mulher mas
também da sua filha e do seu primo direito Fernando Pereira. Esse valor
terá resultado, segundo o DCIAP, no pagamento de comissões dos Vistos Gold e de outras situações que veremos à frente. Daí a acusação de alegada corrupção passiva para ato ilícito em regime de co-autoria com Manuel Palos.
O ex-diretor nacional do SEF, com a ajuda deu na agilização dos processos burocráticos, terá permitido aos empresários chineses poupar entre os dois mil e os seis mil euros por cada caso.
Segundo o DCIAP, eram esses os valores que os escritórios de advogados
praticavam no acompanhamento de cada processo administrativo de visto
gold.
Os negócios imobiliários que estiveram subjacentes a essas comissões, contudo, foram substancialmente mais elevados. Entre
Lisboa e Cascais, os empresários Zhu Xhiadong, Zhu Baoe (mulher de
Xhiadong) e Xia Baoling terão participado em negócios imobiliários que
movimentaram cerca de 3,8 milhões de euros e geraram mais-valias de
cerca de 900 mil euros entre 2013 e 2014.
Os empresários chineses foram acusados dos mesmos crimes (corrupção activa para acto ilícito e tráfico de influências)
por alegadamente terem prometido contrapartidas a António Figueiredo em
troca dos seus serviços e terem sido alegados cúmplices na influência
que o presidente do IRN exerceu sobre Manuel Palos.
O concurso de António Figueiredo para presidente do IRN
Maria Antónia Anes, secretária-geral do Ministério da Justiça, foi
encarregue pela ministra Paula Teixeira da Cruz de elaborar um conjunto
de documentação essencial para a abertura do concurso na Comissão de
Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) para o
cargo de presidente do IRN. Na teoria, António Figueiredo deveria ter
tido concorrência de outros dirigentes da administração pública ou de
privados interessados em concorrer aquele lugar. Na prática, e
de acordo com a acusação do DCIAP, Maria Antónia Anes tudo terá feito,
em alegado conluio com Figueiredo, para que este fosse beneficiado face
aos dois candidatos que se apresentaram.
Anes terá
permitido que os requisitos para o cargo (definidos pelo Ministério da
Justiça e enviados por Anes para a CReSAP como documento preparatório da
abertura do concurso) tenham sido elaborados pelo próprio António Figueiredo para se encaixarem no seu perfil profissional. Após a abertura do concurso, e já como membro do júri do mesmo, Maria Antónia Anes esteve em comunicação permanente com Figueiredo, enviando-lhe
previamente documentação confidencial que só deveria conhecida ao mesmo
tempo que os restantes concorrentes, corrigindo-lhe textos que o
próprio já tinha submetido, informando-o sobre a identidade e documentos
enviados pelos restantes concorrentes e dando-lhe informações
reservadas sobre a avaliação das suas provas escritas de forma a que
pudesse corrigir as mesmas durante a fase da entrevista pessoal. Tudo, segundo o MP, em violação dos seus “deveres de isenção, sigilo e objectividade”.
A
CReSAP decidiu não escolher António Figueiredo nem os restantes dois
candidatos. Ficando a decisão nas mãos da ministra da Justiça que, com a
ausência de alternativas, decidiu reconduzir Figueiredo. Este concurso
da CReSAP não foi a única seleção de dirigentes da Administração Pública
que a dupla Anes/Figueiredo terá tentado influenciar. Segundo o DCIAP,
verificaram-se mais três situações relacionadas com os seguintes cargos:
- Chefe de Divisão de Recursos Humanos do IRN – António Figueiredo terá tentado influenciar o presidente do concurso para ser escolhida a candidata preferida de Anes. Sem sucesso;
- Vogal do Conselho Diretivo do IRN – Figueiredo desejava a nomeação de Luís Goes Pinheiro e Anes terá repetido a mesma estratégia que já tinha seguido com Figueiredo no concurso para presidente do IRN. Também não teve sucesso porque, apesar da CReSAP ter indicado Pinheiro com um dos três melhores candidatos, a ministra Paula Teixeira da Cruz escolheu João Rodrigues;
- Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna – Mais uma vez, Figueiredo e Anes tinham um candidato favorito que queriam ver indicado pela CReSAP: Humberto Meirinhos. Apesar das diligências feitas, e que chegaram a envolver uma conversa entre Figueiredo e Miguel Macedo, Meirinhos acabou por desistir do concurso.
