01/04/2022

.



2943.UNIÃO


EUROPEIA

PORTUGAL
CÂMARA DE S. JOÃO DA MADEIRA
COMPORTAMENTO VERGONHOSO
Condenada em segunda instância  
 por assédio moral a funcionária, a pagar
20 mil euros de indemnização 
Investigação SÁBADO

Helena Cruz foi maltratada, colocada numa sala sem telefone e com um computador que não funcionava. Durante 10 anos foi vítima de discriminação e agora foi indemnizada.

De mãos dadas, a um canto da sala de jantar, Helena Cruz e António Santos reveem o filme das suas vidas. “Estou a gravar! Dezasseis anos!”, ouve-se no vídeo caseiro, filmado há seis anos por António. Na imagem, Sofia e Joana, as filhas gémeas do casal sopram as velas do bolo de aniversário. António sorri, Helena, emocionada, não disfarça o facto de pouco ou quase nada se lembrar daquele dia tão especial. “Sinto que houve um apagão desse período, porque me falam nisso e eu não me lembro! A minha memória ficou muito fragilizada”, desabafa com a SÁBADO.

Dez anos da vida de Helena estão transformados numa página em branco. “Devido à medicação que continua a tomar, a minha mulher não pôde acompanhar o crescimento das filhas. Ainda hoje sofre de uma profunda depressão que a obriga a acompanhamento psiquiátrico. O que eles fizeram foi para matar”, diz António Santos, referindo-se àquele que é o processo mais longo sobre assédio moral na história da justiça portuguesa. Ao fim de 10 anos, a Câmara Municipal de São João da Madeira foi condenada por assédio moral à ex-diretora da Biblioteca Municipal, que foi obrigada a reformar-se por invalidez aos 55 anos.

Helena Cruz estava há sete anos à frente da Biblioteca. À época, tinha os pré-requisitos para concorrer ao lugar de chefe de divisão, mas o cargo já estaria destinado a Susana Menezes, atualmente diretora regional de Cultura da Zona Centro. “Era quase um segredo, ninguém falava da existência dessa vaga porque ela já estava destinada”, diz Helena Cruz. E assim foi: Susana Menezes foi colocada como chefe de divisão de Cultura.

A partir de 2009, Helena passou a ter que reportar diretamente à nova responsável. “Os primeiros sinais de assédio moral começaram com o esvaziamento total de funções, atribuindo-lhe tarefas como sugestão e catalogação de livros. Depois, a doutora Susana começou a reunir com as técnicas que eram subordinadas da Helena, ignorando-a sempre que se deslocava à biblioteca. A Helena começou a chegar a casa deprimida e infeliz, rapidamente percebi que estava ali um incêndio que era preciso combater”, diz António Santos à SÁBADO.

Era apenas o início daquilo que viriam a ser 10 longos anos de tormento. “Fui colocada num gabinete que servia de armazém, com caixotes por todo o lado. Não podia falar com ninguém e as funcionárias estavam proibidas de falar comigo. Tiraram-me o telefone, o computador não funcionava, estava ali sozinha entre quatro paredes. Era o vazio”, recorda Helena Cruz. As palavras custam a sair, as pausas e o silêncio entre frases não precisam de ser explicadas. Sente-se um nó na garganta, o ambiente é pesado. São ainda as consequências de tudo o que lhe fizeram: “Cheguei a duvidar das minhas capacidades, sentia-me inútil, tiraram-me a dignidade. Roubaram-me tudo.”

Discussões humilhantes
Uma reunião realizada a 10 de maio de 2010, na qual estiveram presentes Susana Menezes, Helena Cruz e Teresa Azevedo, até essa altura subordinada da antiga diretora da Biblioteca Municipal e que viria a substitui-la no cargo, confirma isso mesmo. Os áudios desse encontro, a que a SÁBADO teve acesso, mostram o tom de humilhação a que Helena Cruz esteve sujeita:

Susana Menezes: Estou-te a dizer que vais ter que atualizar aqueles livros, pegar naqueles livros, pegar na lista de abate e atualizá-los.

