16/07/2023

LUÍS OSÓRIO

 .



A baixinha e desajeitada
Bárbara Tinoco

1.
Quero falar-te de uma menina especial.

Não a conheço, tem a idade do meu filho mais velho, julgo que três meses mais nova.

Uma menina que cresceu sem passar necessidades, apesar de em sua casa não existir nada que pudesse sobrar.

Uma família sólida e religiosa - o pai tinha uma loja de instrumentos e a mãe levava trabalho para casa, contas e IRS dos outros, um trabalho na contabilidade que a obrigava a ter os pés na terra e a afastar os sonhos irrealistas da sua vida e da vida das três filhas.

2.
Quero falar-te de uma menina que tem hoje 24 anos e é uma pop-star.

Não passou fome, não viveu tragédias irremediáveis, mas nela há qualquer coisa de mágico, um conjunto de paradoxos que a tornam especial, talvez única

Uma insegurança segura.

Uma leveza que é mais pesada do que parece.

Uma proximidade com o mundo e os outros, misturada com a estranheza de si própria.

Uma jovem adulta que ameaça não crescer, mas quando a vemos com os seus pais, maduros de tantas batalhas, é ela que predomina, é a força do sonho que esmaga a segurança e o medo que os pais têm da falha, da queda, do desequilíbrio.

3.
Ela é desequilíbrio.

As suas letras são também sobre a falha, sobre o erro, sobre a queda.

Os seus espetáculos, como este último num Campo Pequeno esgotado, são leveza e profundidade.

São fogo de artifício, teatro e megalomania, mas também partilha, medo e estranheza.

Bárbara Tinoco é tudo isso.

Uma força moldada por um destino que quis que eu e tu a conhecêssemos.

A partir de uma derrota, lembras-te?

Os quatro mentores do The Voice não viraram as cadeiras, mas deixaram-na cantar uma canção sua. E o país cantou aquela canção nos meses a seguir.

4.
A Bárbara é simpática.

Gosta de gostar.
Preocupa-se genuinamente.
Ri, tem sentido de humor, é uma miúda fascinada com a luz.

Mas há nela qualquer coisa que a distingue.

Uma tristeza, um tumulto qualquer, uma responsabilidade que a amedronta quando pensa para dentro.

Há nela qualquer coisa que apenas existe nos que sofrem.
Nos artistas verdadeiros.

Ela pode dizer que ama, ela pode gostar quando gosta, mas dentro de si há um mundo que não está ao alcance, um jardim de sombras que se vê refletido nos seus olhos.

Não te sei explicar melhor, aposto que é assim.

Mas sei que gosto desta miúda que foi péssima aluna.

A miúda que não gosta de praia, que não foi habituada em casa a dizer "amo-te" quando amava, mas que parece saber tudo sobre o que se passa no nosso silêncio.

Agora que vira todas as cadeiras, sinto-me vingado.

Porque a Bárbara...

... baixinha, desajeitada e tímida provou o quanto esta viagem só depende do que carregamos dentro, verdadeiramente o que nos dá corda.

* Jornalista

IN "TSF" 14/07/23.

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