Neste ultimo caso, o DCIAP deu particular atenção à motivação de
Maria Antónia Antes para tentar favorecer Humberto Meirinhos. Este foi
presidente dos Serviços Sociais da Administração Pública, onde conheceu
Anes, tendo adjudicado três obras no valor de 56 mil euros a uma empresa
designada Easyconcept. Segundo o DCIAP, os donos desta última sociedade
eram vizinhos e amigos de Maria Antónia Anes, tendo decidido
subcontratar uma segunda sociedade (a Flowmotion Flower Design) para prestar serviços naquela empreitada. Não viria mal ao mundo para o DCIAP, não fosse a Flowmotion uma empresa recém-constituída propriedade do filho e da nora de Anes.
O MP diz que esta foi a motivação para a então secretária-geral do
Ministério da Justiça ter tentado influenciar o concurso do MAI em
benefício de Humberto Meirinhos.
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A Flowmotion teve também uma
avença mensal de 1.600 euros com o IRN – situação que foi alvo de
investigação mas arquivada por o ajuste direto ter sido legal.
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Angola e a “avidez do dinheiro” de Figueiredo
Angola ocupa uma parte importante da acusação e está na origem do crime de corrupção passiva para ato ilícito que é imputado a António Figueiredo, alegadamente corrompido, segundo o DCIAP, por um empresário angolano chamado Eliseu Bumba – a quem é imputado a alegada prática do crime de corrupção ativa para ato ilícito.
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Segundo a acusação do DCIAP, o então presidente do IRN terá tentado lucrar ilicitamente com a subversão do protocolo de cooperação entre Portugal e Angola na área da Justiça, usando meios e funcionários do IRN
como se fossem privados e acordando com o empresário angolano Eliseu
Bumba um valor por essa alegada prestação de serviços que deveriam ser
gratuitos. As palavras dos quatro procuradores do DCIAP que subscrevem a acusação são claras:
Para percebermos melhor o interesse de António Figueiredo em Angola temos de recuar até 2006, altura em que conheceu Eliseu Bumba,
então secretário do Consulado-Geral de Angola em Lisboa.
Apercebendo-se, segundo o DCIAP, das boas relações que Bumba tinha no
Ministério da Justiça (MJ) daquele país africano, Figueiredo mostrou-se
interessado em participar nos projetos de modernização do setor em
Angola, nomeadamente em termos informáticos. Tudo com o objetivo,
segundo a acusação, de vir a trabalhar mais tarde em Luanda para uma
sociedade angolana ou até mesmo para o MJ de Angola com um ordenado
mensal superior a 10 mil euros.
O plano de Figueiredo e de Bumba teve, segundo o DCIAP, duas fases distintas:
- A criação de uma empresa informática chamada Step-Ahead Angola, em que Bumba teria 75% do capital social e Paulo Guerra, dono da Step-Ahead Portugal, o remanescente. Esta empresa, contudo, seria mais tarde transformada em Merap Consulting em fevereiro de 2012 devido a desentendimentos ocorridos entre Bumba e Guerra.
- E a criação de três sociedades que tinham funcionários do IRN como sócios: Elisa Alves, José Manuel Gonçalves e Paulo Eliseu. Mais tarde, juntou-se a este grupo o colega Paulo Vieira. Gonçalves, Eliseu e Veiria eram técnicos informáticos, enquanto que Elisa trabalhava nos serviços centrais do IRN e era a pessoa de confiança de Figueiredo. Foram assim criadas as sociedades por quotas Globalregis, a Simpliregis e a Formallize para operarem em Angola e das quais, diz o DCIAP, António Figueiredo era sócio oculto.
