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IN "PÚBLICO"
28/03/13
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A revenda de
livros electrónicos
e o problema do cêntimo
Perguntas e respostas sobre livros electrónicos em segunda mão.
SIM, POR FAVOR… A Amazon e a Apple querem um mundo novo em que se possam revender livros electrónicos usados. Façam figas! http://t.co/MwJFO2p6Yd
— David Pogue (@Pogue) 8 Mar 13
Para
minha surpresa, os meus seguidores ficaram mais preocupados do que
radiantes. As perguntas que fizeram foram mais ou menos nesta linha:
@Pogue : E quanto à gestão de direitos digitais? Quem é o dono dos conteúdos?
— William Shaw (@williamshaw09) 8 Mar 13
(No artigo no Times,
Scott Turow, presidente da Authors Guild, põe a questão de outra
maneira: “Quem iria querer ser o palerma que compra o livro por 100% do
preço quando, uma semana depois, toda a gente o pode comprar por um
cêntimo?”)
Bem, como é evidente, nenhum plano para revender e-books
funcionará se os livros não estiverem protegidos contra cópia. Revender
um livro electrónico só resultaria se apenas existisse um exemplar,
como acontece com um livro em papel: se o vendermos, ficamos sem ele.
Mas
as propostas da Amazon e da Apple resolvem o problema, garantindo que
só uma pessoa pode ter um determinado exemplar de um livro electrónico
de cada vez.
@Pogue Os autores recebem uma parte do valor da transacção?
— Steve (@StevePietrowicz) 8 Mar 13
Já
sabe como as coisas funcionam no mundo dos livros em papel. Os editores
e os autores recebem dinheiro pela primeira venda do livro; depois
disso, o dono do livro pode vendê-lo a outras pessoas.
Veja, sou
autor de 50 livros. Gostaria imenso de receber algum pelas vendas em
segunda mão, mas nunca recebi, e o mundo não acabou por causa disso.
@Pogue Como é que isso pode funcionar? Como se distingue um livro electrónico usado de um novo? Erros de dados?
— out of phase (@moarliek) 8 Mar 13
Curioso.
Este utilizador do Twitter pensa que, a cada novo proprietário, o livro
electrónico fica um bocadinho mais usado, tal como os livros impressos.
Muito engraçado. O freguês que se segue…?
Outra pessoa expressou a mesma preocupação, mas por palavras diferentes.
@Pogue
Ao contrário de bens físicos como os livros, os produtos digitais
usados são tão imaculados como os novos. Porque é que alguém quereria
comprar um exemplar novo?
— Todd Heberlein (@toddheberlein) 8 Mar 13
Este comentário fez-me finalmente parar para pensar.
Vejamos.
O Bob compra um livro electrónico na Amazon por dez dólares. Depois de o
ler, vende-o a outra pessoa por oito. Após mais duas ou três
transacções, o preço do livro electrónico já desceu para um dólar. Mas a
experiência de leitura é tão original e límpida como a primeira.
Neste
mundo, poderíamos comprar um livro electrónico por um euro ou menos se
estivéssemos dispostos a esperar o tempo suficiente. No caso dos best-sellers, nem sequer seria preciso esperar muito.
Acontece
que a degradação material não é apenas um efeito secundário da revenda
de livros – é essencial. É o que garante que o preço de revenda
corresponde ao valor decrescente do produto. Se todos os exemplares
forem perfeitos, toda esta lógica vai por água abaixo. Com a venda
ilimitada de livro electrónico, o preço de todos os livros acabaria por
cair para um cêntimo.
Não acredito que a Apple e a Amazon sejam
assim tão ingénuas. Certamente que equacionaram esta situação
catastrófica. E decidi ler as patentes.
É muito difícil para
alguém que não é advogado decifrar patentes. (Uma formulação típica, na
patente da Apple: “O armazenamento de dados-limite que indiquem que o
item de conteúdo digital está associado à quantidade de utilização
especificada e que um segundo item de conteúdo digital que é diferente
do item de conteúdo digital está associado a uma segunda quantidade de
utilização especificada que é diferente da quantidade de utilização
especificada.”)
Tanto a patente da Apple como a da Amazon são
extremamente abrangentes e proporcionam ao editor e à livraria um
extenso controlo sobre o que pode acontecer – incluindo, possivelmente,
determinarem que recebem uma parte do valor de cada revenda.
Mas e
o problema do cêntimo? Estas patentes também conferem ao editor ou à
livraria o direito de impor um preço mínimo para a revenda de um livro
electrónico. Esse limite pode baixar com o tempo, como a patente da
Apple deixa bem claro: “Como mais um exemplo, todos os filmes digitais
têm de ser vendidos por um mínimo de dez dólares até seis meses depois
da respectiva data de compra original. Após esse período de seis meses,
todos os filmes digitais têm de ser vendidos por cinco dólares, no
mínimo.”
Ambas as propostas sugerem que os editores também poderão
limitar o número de vezes que um item digital pode ser revendido: “Um
limite pode restringir o número de vezes que um objecto digital usado
pode ser movido permissivelmente para outro armazém de dados
personalizado, quantas transferências (se for o caso) podem ocorrer
antes de a transferência ser restrita, etc.”, diz a patente da Amazon.
“Tais limites contribuem para manter a escassez de objectos digitais no
mercado.”
É claramente demasiado cedo para que alguém entre em
pânico. Sistemas como este demoram muito tempo a discutir e desenvolver.
Os editores terão a última palavra e haverá tantas variações e
alterações que o sistema acabará por nem remotamente se parecer com um
alfarrabista. A maior preocupação não é que os autores tenham de mudar
de ramo, mas que as livrarias de e-books usados que dele resultem sejam tão complexas e fiquem tão sobrecarregadas com restrições que vão à ruína antes mesmo de abrir.
Espero
que as quatro partes – autores, editores, livrarias e consumidores –
mostrem ter boa vontade, amor pela leitura e níveis mínimos de ganância e
paranóia.
IN "PÚBLICO"
28/03/13
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