HOJE NO
"i"
Afinal quem controla as escutas telefónicas em Portugal?
Cabe-lhes desviar as chamadas para as salas da PJ. Mas nem a ANACOM nem a Comissão de Protecção de Dados fiscalizam esse processo
Esqueça a ideia de que a Polícia Judiciária (PJ) carrega num botão ou
num REC e começa a ouvir as suas conversas telefónicas. O processo para
chegar a uma escuta telefónica – legal, sublinhe-se – é muito mais
burocrático e menos instantâneo: as polícias têm de ter fortes suspeitas
do seu envolvimento num crime, o Ministério Público tem de concordar
que ter o seu número sob escuta será útil à investigação e o juiz, por
fim, terá de aprovar. Só mediante um despacho judicial um determinado
número pode começar a ser escutado.
Cabe à operadora telefónica fazer o
desvio de todas as chamadas feitas por aquele número para as salas da PJ
onde uns computadores gravarão a conversa no sistema (o sistema é
triangular, como se fosse uma conferência a três). Na PJ há normas
internas que restringem o acesso dos funcionários à sala onde são
ouvidas as chamadas. Mas como funciona do lado da operadora telefónica?
Basta carregar num botão? O funcionário da operadora pode, também ele,
ouvir as conversações? O seu acesso ao sistema fica registado? E quem
fiscaliza e controla que é tudo feito consoante a lei e não há números a
serem escutados sem ordem de um juiz? Ninguém sabe as respostas.
O i
colocou estas questões às operadoras telefónicas mas não obteve
reacções até ao fecho da edição. A ANACOM (Autoridade Nacional de
Comunicações), entidade reguladora das comunicações postais e
electrónicas, adiantou que esta matéria não faz parte das suas
competências. E a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) também
adianta não ter qualquer intervenção nestes processos. Ana Roque, vogal
da CNPD, explicou ao i que quando estão em causa “direitos, liberdades e
garantias, estes passam a ser tutelados por um juiz”. Mas fontes
judiciais ouvidas pelo i garantem nunca ter ouvido falar de inspecções
dos juízes às instalações das operadoras móveis.
De tempos a tempos, o
tema das escutas regressa. Ou porque um ex-Procurador-Geral da
República se lembra de dizer numa entrevista que de vez em quando ouve
uns barulhos esquisitos no seu telemóvel, ou porque os advogados acusam
as polícias e o Ministério Público de investigarem sentados à
secretária, ou porque outras figuras do mundo judiciário questionam se
não estaremos perante uma escutomania (devido a um alegado excesso de
escutas). Já em 2003, José Miguel Júdice, então bastonário da Ordem dos
Advogados, defendeu num Congresso da Justiça que, de forma a evitar os
excessos, deveria ser criada uma entidade, como por exemplo uma
“Comissão de Controlo das Escutas Telefónicas”, presidida por um juiz do
Supremo Tribunal de Justiça, a quem competiria definir as regras,
fiscalizar o sistema de escutas e monitorizar o seu funcionamento. Essa
Comissão nunca foi criada e ninguém sabe ao certo quem fiscaliza.
Um
despacho assinado pelo director da PJ, em 2010, definiu um conjunto de
regras precisas para a execução do controlo das comunicações. A
intenção, explicava Almeida Rodrigues, era introduzir alterações de modo
“a garantir um reforço da segurança no acesso e no uso do sistema de
escutas, bem como nos processos de gravação e de audição dos suportes
técnicos das conversações ou comunicações”.
O documento explica em
detalhe como é feito o acesso ao sistema de intercepções (apesar de
outros órgãos de polícia criminal poderem ordenar escutas, só a PJ
dispõe de salas onde as conversas podem ser ouvidas): só é permitido o
acesso a pessoas autorizadas que entram na sala com um cartão magnético e
a quem é atribuído um username e uma palavra-passe, pessoais e
intransmissíveis.
O i não conseguiu saber se nas operadoras telefónicas
também existe um código de conduta semelhante. Ana Roque, vogal da CNPD,
diz “não fazer sentido que as conversas possam também ser ouvidas por
funcionários das operadoras, já que não é essa a ideia de uma escuta
legal, que deve ficar exclusivamente no campo da justiça”. Mas confessa
que esse é um campo desconhecido mesmo para quem trabalha diariamente na
protecção de dados pessoais. “Quem nos garante que tal como aconteceu
com um funcionário da Optimus no processo de Silva Carvalho, um
trabalhador de uma operadora ao mesmo tempo que desvia as chamadas de um
número, conforme foi pedido por um juiz, não desvia outras para outro
lado que não a PJ?”, questiona fonte judicial que pediu o anonimato. Até
à data, a CNPD nunca recebeu qualquer queixa relacionada com a matéria.
“E se nunca houver nenhuma queixa em relação a essa atitude, estou
certa de que nunca irá ser detectada”, adianta Ana Roque.
* Os senhores muito sérios das instituições muito dignas a sacudirem como podem a água do caspote, estamos feitos ao bife com estes democratas.
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