14/08/2020

CARLOS SANTISO

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As Mulheres de e-Portugal

Portugal não é o primeiro país que vem à mente quando falamos de centros de tecnologia na Europa, mas nos últimos anos o país deu passos firmes em direção ao mundo "digital", posicionando-se como um destino atraente para startups de tecnologia orientadas por dados que procuram incentivos fiscais e um pouco de sol. Desde 2016, Lisboa recebe o Web Summit, uma das maiores conferências de tecnologia do mundo, e o Norte de Portugal está entre as regiões mais inovadoras da Europa, com o vale tecnológico do Porto em franca ascensão.

O crescimento impressionante e o dinamismo da indústria de tecnologia foram estimulados por importantes reformas no ambiente habilitador para a economia digital, impulsionadas por sucessivos governos a partir da crise financeira que atingiu o país há uma década. Desde então, o governo tem sofrido muita pressão para promover mudanças substanciais em seus modelos de gestão e sistemas de prestação de serviços a fim de aumentar sua capacidade de criar valor público.

Esse progresso notável é resultado de investimentos contínuos na modernização digital da administração pública para tornar os serviços públicos a cidadãos e a empresas mais ágeis e abertos por meio de iniciativas inovadoras. De acordo com o índice de governo eletrónico das Nações Unidas, divulgado em julho, Portugal está no grupo dos países mais avançados digitalmente, ocupando o 35º lugar, um avanço em relação à posição 39 da década passada. Esse índice mede a maturidade dos serviços digitais governamentais, a qualidade da infraestrutura digital e o desenvolvimento de habilidades digitais na sociedade. Em 2019, Portugal aderiu ao Digital 9, grupo dos principais governos digitais do mundo, que inclui a Estónia, a Coreia do Sul e o Canadá.

Três características principais se destacam na jornada digital de Portugal: simplifique, ofereça diretrizes de cima para baixo, ecoloque as mulheres no comando. Um impulso central das reformas digitais de Portugal tem sido os esforços obstinados para tornar a burocracia mais ágil e os serviços mais integrados, colocando os cidadãos no centro, aprimorando procedimentos, diminuindo a burocracia e reduzindo a carga regulatória. O país aumentou a quantidade dos serviços digitais online por meio de um portal unificado como ponto de entrada único e, ao mesmo tempo, expandiu os centros de serviços integrados pessoalmente na chamada "Loja de Cidadão". As reformas implementadas estão simplificando o governo para facilitar o acesso aos serviços públicos, modernizando tanto o "back-office" como o "front-office" das administrações públicas.

A simplificação está no centro da estratégia digital, digitalizando os serviços e repensando-os com foco nas necessidades dos usuários e não na burocracia, enfatizando a facilidade de acesso e uso dos serviços digitais e reorganizando os órgãos públicos em torno dos eventos da vida das pessoas. Não é surpresa portanto que o primeiro dos quatro objetivos da nova estratégia de modernização do Estado para o período 2020-2023 seja "investir em pessoas". Não é surpresa que o primeiro dos quatro objetivos estratégicos da nova estratégia de modernização do Estado para o período 2020-2023 seja investir nas pessoas.

A Simplex tem sido a principal iniciativa do governo para envolver usuários e funcionários públicos na identificação de ineficiências solução de gargalos burocráticos. Em 15 de julho, o primeiro-ministro António Costa lançou a rodada 2020-21 do Simplex, com 158 medidas de simplificação. Ao longo de seus 14 anos de existência, a Simplex implementou mais de 1500 melhorias no design e fornecimento de serviços. Algumas medidas emblemáticas incluem o cartão de cidadão, a iniciativa de licenciamento zero, o espaço empresa e o registo de empresas na hora. Essas iniciativas são particularmente desafiadoras, pois dependem da colaboração de toda uma gama de entidades públicas trabalhando juntas para um objetivo comum. No caso do cartão de cidadão, ela envolvia cerca de 14 entidades sob a supervisão de cinco ministros diferentes.


Mais fundamentalmente, o Simplex criou uma cultura de simplificação e inovação no setor público português. Ele mudou a cultura da burocracia, retribuindo o significado original aos serviços públicos e colocando as pessoas no centro. Isso significa agilizar e simplificar procedimentos, reduzir a burocracia, tornar os serviços centrados no usuário, integrá-los ao quotidiano e quebrar os silos entre diferentes entidades públicas. Como resultado, a confiança no governo cresceu com o aumento da confiabilidade e usabilidade dos serviços digitais, com 52% da população satisfeita com os serviços públicos, superando a média da OCDE, de 45%. A crise da Covid-19 acelerou a necessidade de "desmaterializar" os serviços públicos.