As primeiras oportunidades de negócio terão sido aplicadas através da empresa Simpliregis e visavam o seguinte:
- Elaboração de um Plano Estratégico de Intervenção na Modernização dos Registos e do Notariado de Angola;
- Ações de formação em Angola;
- Revisão dos Códigos de Registo Civil, Predial, Comercial, Automóvel e Notariado;
- Desenvolvimento de aplicações informáticas para o MJ de Angola.
Figueiredo e Bumba pretendiam cobrar 350 mil dólares americanos em 2012 ao MJ de Angola pelo primeiro desses objetivos. Assim, a Simpliregis terá emitido faturas nos primeiros nove dias de Janeiro de 2012 no valor total de cerca de um milhão de euros (cerca de 586 mil euros). Contudo o DCIAP só conseguiu localizar uma pequena parte destes valores contratualizados:
- 50 mil dólares (47 mil euros a câmbio de hoje) que alegadamente terão sido entregues em numerário a Elisa Alves por Eliseu Bumba
- 60 mil dólares (56,5 mil euros) que terão sido depositados numa conta angolana de uma irmã de Elisa Alves.
- 100 mil dólares (cerca de 90 mil euros) transferidos pela Step-Ahead para uma conta da Simpliregis na Caixa Geral de Depósitos.
A Simpliregis e os seus sócios foram investigados pelo DCIAP
pelo crime de corrupção mas os autos acabaram por ser arquivados devido à
dissolução da sociedade – ocorrida por desentendimentos entre António Figueiredo e Elisa Alves. Para os procuradores, contudo, não restam dúvidas de que os pagamentos à Simpliregis ocorreram “em grande parte em Angola, e em numerário”, sendo que tudo não passou de um alegado “estratagema encontrado por aqueles arguidos para retirar dinheiro de Angola e o distribuir depois entre todos”. Os arguidos em questão, segundo o DCIAP, são Elisa Alves, José Manuel Gonçalves, Paulo Eliseu e António Figueiredo.
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Já
em 2013 e 2014, e no âmbito do Protocolo de Cooperação assinado entre
Portugal e Angola pelos ministros da Justiça dos dois países (Paula
Teixeira da Cruz e Rui Mangueira), verificaram-se novos avanços por
parte Eliseu Bumba e António Figueiredo no desenvolvimento dos seus
negócios em Angola:
- Ações de formação a funcionários do MJ de Angola em que os funcionários do IRN receberam 2.500 a 5.000 dólares em dinheiro vivo entregue por funcionários da empresa de Eliseu Bumba – “montantes muito superiores aos que lhe eram devidos” com as ajudas de custos normais, segundo o DCIAP
- E, mais importante, a recuperação da proposta de revisão dos Códigos de Registo Civil, Predial, Comercial, Automóvel e Notariado.
Neste último ponto, as intenções de Figueiredo e Bumba foram
tendo evolução com o desenrolar do processo – sendo que o papel de
coordenador que pertencia a Elisa Alves foi assumido por Abílio Silva. Em 2009, e através da Step-Ahead Angola, foi feita uma proposta financeira ao MJ angolano no valor de 3,1 milhões de euros.
Esse valor subiu quando foi necessário fazer uma nova proposta através
da Globalregis (entretanto, Paulo Guerra e Eliseu Bumba tinham cortado a
parceria na Step-Ahead) no valor de 3,2 milhões de euros e que foi apresentada à então ministra da Justiça angolana, Guilhermina Prata. O valor voltou a subir para 3,4 milhões de euros antes do final de 2012, tendo descido quando o “ministro da Justiça de Angola [Rui Mangueira] acordou com Eliseu Bumba a realização da reforma legislativa, através da equipa de António Figueiredo”, lê-se no despacho, acrescentando os quatro procuradores o seguinte:
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Assim, o valor final pelos serviços de António Figueiredo e da sua equipa do IRN ficou em 1,2 milhões de euros.
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Segundo o DCIAP, o ministro Rui Mangueira ponderou falar com Paula
Teixeira da Cruz sobre este acordo com Figueiredo mas decidiu não
fazê-lo. Se o tivesse feito, a então ministra da Justiça teria
descoberto as atividades privadas do presidente do IRN. Ao longo
do despacho de acusação, os quatro procuradores asseguram por diversas
vezes que Paula Teixeira da Cruz desconhecia em absoluto os atos de
Figueiredo e de Maria Antónia Anes – pessoa que a ministra julgava ser de confiança.
