O vício do crédito
Quem gostaria de ter um negócio? "Eu". Muito bem.
Vamos começar por identificar o negócio e fazer uma lista do que é
necessário ter. Lista feita, a pergunta que agora se impõe é: como vamos
pagar?
Quem gostaria de ter um negócio? "Eu". Muito bem. Vamos começar por
identificar o negócio e fazer uma lista do que é necessário ter. Lista
feita, a pergunta que agora se impõe é: como vamos pagar?
Experimente fazer este pequeno exercício com amigos que nunca
tivessem tido um negócio. Ou com os seus alunos, se for professor em
graus que não sejam gestão ou economia.
Há dois ou três anos a resposta era invariavelmente e sem
hesitação: "Peço um empréstimo ao banco". Mas de todo o dinheiro de que
vai precisar? Claro.
Parecia não se perceber que o dinheiro custaria dinheiro, que
iria comer a margem do negócio, para não dizer que o que se ganhava na
operação nem chegaria para satisfazer os juros. Uma visão da realidade
que, exagerando e simplificando, se aproximava daquela visão das
crianças bem bebés que pensam que a caixa Multibanco é simplesmente a
parede para tirar dinheiro.
Actualmente a resposta já não é tão candidamente focada no banco,
já se pensa que será preciso ter algum dinheiro próprio para se lançar
um negócio ou fala-se de um abstracto investidor. A razão desta mudança
está mais relacionada com os efeitos violentos da crise da dívida, e de
tanto se falar dela, do que propriamente numa alteração da oferta de
crédito - quer seja por incentivo do próprio Governo como da iniciativa
do próprio banco.
Os perfis de oferta de microcrédito que o Negócios revela na sua
edição do Investidor Privado desta segunda-feira, dia 30 de Dezembro, é
um exemplo da imutabilidade da filosofia de negócio da banca. Tal como
as lamentações que se vão ouvindo de alguns ditos empresários sobre a
falta de crédito. Quer do lado da procura como do lado da oferta de
financiamento, a preferência por mais endividamento e menos capital
próprio mantém-se. Uma alteração na inclinação das curvas de preferência
que se foi reforçando a partir dos anos 80.
Os gestores financeiros sabem que não há "o valor óptimo de
endividamento". A relação entre dívida e capital próprio depende, por
exemplo, do negócio - se se está num sector em crescimento a empresa
pode ter mais dívida - como depende da margem - quanto maior for, menos
riscos corre a companhia de ficar incapaz de fazer o seu serviço da
dívida na fase negativa do ciclo. Mas foram muito poucas as empresas
portuguesas - como os próprios bancos - que aplicaram estes princípios
básicos, na sua combinação entre dívida e capital. E parte da violenta
restrição financeira que nos lançou para a crise está relacionada com o
elevado endividamento das empresas portuguesas - a banca internacional
não quer emprestar a quem tem dívidas, que são frequentemente seis a
sete vezes a margem.
O crédito pode acelerar o crescimento de uma empresa como de um
país. Mas pode, também, como o demonstra a crise que temos vivido,
condenar a empresa a fazer uma violenta dieta apenas para pagar dívidas.
E se os países não morrem assim, os negócios, sujeitos a dietas
violentas, em geral não se aguentam.
O microcrédito pode ser uma excelente ideia. Mas, como todas as
boas ideias, rapidamente se transforma em maus resultados quando usada
sem respeitar os princípios mais básicos de uma boa gestão. O sonho do
Nobel da Paz, Mohammad Yunus, que inventou o conceito do microcrédito e
do banco para os pobres, também se transformou num pesadelo.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
30/12/13
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