O futuro da Europa: existe um
caminho político à esquerda?
No decorrer dos últimos anos, mas sobretudo durante as últimas
semanas, várias têm sido as interrogações que se têm levantado
relativamente quanto à situação dos partidos socialistas e
sociais-democratas na Europa. Esta não tão inocente preocupação, que se
estende a uma interrogação legítima sobre a relevância eleitoral da
esquerda por todo o continente, tem sido levantada muito frequentemente
por comentadores, analistas ou meios de comunicação ligados à direita
nacional ou europeia. Tal como no passado, na repetição incessante de
uma narrativa, cria-se a ideia de decadência da esquerda e dos partidos
socialistas na Europa. Olhando para alguns destes resultados mais
recentes, o cenário político pode, até, apontar para vários países onde
os partidos tradicionais de centro esquerda enfrentam um momento de
distanciamento do eleitorado. Mas, até que ponto é que este será o
panorama generalizado na Europa? Indo mais fundo nesta questão, até que
ponto é que esta decadência não é transversal às estruturas partidárias
tradicionais de forma transversal? Ou, ainda, até que ponto é que os
partidos de centro direita e direita se mantêm, ainda, fiéis aos seus
princípios ideológicos identitários?
Olhando para o panorama político atual, na Europa a 28 – pelo menos
por mais dois anos – facilmente remetemos à Grécia e ao Pasok a primeira
forte crise de um partido socialista europeu. Voltando, mais tarde, às
causas deste fenómeno, facilmente se identifica a crise seguinte em
Espanha, com a incapacidade do PSOE em alcançar um resultado que lhe
permitisse formar Governo. Seguiu-se a Itália pós-referendo, com a
demissão de Renzi do Governo e do Partido Democrático, que levou à saída
de vários dos seus membros. Mais recentemente, os resultados do Partido
Trabalhista holandês, que obteve apenas 5,7% dos votos, e do Partido
Socialista francês, que se quedou nuns desapontantes 6,5%, e as
estimativas eleitorais apontadas ao Partido Trabalhista do Reino Unido,
voltam a evidenciar uma crise nos partidos socialistas europeus. A estes
casos juntam-se a situação da Hungria e da Polónia, em que a esquerda
se encontra bastante afastada das preferências dos eleitores dos dois
países. No entanto, para se ter um cenário mais alargado da prevalência
de Governos socialistas e sociais-democratas no Conselho Europeu,
importa referir que, neste momento, a relação existente é de 9 para o
EPP, 7 para o S&D, 6 para o ALDE e 1 para GUE e ECR, com governos de
esquerda em Portugal, Itália, Suécia, Malta, Roménia, Eslováquia,
Republica Checa e Grécia. A estes governos, juntam-se os estados onde
partidos socialistas se encontram coligados no Governo, como é o caso da
Áustria ou da Estónia.
O primeiro ponto que parece saltar à vista sobre o comportamento dos
partidos socialistas na Europa remonta, ainda, à década de 90 e início
de 2000, com a introdução da Terceira Via na visão política destes
partidos. Esta procura de adequação ideológica da esquerda à ascensão do
neoliberalismo na Europa e a sua apropriação ideológica dos partidos de
centro direita, de matriz democrata-cristã. Deste movimento neoliberal,
que teve o seu apogeu nos anos 80 e início dos anos 90, resultou uma
divisão ideológica à direita que conduziu estes partidos a abraçarem
esta nova visão económica e política e que, mais tarde, daria lugar à
entrada em cena, ou afirmação eleitoral, de partidos abertamente
liberais. Assim, no confronto político, os partidos socialistas,
abraçando a Terceira Via, provocaram um desvio identitário ideológico
que resultou, posteriormente, num afastamento do seu eleitorado
tradicional e o triunfo dos partidos de direita e centro direita. Numa
avaliação global, a penalização eleitoral sofrida por estes partidos tem
sido particularmente forte nos tempos que correm, tendo estes
verificado drásticas quedas eleitorais.
Num segundo grupo, encontram-se alguns partidos que se mantiveram e
mantêm, até certa medida, fechados numa visão imune ao que é o mundo
globalizado. Este fechamento implica, em múltiplas ocasiões, um
comportamento isolacionista, de não cooperação ou capacidade de
compromisso e que tende a adotar uma postura antiglobalização. Esta
visão mais radicalizada dentro da esquerda tem, em certos aspetos,
efeitos nefastos e, até, contraditórios com o espírito internacionalista
do socialismo e da social democracia. Ao rejeitar a transformação
ocorrida e o contexto atual, revela-se incapaz de conquistar o
eleitorado pela consequente desadequação das propostas que apresenta.
O terceiro ponto é externo aos partidos socialistas e sociais
democratas europeus. A transformação ideológica não ocorreu, durante as
últimas décadas, apenas nos tradicionais partidos de esquerda; ela
ocorreu, igualmente, no espectro ideológico da direita. Os tradicionais
partidos de centro direita, de matriz democrata-cristã, foram invadidos
por duas correntes e movimentos que transfiguraram de forma profunda as
suas configurações matriciais. Por um lado, estes partidos foram
invadidos pelas correntes neoliberais, que puseram em causa o acordo
comum entre centro-esquerda e centro-direita na manutenção e defesa dum
modelo de Estado-social. Por outro, as correntes populistas e
neofascistas europeias, ao ganharem um espaço cada vez maior no panorama
político europeu, arrastaram, lentamente, os partidos de centro-direita
a integrar e adotar no seu discurso algumas das ideias provenientes dos
partidos de extrema-direita. Isto significou que, em grande parte, o
discurso populista e de ódio que tem invadido a retórica política tem
causado tremendas dificuldades a ambos os partidos de centro-esquerda e
centro-direita, levando a uma necessária readequação das narrativas a
utilizar de ambos os lados. Caberá, sobretudo, aos partidos de
centro-direita encontrar o ponto de equilíbrio entre o que consideram
ser as suas linhas identitárias e aquilo que estão dispostos a adotar
dos partidos do seu extremo, que os têm vindo a ameaçar eleitoralmente
um pouco por (quase) toda a Europa.
Adicionalmente, igualmente como ameaça transversal a ambos os
partidos, pairam os movimentos “antissistema”, “anti partidários” e
“anti ideológicos”, que podem igualmente ser considerados como
apartidários ou “aideológicos”. A França e os EUA são, para já, os casos
mais paradigmáticos deste exemplo, em que candidatos aparentemente – e
SÓ aparentemente antissistema – ganharam expressão eleitoral suficiente
para porem em causa a predominância dos partidos mais tradicionais. Com
um discurso fortemente demagógico, e com uma clara e propositada
retórica ideológica ambígua, estes movimentos assentam, contudo, na
prossecução de uma política de inclinação claramente neoliberal, que
parecem perpetuar o sistema contra o qual se pretendem apresentar.
O último ponto é aquele que poderá indicar um caminho para a atual
esquerda europeia. A atual solução governativa em Portugal adveio de um
contexto muito particular, que permitiu juntar as forças da esquerda num
acordo parlamentar que se baseou sobre a necessidade de rejeitar um
caminho que seria o de continuação de políticas de austeridade. Mas,
este acordo não é simplesmente um de rejeição; é, sobretudo, um de
construção de uma alternativa e de um modelo de sociedade radicalmente
diferente daquele que vinha a ser seguido na governação anterior. Na
atual configuração governamental, o Partido Socialista tem tido a
capacidade de aplicar o seu programa, liderando o processo
transformativo que se propôs a levar a cabo. Mas, este processo é o
resultado de uma contínua necessidade de negociação e convergência com
os partidos à sua esquerda. A importância de Bloco de Esquerda e CDU
neste processo é a de garantir que as aspirações e expectativas de cerca
de um milhão de eleitores são cumpridas, provocando alterações
necessárias às propostas do partido do Governo. Esta solução tem sido
conduzida com os resultados positivos que se conhecem e parecem ser a
prova de que a própria matriz dos partidos sociais democratas permite
uma transformação efetiva e positiva da sociedade e da economia de um
determinado país. No fundo, o caminho percorrido tem sido o de
compreender com grande perspicácia o contexto e a realidade em que nos
inserimos, respeitando a visão europeísta que sempre orientou o PS
português, mas procurando transformá-la e reformá-la de forma a melhorar
a qualidade de vida das pessoas.
Atendendo, naturalmente, às diferenças conhecidas nos diversos
países, pode ser este o ponto em que reside a chave para um eventual
caminho a seguir pelos partidos europeus de esquerda. Ao criarem as
condições para entendimentos e processos de convergência no que é,
efetivamente, comum, estes partidos aumentam a sua capacidade de
transformação a nível nacional, mas também contribuem para uma
transformação do atual modelo neoliberal europeu. Como resultado, estes
partidos vêm esta aposta traduzida numa maior expressão eleitoral e
confiança dos eleitores, revelando-se capazes de capitalizar a ampla
expressão política de esquerda, não excluindo nenhum grupo à partida. É
ao trabalharem de forma ativa na reforma do sistema existente, para o
melhorar e para criar condições de maior igualdade e justiça sociais,
que estes partidos podem encontrar a capacidade de, por um lado,
manterem a lealdade aos seus princípios e, por outro, cumprirem aquele
que é o seu desígnio, a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
* Presidente da YES–Young European Socialists
IN "GERINGONÇA"
16/05/17
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