Uma segunda característica fundamental das reformas portuguesas tem sido a forte vontade política por trás disso e o esforço de oferecer diretrizes e orientações a partir dos níveis mais estratégicos de governo ao longo do tempo nas últimas duas décadas. A agenda digital foi liderada desde o centro do governo, a partir do escritório do primeiro-ministro, sob a autoridade de um ministro do gabinete para promover reformas críticas e muitas vezes controversas entre as agências governamentais que tendem a proteger seus poderes e agir em silos. Mais do que qualquer outra reforma estrutural, a transformação digital requer uma colaboração mais profunda entre os órgãos públicos para integrar a ação do governo.

Essa direção oferecida a partir do topo foi apoiada pela implementação de uma agência autónoma, criada em 2007, e se manteve ao longo do tempo e através das diferentes gestões. Isso proporcionou uma destacada continuidade da política pública. Na esteira da crise financeira de uma década atrás, a necessidade de racionalizar os gastos do governo e reduzir sua massa salarial conduzia o país a reformas para facilitar a realização de negócios. Os reformadores agora estão dando mais ênfase à melhoria da qualidade dos serviços públicos para melhorar a qualidade de vida das pessoas.

A terceira e talvez mais fascinante característica da jornada de Portugal em direção ao progresso digital, é o papel de destaque que as mulheres desempenharam em seu desenho e condução. Esta é provavelmente uma das razões da empatia que permeia a filosofia digital de Portugal e sua missão primordial de aproximar o governo das pessoas. Isso também explica por que Portugal fez rápido progresso na transformação digital de seus tribunais, especialmente em questões de justiça civil e comercial, reconhecida como modelo pela OCDE. As mulheres estão ocupando posições-chave na arquitetura da agenda digital do atual governo. As três posições principais que impulsionam a agenda digital são de mulheres: Alexandra Leitão, ministra da modernização do Estado, sua secretária de Estado de inovação e modernização administrativa, Fátima Fonseca, e a membro do conselho diretivo da agência digital, Sara Carrasqueiro. O ministério da Justiça também é liderado por mulheres, com Francisca Van Dunem, ministra, e sua secretária de Estado, Anabela Pedroso.

Isso não é uma coincidência, mas uma tendência. A trajetória de Anabela Pedroso é particularmente reveladora. Ela é creditada por ter trazido a revolução digital para o setor da justiça desde 2015, quando se tornou secretária de Estado da Justiça. Ela já havia sido a primeira chefe da agência digital recém-criada e uma força motriz por trás de iniciativas emblemáticas, como centros de serviços integrados, carteira de identidade digital e plataforma de interoperabilidade do governo. O principal objetivo da iniciativa Justiça+próxima é torná-la mais simples e inteligente, mais próxima das pessoas, concebendo a justiça como um serviço.

As mulheres também estavam no comando em momentos críticos. Por exemplo, a agenda digital foi impulsionada pela "dupla digital" que promoveu reformas administrativas entre 2015 e 2018, com Maria Manuel Leitão Marques como Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, e Graça Fonseca, como Secretária de Estado, cargo que Leitão Marques ocupou entre 2007 e 2011. Ela também foi responsável pela agenda de cidadania e igualdade de género do governo, incorporando essas prioridades na agenda digital. Segundo ela: "entendi que o digital era uma ferramenta crucial para executar minha tarefa de uma maneira verdadeiramente transformadora. Desde o início, vi que uma mera digitalização de serviços públicos não era suficiente. Às vezes pode até ser pior. Havia o risco de criar burocracia eletrónica. Se queremos serviços públicos mais próximos, mais rápidos e mais baratos, mais eficientes e mais eficazes, precisamos primeiro redesenhá-los .... Digital não é apenas código, computadores ou robótica. O digital é uma ferramenta a ser usada para melhorar a qualidade de vida de todos".

O papel de liderança das mulheres na transformação digital de Portugal deu continuidade às reformas subjacentes a seu propósito e filosofia, evitando oscilações radicais de objetivos e abordagens. Enquanto as mulheres representam uma grande parcela dos empregos públicos e posições de liderança, "o estigma de que as mulheres não estão interessadas em disciplinas de ciências, tecnologia, engenharia e matemáticas(STEMs) está profundamente arraigado em nossa sociedade", avalia Leitão Marques. Agora, como membro do parlamento europeu, ela também está "trabalhando na luta para evitar o viés de género na inteligência artificial, devido à sub-representação das mulheres nos conjuntos de dados e também na promoção da coleta de dados segregados por género, a fim de informar melhor as políticas públicas, como a digital". As mulheres têm moldado e conduzido reformas digitais em Portugal. É isso que torna as reformas digitais em Portugal tão únicas.

* Director de Inovação Digital do Estado na CAF - Banco Latino-Americano de Desenvolvimento

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
10/'8/20
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