.
Atentado à falta de pudor
Esta semana, houve duas notícias populares em termos de visualizações na internet. São elas: "PJ evita atentado na Universidade de Lisboa" e "Concorrentes chocados com brincadeira insólita de Bruno de Carvalho".
Se calhar, começava pela mais grave, na medida em que não só foi planeada como foi concretizada. Parece que o ex-presidente do Sporting, residente na casa mais vigiada do país, deu um peido na cara do seu colega Mário Jardel. Aconselho a procurarem esse momento porque vale muito a pena o seu visionamento. Alerto-vos, no entanto, que o peido não emitiu som, perdendo assim alguma magia televisiva. Eu não percebo muito de direito internacional, mas sinto que isto pode ser considerado um ataque com recurso a armas químicas.
A outra é sobre um jovem, oriundo da freguesia da Lapa Furada que, segundo a acusação, planeava um ataque durante um exame, na faculdade onde estudava. A situação é grave pelas razões óbvias, mas também nos deu alguns momentos curiosos, nomeadamente com as horas de televisão, recheadas de comentadores que não sabem o que é um servidor ou o que é um login, a falar sobre este tema. Eu confesso que também só tive um computador bastante tarde e além de ter vergonha de aceder ao hotmail, porque achava que era um site pornográfico, quando aderi à primeira rede social, quando me pediam para escrever o meu nick, eu escrevia Carter. Porque pensava que era para escrever o meu "back street boy" favorito. Portanto, não estou aqui com superioridade intelectual, mas a verdade é que se na altura me tivessem pedido para ir falar durante vinte minutos ao telejornal sobre tecnologia, é provável que dissesse que não.
Quando, na quinta-feira, vi a notícia da tentativa de atentado, fiz imediatamente aquilo que todos deveríamos fazer: respirar fundo, manter a calma e ir à caixa de comentários de jornais online. Como eu, muita gente fez o mesmo, não enquanto voyeurs, mas como comentadores especialistas em serviços secretos e geopolítica.
O país ainda não sabia a identidade do suspeito quando me deparei com comentários em maiúsculas do género "CONTINUEM A DEIXÁ-LOS ENTRAR" e um "FORAM AVISADOS PARA NÃO IMPORTAREM PESSOAS DE CERTOS PAÍSES". Ou seja, as pessoas, quando ouviram a palavra terrorista, concluíram rapidamente que a religião do indivíduo seria islâmica e que seria um refugiado. Infelizmente para estes comentadores, nenhuma destas certezas se comprovou. Mas comprovou-se o preconceito. Não imagino a desilusão profunda que sentiram quando perceberam que se tratava de um estudante de informática de um dos concelhos mais antigos do país e que é filho não de imigrantes, mas de emigrantes em França. Quando se constatou este facto, as atenções viraram-se para o suspeito menos óbvio: "Governo socialista é o caos!". Ah, ah! A culpa é do nosso Executivo. O primeiro-ministro e as suas políticas, que levam as pessoas a só ter poder de compra para um par de bilhas de gás e umas bestas, para cometer crimes como se estivessem no século XVI. Por outro lado, houve quem reprovasse a ação. Talvez não pelas razões que estão a pensar: "A mania de copiar o que se vê no estrangeiro". Lá está. Para além de ser indiciado por terrorismo, devia ser acusado por roubo de propriedade intelectual. Mas as caixas de comentários não foram só caixas de reclamações, também foram de sugestões: "Se fosse ao Parlamento, isso é que seria de valor". Eu não sei se passar horas a jogar computador torna as pessoas mais violentas, mas começo a achar que passar horas a escrever em caixas de comentários, sim.
* Humorista (grande, dizemos nós)
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 13/02/22.
Sem comentários:
Enviar um comentário