O negócio, contudo conheceu um grande percalço. O Ministério da Justiça de Angola decidiu em 2014 contratar o escritório ACPC – Advogados e Associados por um valor que se situa entre os “300 milhões e os 400 milhões de euros”, segundo o DCIAP, para operacionalizar todo o processo de modernização da Justiça.
De acordo com a acusação, o acordo anterior entre António Figueiredo e Eliseu Zumba manteve-se em vigor e a Merap Consulting assinou um contrato de prestações de serviço com o ACPC para assegurar o “controlo da execução do plano [de revisão dos códigos], atuando o ACPC em representação do Ministério da Justiça angolano em todo o processo”. Em troca, a Merap receberia cerca de um milhão de euros.
O DCIAP, contudo, não conseguiu detetar a totalidade dos circuitos financeiros por onde passaram estes valores contratualizados, tendo apenas localizado a alegada entrega de 30 mil euros em numerário a António Figueiredo.
Outra situação relacionada com negócios com Angola diz respeito à comercialização de aplicações informáticas do IRN com Angola. Mais uma vez, estamos perante uma operação abrangida pela cooperação entre Portugal e Angola e que foi alvo de negócios privados.
A
primeira aplicação a ser ‘vendida’ foi o Sirauto -Espaço Registo
[Automóvel], tendo alegadamente os técnicos informáticos José Manuel
Gonçalves, Paulo Eliseu e Paulo Vieira participado na adaptação do
sistema à administração pública angolana através de uma prestação de
serviços prestada à Lusomerap, filial portuguesa da Merap Consulting.
Tudo terá sido feito dentro do horário de serviço no IRN, com o
conhecimento e autorização de António Figueiredo.
Por este serviço, a Lusomerap faturou à Merap Consulting, a sua casa-mãe, cerca de 600 mil euros em Março de 2014. Mais tarde, em fevereiro de 2014, a Merap terá pago cerca de 84 mil euros à Formallize por uma aplicação informática de contabilidade.
Os arguidos acidentais
Há dois arguidos acidentais no processo dos Vistos Gold. Um
chama-se Fernando Pereira, é bancário na Caixa Agrícola Mútuo de Tábua
(distrito de Coimbra), primo de António Figueiredo, e foi acusado do
crime de branqueamento de capitais por alegadamente ter ajudado o
ex-presidente do IRN a ocultar a origem do dinheiro proveniente das
atividades alegadamente ilícitas. Além de ter disponibilizado
uma conta sua para Figueiredo depositar dinheiro, Pereira terá ainda
recebido dinheiro vivo do seu primo para depositar na conta que aquele e
a sua mulher tinham aberto na sua agência bancária.
Já João Salgado, administrador da Coimbra Editoral, também aparece
envolvido neste caso por intermédio de António Figueiredo. Responsável
pela composição gráfica e edição do livro “Código de Registo Civil
Anotado e Legislação Complementar”, em que um dos autores é Eliseu
Bumba, Salgado cobrou cerca de 10 mil euros à Lusomerap pelo trabalho. Contudo,
terá combinado previamente pagar uma comissão do serviço a António
Figueiredo (que lhe tinha proporcionado o contrato) e ao seu braço
direito Abílio Silva.
O caricato, segundo a descrição feita pelos procuradores do DCIAP no despacho de acusação, é que João Salgado terá pedido ajuda a António Figueiredo sobre a forma como deveria entre o dinheiro da comissão.
O ex-presidente do IRN disponibilizou-se prontamente a dar-lhe dicas,
tendo Salgado, de acordo com o DCIAP, entregue no final de 2013 um
envelope com 1.000 euros em dinheiro dentro de um livro. António
Figueiredo e Abílio Silva, contudo, não terão ficado satisfeitos com o
valor.
* Um excelente trabalho do jornalista LUÍS ROSA.
Leia esta notícia quantas vezes forem precisas mas assimile-a e entenda como a corrupção funciona em pessoas acima de qualquer suspeita.
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