Helena Cruz: A minha função como técnica superior não é para fazer isto. Não é para fazer isto! Isso até um estagiário faz!

Susana Menezes: Eu não vou sequer discutir contigo os motivos pelos quais o Presidente da Câmara [Castro Almeida] me encarregou um determinado registo de trabalho que a ti te diz respeito. E também não te vou permitir agora que estejas a questionar seja o que for.

Nesse mesmo dia foi comunicado a Helena Cruz que tinha deixado de ser diretora da Biblioteca

Susana Menezes: É assim, tu não és mais coordenadora da Biblioteca.

Helena Cruz: Eu entrei por concurso para uma função como técnica superior, portanto…

Susana Menezes: Portanto… Portanto? Conclui. Faz lá a tua ameaça.

Helena Cruz: Não é ameaça, é o que está escrito na lei.

Susana Menezes: Helena, tu deixaste, por vários motivos, de ser coordenadora da biblioteca. Esta é a situação com mais dignidade que podes ter neste momento.

No lugar de Helena Cruz, Susana Menezes colocou uma assistente técnica, a coordenar um serviço e a dar instruções a uma técnica superiora, até então sua diretora e coordenadora.

Susana Menezes: Dizer-te que a coordenação da Biblioteca está com a Teresa Azevedo. Cabe a ela fazer a distribuição do serviço por todas as funcionárias e também por ti.

Helena começou a definhar e a entrar num processo depressivo do qual nunca mais conseguiu sair. “Houve momentos em que a Helena quis evadir-se da realidade, é como se estivesse num campo de batalha das 9h da manhã até às 5h da tarde. A minha mulher foi torturada, foi torturada! Começou a tomar medicação muito forte e foi uma bola de neve”, diz António Santos, visivelmente perturbado ao relembrar um dos períodos mais difíceis para toda a família.

Questionada pela SÁBADO, Susana Menezes rejeita todas as acusações de assédio moral e justifica assim a saída de Helena Cruz do cargo. “Foi mencionado superiormente que deveria ser dada especial atenção à Biblioteca Municipal, cuja ausência de liderança havia conduzido a instituição a uma quase ‘letargia’. Devo esclarecer que assim que tomei posse, as próprias funcionárias, por sua iniciativa, começaram a pedir-me reuniões sem a presença da então diretora, sendo relatados factos de gravidade assinalável, imputados diretamente à diretora da instituição. (…) Tentei em todas as circunstâncias dar o benefício da dúvida à funcionária. (…) Em raríssimos casos, consegui que a diretora se reunisse comigo para falar desses assuntos. (…) Faltava no dia da reunião alegando indisposição súbita ou alegando assuntos pessoais. A partir de determinada altura a funcionária começou a apresentar um contínuo de atestados médicos, impedindo-me de qualquer contacto ou tentativa de solução.”

Cúmplices por omissão
Naquela altura, Helena tinha 45 anos, as filhas 7. “Sinto que perdi 10 anos de vida com elas, 10 anos fundamentais no seu crescimento”, desabafa Helena Cruz entre lágrimas que não consegue conter. Ao folhear um dos álbuns de fotografias que tem em cima da mesa, apercebe-se mais uma vez que há períodos dos quais não tem qualquer lembrança. “É uma coisa assim enevoada”, diz.

Durante 10 anos, três presidentes de câmara terão sido cúmplices de um crime que nunca denunciaram publicamente. Manuel Castro Almeida, secretário de Estado no Governo de Pedro Passos Coelho, vice-presidente do PSD, esteve durante três mandatos à frente da câmara de São João da Madeira, o último dos quais a coincidir com o início do inferno em que se transformou a vida de Helena Cruz. Seguiu-se Ricardo Figueiredo, à frente da autarquia durante quatro anos. “Há muitos comportamentos por omissão que fazem tanto ou mais mal que os comportamentos por ação”, diz o marido de Helena Cruz, que lembra ainda o facto de o atual presidente do município, Jorge Sequeira, nunca ter promovido um processo disciplinar contra Susana Menezes, de forma a apurar responsabilidades, numa altura em que tinha acabado de sair uma lei de prevenção das práticas de assédio.

