31/03/2013

DAVID POGUE

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A revenda de 
livros electrónicos 
e o problema do cêntimo

Perguntas e respostas sobre livros electrónicos em segunda mão.

SIM, POR FAVOR… A Amazon e a Apple querem um mundo novo em que se possam revender livros electrónicos usados. Façam figas! http://t.co/MwJFO2p6Yd
— David Pogue (@Pogue) 8 Mar 13

Para minha surpresa, os meus seguidores ficaram mais preocupados do que radiantes. As perguntas que fizeram foram mais ou menos nesta linha:
@Pogue : E quanto à gestão de direitos digitais? Quem é o dono dos conteúdos?
— William Shaw (@williamshaw09) 8 Mar 13

(No artigo no Times, Scott Turow, presidente da Authors Guild, põe a questão de outra maneira: “Quem iria querer ser o palerma que compra o livro por 100% do preço quando, uma semana depois, toda a gente o pode comprar por um cêntimo?”)

Bem, como é evidente, nenhum plano para revender e-books funcionará se os livros não estiverem protegidos contra cópia. Revender um livro electrónico só resultaria se apenas existisse um exemplar, como acontece com um livro em papel: se o vendermos, ficamos sem ele.
Mas as propostas da Amazon e da Apple resolvem o problema, garantindo que só uma pessoa pode ter um determinado exemplar de um livro electrónico de cada vez.
@Pogue Os autores recebem uma parte do valor da transacção?
— Steve (@StevePietrowicz) 8 Mar 13

Já sabe como as coisas funcionam no mundo dos livros em papel. Os editores e os autores recebem dinheiro pela primeira venda do livro; depois disso, o dono do livro pode vendê-lo a outras pessoas.
Veja, sou autor de 50 livros. Gostaria imenso de receber algum pelas vendas em segunda mão, mas nunca recebi, e o mundo não acabou por causa disso.
@Pogue Como é que isso pode funcionar? Como se distingue um livro electrónico usado de um novo? Erros de dados?
— out of phase (@moarliek) 8 Mar 13

Curioso. Este utilizador do Twitter pensa que, a cada novo proprietário, o livro electrónico fica um bocadinho mais usado, tal como os livros impressos. Muito engraçado. O freguês que se segue…?
Outra pessoa expressou a mesma preocupação, mas por palavras diferentes.
@Pogue Ao contrário de bens físicos como os livros, os produtos digitais usados são tão imaculados como os novos. Porque é que alguém quereria comprar um exemplar novo?
— Todd Heberlein (@toddheberlein) 8 Mar 13

Este comentário fez-me finalmente parar para pensar.
Vejamos. O Bob compra um livro electrónico na Amazon por dez dólares. Depois de o ler, vende-o a outra pessoa por oito. Após mais duas ou três transacções, o preço do livro electrónico já desceu para um dólar. Mas a experiência de leitura é tão original e límpida como a primeira.
Neste mundo, poderíamos comprar um livro electrónico por um euro ou menos se estivéssemos dispostos a esperar o tempo suficiente. No caso dos best-sellers, nem sequer seria preciso esperar muito.
Acontece que a degradação material não é apenas um efeito secundário da revenda de livros – é essencial. É o que garante que o preço de revenda corresponde ao valor decrescente do produto. Se todos os exemplares forem perfeitos, toda esta lógica vai por água abaixo. Com a venda ilimitada de livro electrónico, o preço de todos os livros acabaria por cair para um cêntimo.
Não acredito que a Apple e a Amazon sejam assim tão ingénuas. Certamente que equacionaram esta situação catastrófica. E decidi ler as patentes.
É muito difícil para alguém que não é advogado decifrar patentes. (Uma formulação típica, na patente da Apple: “O armazenamento de dados-limite que indiquem que o item de conteúdo digital está associado à quantidade de utilização especificada e que um segundo item de conteúdo digital que é diferente do item de conteúdo digital está associado a uma segunda quantidade de utilização especificada que é diferente da quantidade de utilização especificada.”)
Tanto a patente da Apple como a da Amazon são extremamente abrangentes e proporcionam ao editor e à livraria um extenso controlo sobre o que pode acontecer – incluindo, possivelmente, determinarem que recebem uma parte do valor de cada revenda.
Mas e o problema do cêntimo? Estas patentes também conferem ao editor ou à livraria o direito de impor um preço mínimo para a revenda de um livro electrónico. Esse limite pode baixar com o tempo, como a patente da Apple deixa bem claro: “Como mais um exemplo, todos os filmes digitais têm de ser vendidos por um mínimo de dez dólares até seis meses depois da respectiva data de compra original. Após esse período de seis meses, todos os filmes digitais têm de ser vendidos por cinco dólares, no mínimo.”
Ambas as propostas sugerem que os editores também poderão limitar o número de vezes que um item digital pode ser revendido: “Um limite pode restringir o número de vezes que um objecto digital usado pode ser movido permissivelmente para outro armazém de dados personalizado, quantas transferências (se for o caso) podem ocorrer antes de a transferência ser restrita, etc.”, diz a patente da Amazon. “Tais limites contribuem para manter a escassez de objectos digitais no mercado.”
É claramente demasiado cedo para que alguém entre em pânico. Sistemas como este demoram muito tempo a discutir e desenvolver. Os editores terão a última palavra e haverá tantas variações e alterações que o sistema acabará por nem remotamente se parecer com um alfarrabista. A maior preocupação não é que os autores tenham de mudar de ramo, mas que as livrarias de e-books usados que dele resultem sejam tão complexas e fiquem tão sobrecarregadas com restrições que vão à ruína antes mesmo de abrir.
Espero que as quatro partes – autores, editores, livrarias e consumidores – mostrem ter boa vontade, amor pela leitura e níveis mínimos de ganância e paranóia.

IN "PÚBLICO"
28/03/13

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