03/06/2024

ELISABETE FRADE/SHENHUA

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Desabafos de uma cuidadora

 
De acordo com um ditado japonês “o que deves ao teu pai é maior do que a montanha e o que deves à tua mãe é mais profundo que o oceano”. 

O relógio não pára e eventualmente temos de encarar o facto que os nossos pais não são “super-humanos” mas meros humanos e adjacentemente, mortais. Irão envelhecer e nada nos prepara para vermos o seu corpo sucumbir à idade, as doenças inerentes à velhice a apoderarem-se e muitas vezes, a sua mente a perder a batalha. Quem cuidou de nós, aquele porto seguro, que tantas vezes levamos como garantido, precisa agora de nós. Os papéis invertem-se e, todas as tarefas e acções por eles praticadas durante a nossa infância são repetidas por nós, na sua velhice.

Muitos acabam em lares, por diversos motivos; outros não têm a quem recorrer e vivem sozinhos, lidando com as suas debilidades na sua solidão. Para outros, os filhos assumem a tarefa de cuidador e todos os desafios que acarreta.

Para mim, cuidar da minha mãe, devolver um pouco do tanto que me deu, não é apenas algo natural e expectável, mas sim uma honra. Há pessoas que são insubstituíveis e os nossos pais estão nesta categoria.

Ser cuidador requer colocar a nossa vida em segundo plano, lidar com situações para as quais não estamos preparados, ser humilde para reconhecer que não temos todas as respostas e adaptar as nossas acções a uma nova realidade, aprendendo durante o processo.

É um caminho um pouco solitário, com tantas emoções díspares misturadas, mas cuidar da pessoa que cuidou de mim, dar-lhe a mão nesta fase de necessidade como ela me deu a mim, apesar de todos os desafios, é absolutamente uma benção.

A parte psicológica é pesada, não só porque somos impotentes para apaziguar as dores que sentem ou a tristeza por não serem o que eram. Tantas vezes se tem-se como um estorvo e embora lhe digamos que não o são, os seus olhos enchem-se de lágrimas.

O facto de sabermos que o relógio não pára e eventualmente chegará o dia em que tudo mudará, deixa um nó na garganta e sabermos que provavelmente seremos nós a constatar tal facto, deixa-nos petrificados. Quantas vezes vamos, tal como eles fizeram connosco, ao seu quarto para ver se estão bem, se estão a respirar?

A sua perda causará um vazio que nunca poderá ser preenchido. Há momentos em que, por meros segundos, o meu pai ainda cá está mas a realidade rapidamente toma posse e recordo-me que já partiu.  É algo que ainda acontece, mesmo anos depois.

Portanto, para todos que ainda têm os vossos pais, liguem-lhes, visitem-nos, criem memórias com eles. Na sua velhice os nossos pais precisam de nós, de serem relembrados do seu valor e de sentirem que são importantes. E cabe-nos agora a nós sermos o seu porto seguro.

* Nasceu em Évora em 1981 e desde então passou por Arraiolos, Mem-Martins, Coimbra, Lisboa e Viseu.

Tirou um curso profissional de Turismo, um curso de Inglês para Empresas e uma Licenciatura em Relações Internacionais, especializando-se em Estudos Europeus, estagiando na Câmara do Comércio da Itália.

Morou quase uma década na Holanda, trabalhando numa empresa internacional organizadora de conferências para empresas e, mais tarde, na área da tradução para empresas internacionais e privados, tendo ido viver para a Escócia.

Regressou a Portugal e desde então é a cuidadora informal da sua mãe idosa.

IN "INTERIOR DO AVESSO"- 30/05/24.

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