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IN "A BOLA"
04/04/20
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Estamos em guerra…
Pouco
sabemos ainda sobre o inimigo que nos ataca e fragiliza e mata.
Torna-se assim difícil conceber uma estratégia. A estratégia a que me
refiro poderá definir-se como a ciência e a arte de organizar os
recursos que temos, em prol de um objetivo inadiável: derrotar e, se
possível, eliminar totalmente o covid-19. No entanto, lucila uma palavra
de esperança, advinda de competente especialista: o Prof. Nuno
Monteiro, da Universidade de Yale: “É certo que ainda não sabemos tudo
sobre o inimigo – quais as taxas reais de infeção e letalidade do vírus,
qual o seu período de incubação, quais as taxas de imunidade natural,
etc. Mas sabemos o suficiente, para delinear uma estratégia. É essa a
questão essencial dos nossos dias, que deveria tomar toda a energia dos
nossos líderes”(Expresso, 2020/3/28). Um ponto a reter,
antes do mais: a vitória sobre o covid-19 só chegará, quando todos
tivermos acesso a tratamentos ou vacinas eficazes. Não sabemos quando
isto irá acontecer, mas sabemos que demorará muitos meses, mais do que
aquilo que é exequível, mantendo as fronteiras fechadas e o país em
isolamento social. O próprio primeiro-ministro, com admirável nitidez,
admite que não tem nas mãos algumas das soluções inadiáveis. Os
economistas, assentes noutro paradigma, chegam a iguais conclusões: é
difícil antecipar o mundo nascituro, pois que as incertezas são muitas e
o Estado pode pouco, já que não tem moeda própria e o Banco Central
Europeu encontra-se impedido de financiar diretamente os Governos.
Concluindo: o Governo de Portugal, para fazer o ideal, é bem possível
que tenha de contrair dívida. É verdade que o Prof. Mário Centeno
afirma, sem reticências, que “nunca o país esteve tão bem preparado”,
com margem francamente confortável. Mas, num país de parcos recursos,
como o nosso, o que se vivia como crença deverá passar a viver-se como
esperança…
Nos discursos de António Costa e de Pedro Siza
Vieira há um pensamento que emerge: o Governo está a fazer o que pode,
100% dedicado, sem olhar a sacrifícios, à erradicação dos malefícios da
pandemia. Um caloroso aplauso aos Senhores Presidente da República,
Presidente da Assembleia da República e Primeiro Ministro, os quais, num
tempo em que alguns valores culturais vão sendo trucidados, ainda
manifestam, no seu comportamento, aquele “suplemento de alma”, que
Bergson reclamava, no início da Segunda Revolução Industrial. Há uma
crise viral que, esperemos, não se transforme em grave crise económica e
social. Depois da luta contra as “causas das causas” das alterações
climáticas, a luta que se aproxima é a da sobrevivência, incluindo,
nela, aqueles valores impostergáveis, que nos definem como europeus e
portugueses. Tenho para mim (e julgo que o aprendi, em Pascal) que o ser
humano é tão naturalmente louco que não ser louco já é uma forma de
loucura. E, no que aos europeus diz respeito, a nossa desrazão não é por
falta de razão. A modernidade, na Europa, foi o tempo, por excelência,
da razão e portanto da ciência. A física, no século XVII; a química, no
século XVIII; e a biologia e a biomedicina, no século XIX – eram
elaboradas e demarcadas por critérios de verificação racionais, na forma
de instrumentos de medida. E foi óbvia a conclusão: pensar é
geometrizar, discernir é quantificar, conhecer é medir. Descartes
acompanha toda a modernidade, ao conceber uma “matemática universal”,
aplicável a toda a ordem de conhecimentos e capaz de revelar os mais
inextrincáveis segredos da natureza. Até na Filosofia: desde a “ética
geométrica” de Espinoza e o “pan-matematismo” de Leibniz. E o que era a
educação física dos egrégios mestres Ling, Jahn e Amorós senão um
“pitagorismo renovado”?
Num momento em que, com tristeza,
escutamos as declarações, próximas da “palermice” (e estou a ser
indulgente, reconheço), do capitão Jair Bolsonaro que trata a pandemia,
como se de uma “gripezinha” se tratasse e o discurso doutros políticos
responsáveis (doutros países, acentuo) lembra o argumentar da sofística,
merece francos aplausos a liderança, de tão exemplar racionalidade, do
engenheiro António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas.
“Guterres considera que o mundo está a perder a guerra contra o
coronavírus e enviou uma carta aos líderes do G20, onde defende que
seria grave que os países evoluídos eliminassem a doença, deixando que
ela se espalhasse nos países em desenvolvimento”” (Expresso,
2020/3/28). Manuel Castells dá ênfase ao seguinte: “Se a evolução da
desigualdade interna de um determinado país, ao nível da distribuição de
rendimentos, apresenta variações, o que parece ser um fenómeno global é
o avanço da pobreza e principalmente da pobreza extrema. Com efeito, a
aceleração do processo de desenvolvimento desigual e a inclusão e
exclusão simultâneas das pessoas no processo de crescimento, que
considero característico do capitalismo informacional, traduzem-se na
polarização, bem como na propagação da miséria entre um grupo cada vez
maior de pessoas”. E Manuel Castells cita depois um relatório do PNUD
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento): “Entre 1970 e 1985,
o PIB global aumentou cerca de 40%, mas o número de pobres cresceu
aproximadamente 17%. Enquanto 200 milhões de pessoas tiveram uma queda,
nos seus níveis de rendimentos, entre 1965 e 1980, o mesmo aconteceu
para mais de um bilião de pessoas, de 1980 a 1993” (O Fim do Milénio,
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2014, p, 96). E sublinha ainda o
autor a situação africana, “onde a tentativa das instituições
financeiras internacionais de tirarem a África da crise (…) demonstrou
ser um fiasco” (op. cit., p. 138).
Ocorre-me o Novalis (uma das vozes mais importantes do romantismo alemão) dos Fragmentos Logológicos;
“Aquele que genuinamente ensina é um anunciador de caminhos. / Se
aquele que aprende gosta mesmo da verdade, / Basta-lhe apenas um aceno /
Para levá-lo a encontrar o que procura”. E… perante uma quase
inevitável (oxalá eu me engane) crise económica e sanitária, de
proporções nacionais e internacionais, de que precisam, sobre o mais, os
portugueses? De um Estado forte (não disse ditatorial – disse forte)
não capaz de soluções radicais, que são as mais fáceis, mas de uma
política, de amplo consenso, que pretenda concretizar-se na órbita da
ética. A Ministra de Estado e da Presidência tranquiliza-nos a todos: “A
situação de que Portugal parte para esta crise, tanto em matéria de
dívida pública, como em matéria de défice, permite ter maior margem”, E,
cautelosa, remata: “Mas não infinita margem”.Com efeito, sem
“coronabonds”, não tenho a mínima dúvida de que a “margem” do Prof.
Mário Centeno pode pulverizar-se. Principalmente se a pandemia não for
atacada, com ciência e consciência, o mais depressa possível. Há lugar
para questionar: “Mas não é isso mesmo o que o Governo tem feito?”. O
Governo tem sido exemplar no combate à crise. O problema, inesperado
problema, é se a crise tem peso maior do que as posses do Governo.
António Saraiva, presidente da CIP, não se coíbe de a sobrevalorizar:
“Esta será a pior crise que já vivemos”. Por fim (“finis coronat opus”)
um abraço fraterno e grato a todos os profissionais da saúde que fazem
tudo (pondo mesmo em risco a sua própria vida) para que a nós
(designadamente aos idosos, como eu) nada de patológico nos aconteça.
Repito: saudemos, com um misto de ternura, de orgulho e de respeito, os
profissionais da saúde portugueses.
* Professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana e Provedor para a Ética no Desporto
IN "A BOLA"
04/04/20
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