Um silêncio ensurdecedor que atravessou vários executivos, vereadores de todos os partidos, como foi o caso do atual ministro Pedro Nuno Santos, à época vereador pelo partido socialista na Câmara de São João da Madeira, que se recusou a falar sobre o assunto. “Cheguei a telefonar-lhe a denunciar a situação, mas nada fez e por isso considero-o também culpado por omissão”, refere António Santos. O mesmo aconteceu com Carlos Zorrinho, nessa altura presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que foi outra das personalidades a quem Helena pediu ajuda, entregando-lhe uma carta em mãos. De nada serviu. “Não me recordo de ter recebido o referido envelope nem nenhum outro documento. Em consequência também não me recordo de ter desencadeado qualquer ação”, refere Carlos Zorrinho depois de confrontado pela SÁBADO.

Para António Santos este é um caso em que falhou tudo: “Há uma condenação de assédio moral, mas o município é uma entidade abstrata. As pessoas que promoveram esses comportamentos têm de ser punidas. Mas eu tenho uma notícia para todas essas pessoas que nos destruíram a vida: iremos lutar até às últimas consequências, se for preciso iremos até ao Tribunal Europeu, porque não podemos andar a apagar 10 anos da vida das pessoas assim, sem haver responsáveis.” Para Helena, ainda é difícil falar sobre tudo isto: “Matar alguém não é só matar com uma pistola, e o que eu senti foi isso.” Com as cortinas da sala corridas durante grande parte do dia, Helena ainda tem dificuldade em sair à rua e retomar a sua vida. “Parece que não consigo ir para além da folha em branco, mas tenho esperança de um dia começar a escrever essa folha”, diz. Depois sorri e olha fixamente para mim: “Talvez um dia…”

O que diz a autarquia?
Castro Almeida acusa Helena de resistir à “fixação de tarefas”
Confrontado pela SÁBADO, Manuel Castro Almeida refere: “A Autarquia entendeu colocar Helena Cruz na dependência direta da nova Chefe de Divisão de Cultura, Suzana Menezes, pessoa de elevado perfil técnico e de gestão. Nessa ocasião foi pedido à nova Chefe de Divisão que estancasse o lento declínio da Biblioteca Municipal. Helena Cruz não se conformou com a circunstância de passar a reportar à nova Chefe de Divisão de Cultura, resistindo sistematicamente à fixação de tarefas e objetivos pela sua nova chefia.” Ricardo Figueiredo diz, por sua vez, que durante os seus mandatos Helena Cruz sempre foi tratada com carinho e respeito, recusando qualquer tipo de acusação sobre este caso.

Indemnização
À SÁBADO, o actual presidente da câmara de São João da Madeira diz que “não teve intervenção nos factos que deram origem ao processo judicial”, garantindo que o município acatará a decisão judicial e procederá ao pagamento da indemnização fixada pelos tribunais.

Autarquia condenada
O Tribunal considerou que a autarquia agiu com dolo. “Da prova assente e disponível, não é claro que a conduta do Município possa singelamente ser qualificada meramente como ‘negligente’, pois que o seu comportamento raia a conduta dolosa”, diz o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte. Em causa estão comportamentos considerados pelo Tribunal como humilhantes e vexatórios.


IN "SÁBADO"





NR: A Santa Inquisição teria feito melhor pois seria queimada viva. Sabemos que há uma Directora Regional de Cultura da Zona Centro que segundo o Tribunal da Relação foi conivente em comportamentos humilhantes e vexatórios enquanto funcionária do município.
Será que o novo ministro da Cultura a vai manter no lugar, é que a senhora não se ensaia nada para novas atitudes humilhantes e vexatórias qualquer que seja o lugar que ocupe na Administração Pública! .

Sem comentários: