O Rui Tavares
perdeu a virgindade
Gostei do artigo do Rui Tavares no Público: "Portugal, hoje, é a
ditadura do mesmo: os mesmos debates, os mesmos círculos, as mesmas
opiniões e os mesmos partidos, fazendo as coisas sempre da mesma
maneira, e coreografando as mesmas controvérsias com as mesmas palavras e
o mesmo vazio de significado." E conclui que vivemos numa
"mesmocracia".
Apenas corrigiria a referência ao hoje. Dá-me
ideia que Portugal sempre foi assim: mais do mesmo. Portugal é um país
onde a convenção reina e onde a inovação, o risco e a criatividade
estão, há muito, na clandestinidade.
"Imbecilidade é fazer as
mesmas coisas repetidamente e esperar resultados diferentes" é uma
citação famosa atribuída a Einstein – que na verdade disse insanidade em
vez de imbecilidade, mas eu dei-me a liberdade de traduzir assim.
Usando
esta definição operativa de imbecilidade, eu direi que Portugal é um
país com uma quantidade anormal de imbecis. Não sei se tem mais ou menos
imbecis que a média, mas desconfio que, entre as suas elites, estará
acima da média europeia. Parece-me mesmo que, para se chegar à elite, é
precisa uma razoável dose de imbecilidade, ou seja, de pensamento
convencional, de saber fazer o que sempre se fez, de falar como sempre
se falou, de pensar o que sempre se pensou.
Quando falo em elites
não me refiro apenas àquelas em que é fácil malhar nos jornais e nas
redes sociais: os empresários e os "capitalistas". Claro que nessas
elites há imbecis com fartura, embora no mundo empresarial haja uma
selecção natural que impede a permanência no topo das empresas de
grandessíssimos imbecis. Mas os imbecis, os que fazem o mesmo e esperam
resultados diferentes, estão em todo o lado.
Estão nas direcções
dos jornais e televisões, por exemplo. Oh se estão. Basta ver as dezenas
de programas em simultâneo com um moderador e três gajos a falar de
futebol; todos a fazer o mesmo à espera de resultados diferentes.
Imbecilidade, lá está.
A cultura, por exemplo, está cheia de
imbecis muito eruditos: gente que sabe tudo o que se fez e por isso
insiste em fazer, premiar e aplaudir o que se faz como sempre se fez.
Para se ser escritor ou artista não é preciso fazer nada de novo. Basta
ter o pensamento do costume, a opinião do costume, a cor do costume, os
amigos do costume e fazer qualquer coisa que seja parecida com a coisa
do costume.
E estão no povo que, desde há 40 anos, alternadamente vota PS e PSD e espera resultados diferentes.
Mas
voltando ao RT e ao seu comentário. O RT foi vítima do sistema onde tem
vivido e perdeu a virgindade. O RT está frustrado porque o sistema
político/mediático ignorou o debate dos candidatos à presidência da
comissão europeia. Está frustrado porque o seu assunto, as europeias,
não interessa a ninguém nem aos media que ele, e o seu novo partido,
precisa para existir. O RT está frustrado porque, não existindo o seu
assunto nos media, ele e o seu partido também não existem.
Mas não
estará ele e o Livre a fazer o mesmo de sempre? Não é o Livre apenas
mais do mesmo? Não estará o RT com raiva de um sistema que faz sempre o
mesmo, porque esperava o mesmo tratamento que afinal não tem?
Estas perguntas são genuínas e não afirmações retoricamente mascaradas com um ponto de interrogação.
É
que a mim, que sou, talvez, um pouco mais atento que a média, ainda não
me chegou o Livre. Ou melhor, não me chegou do Livre nada de diferente.
Talvez porque os seus gestos e propostas sejam o mesmo de sempre.
Talvez porque falem para os mesmos de sempre. Ou talvez porque a sua
maneira de comunicar seja a mesma de sempre: convencional e imbecil – no
sentido einsteiniano, claro.
Publicitário, psicossociólogo e autor
IN "DINHEIRO VIVO"
02/05/14
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