Hora de travar
os monopólios digitais?
Deixaria um “brinquedo”, ultrapotente e potencialmente destrutivo, à solta nas mãos de uma pessoa?
Desculpem voltar a este tema que tem sido recorrente nos
meus textos, mas é impossível ignorar o caso. O escândalo do Facebook e
da Cambridge Analytica vem, mais uma vez, enfiar-se-nos pelos olhos
adentro como ferros em brasa: já deu agora para perceber o perigo para a
democracia que representam estes gigantes tecnológicos? O assunto toca a
todos, o risco é real: Não estamos a falar “apenas” (como se fosse
pouco) de empresas como o Facebook e a Google conhecerem os nossos
hábitos, gostos, amigos e rotinas, filtrarem o que vimos nas nossas
timelines sem critérios transparentes e venderem a nossa informação
pessoal. Não estamos a falar apenas de serem únicos detentores de dados
incomensuráveis numa época em que os dados, a big data é mais preciosa
do que o ouro. Estamos a falar de milhões de pessoas a serem manipuladas
e instrumentalizadas, num gigantesco jogo de marionetas global, com
resultados que podem mudar o curso da História, como nomear um
Presidente dos Estados Unidos da América ou garantir a saída de um país
da União Europeia.
Para quem ainda não percebeu o que
se passou, a história (mais uma, mas esta é a maior crise de sempre)
conta-se em poucas palavras: uma denúncia feita por um ex-funcionário
revelou a utilização indevida dos dados pessoais de 50 milhões de
utilizadores do Facebook por uma empresa de consultoria política para
ajudar a levar Donald Trump à Casa Branca.
Zuckerberg
reagiu com a cartilha habitual: escreveu um post no Facebook a comentar o
caso, diz que vai abrir um inquérito interno e tomar medidas para que
isso não volte a acontecer, e pediu desculpa em anúncios publicados
nalguns media de referência em papel (irónico, não?). Nada, note-se, me
faz acreditar em teses conspirativas de um maquiavélico génio do mal
determinado a dominar o mundo. Zuck é só um rapaz, provavelmente
bem-intencionado, que teve uma ideia genial quando era miúdo, e que em
pouco mais de uma década se viu com um poder inimaginável nas mãos. Uma
ferramenta do bem se bem usada, mas também um perigoso utensílio com
influência planetária para populistas e ditadores.
A questão é só uma:
deixaria um “brinquedo”, ultrapotente e potencialmente destrutivo capaz
de mudar o mundo, à solta nas mãos de uma pessoa, por mais
bem-intencionada que seja?
Nesta matéria, como tantas vezes acontece em situações de
evolução tecnológica disruptiva, as leis chegam sempre mais tarde do que
os danos. É preciso apertar seriamente a regulamentação, exigir mais
transparência, mais controlo, mais rigor e passar a responsabilizar
estas empresas pelos danos que efetivamente causem com os conteúdos que
promovem e divulguem.
Mas, se calhar, começa a ser
tempo de chamar os bois pelos nomes, e, já agora, pensar em pegá-los a
sério pelos cornos: o que são o Facebook e a Google senão gigantescos
monopólios? Diz a teoria que um monopólio é uma situação económica
privilegiada, em que uma única empresa domina a oferta de um certo
produto ou serviço, garantindo-lhe lucros extraordinários e uma posição
dominante inatingível. Rockefeller e Zuckerberg são, à partida,
personagens bastante diferentes. Separa-os o setor de atividade, o modo
de fazer negócios, o estilo pessoal. Mas os dois têm algo importante em
comum: ambos, cada um a seu tempo, são detentores de uma posição única
na economia mundial – um no petróleo, outro nos serviços digitais. Em
1911, o magnata foi obrigado a desmembrar a Standard Oil Company em
diversas empresas na tentativa de reduzir o seu poderio. Em 1992, a
operadora telefónica norte-americana AT&T foi também obrigada a
dividir-se em várias empresas, numa operação considerada a mais
eficiente de sempre de aplicação das leis anti-trust nos Estados Unidos
da América. Nos últimos meses, começam a ser mais as vozes que dizem que
faz sentido olhar para o Facebook e para a Google como monopólios
naturais que devem ser regulados e tratados como “utilidades” públicas.
Na
Europa, a senhora Margrethe Vestager já começou a abrir caminho, ou
melhor, guerra a Silicon Valley. No ano passado, a Comissão Europeia
aplicou uma multa recorde de €2,42 mil milhões à Alphabet, dona da
Google, por abuso de posição dominante e práticas anticoncorrenciais.
Meses antes multou o Facebook em 110 milhões por falta de informação na
aquisição do WhatsApp. Parece certo que vai ter agora de se munir de
armamento mais pesado: é a democracia e a ordem mundial que estão em
causa
IN "VISÃO"
28/03/18
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