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Face à crise de habitação que Portugal atravessa, à semelhança da generalidade dos países europeus (e não só), e de modo a evitar a adoção de quaisquer medidas de regulação favoráveis aos direitos de cidadania, a nossa direita política, e muitos dos agentes do setor, tem procurado defender a tese de que o problema é apenas de "falta de casas", bastando, portanto, construir mais. O que leva, em termos de propostas concretas, à defesa de medidas como a redução de impostos, a agilização dos processos de licenciamento e o aumento dos apoios fiscais à promoção privada.
Assim, quando confrontados com os efeitos das novas procuras especulativas na subida dos preços da habitação, indissociáveis da "transformação das casas num negócio", como assinalou Sam Tsemberis (criador do modelo Housing First) em entrevista recente ao Diário de Notícias, a direita política e agentes do setor imobiliário e do turismo procuram desvalorizar esses fatores, alegando, de forma sistemática, que os mesmos têm um peso residual. Isto é, que não é nestas novas procuras, associadas ao investimento estrangeiro e ao aumento do Alojamento Local, a par da procura de imóveis na lógica especulativa, que deve ser encontrada a razão de ser da atual crise de habitação.
O problema é, desde logo, que a tese simplista da mera "falta de casas" não colhe. De facto, tanto em Portugal como na generalidade dos países europeus, o número de famílias e de alojamentos pouco se alterou na última década, tendo o Índice de Preços da Habitação disparado e afastado do nível de rendimentos médios das famílias, que estagnaram. De facto, enquanto em Portugal o número de alojamentos e de famílias aumentou apenas 1,8% e 2,6%, entre 2011 e 2021, os preços da habitação registaram uma variação de 99,6% no mesmo período. E na Europa a evolução é idêntica: o número de alojamentos e de famílias aumentou 4,1% e 2,5%, tendo o Índice de Preços da Habitação registado uma variação mais expressiva, em torno dos 27%.
O segundo problema da tese da "falta de casas", a que se recorre para desvalorizar as novas procuras, de natureza especulativa, que encaram a habitação como um simples "ativo financeiro", é que não atende à incidência territorial cumulativa dos investimentos imobiliários em questão. Isto é, apresenta o peso relativo do Alojamento Local e dos investimentos imobiliários no seu todo, como se a sua incidência fosse homogénea no território. O que está longe de ser assim.
De facto, como ilustram os mapas, a título exemplificativo, verifica-se uma concentração do investimento imobiliário estrangeiro (aferido aqui através dos dados da procura de crédito à habitação por não residentes), em que se destacam os distritos de Lisboa, Faro, Porto e Setúbal. Do mesmo modo, é também nestas regiões que se concentra a oferta total de Alojamento Local (78% da qual localizada nas NUT que correspondem às áreas metropolitanas e no Algarve). E, por último, quando analisamos a intensidade do número de transações de imóveis, que reflete o dinamismo do mercado de compra e venda nos últimos anos, que inclui as operações de natureza especulativa, é também nestas regiões que encontramos os valores mais expressivos.
Estamos a falar, portanto, de novas procuras de habitação que se instalaram na última década, e em particular a partir de 2013, momento em que os preços da habitação iniciam a vertigem de subida e começam a "descolar" dos rendimentos das famílias. Novas procuras que surgem de forma quase simultânea e com uma incidência territorial cumulativa muito clara, contribuindo para explicar que seja nas áreas metropolitanas e no Algarve que os preços mais sobem (sem que, também aqui, a evolução do número de famílias e de alojamentos explique essa subida). Novas procuras que, por último, tendem a puxar para cima os valores médios de venda e de arrendamento.
Também na habitação, o liberalismo é o problema e não a solução.
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