14/01/2017

SANDRA MAXIMIANO

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Afirmar o Jornalismo (científico)

“Afirmar o jornalismo” é o mote do 4º Congresso dos Jornalistas que está a decorrer depois de um hiato de quase vinte anos. Afirmar o jornalismo não é tarefa fácil, sobretudo quando isso implica separar o jornalismo do entretenimento, a informação do espetáculo, a seriedade do sensacionalismo.

É certo que ser jornalista hoje é diferente do que era há vinte anos. A Internet, as redes socias e os dispositivos móveis são novas plataformas que permitem a produção e disseminação de conteúdos de uma forma mais instantânea mas também mais efémera. A informação circula a grande velocidade, é atualizada constantemente e é partilhada e transformada pelo público através dos seus comentários e opiniões. O jornalismo é hoje mais participativo. Não basta ter leitores, ouvintes, audiência. Há que fazer com que estes partilhem o que leem, o que ouvem, o que vêm. Os contratos publicitários, tão importantes para a sobrevivência dos meios de comunicação social, e dos jornais em particular, regem-se hoje também por estes novos parâmetros.

Desta forma, o jornalismo confronta-se com duas premissas muitas vezes opostas. Por um lado, a de afirmar a sua missão de sempre, a de interpretar, de informar e servir a sociedade, os leitores, os ouvintes, os telespetadores e os anunciantes. Por outro lado, a de influenciar a opinião pública, atrair mais “clientes” e contratos publicitários. Assim, tenta-se cada vez mais agradar o público, entretendo-o, dando-lhe matérias que lhe agradem e apresentando a informação de forma o mais apelativa possível. E quando a competição é grande, seja entre empresas de comunicação social, que pretendem manter-se de forma economicamente viável no mercado, ou entre jornalistas que visam defender os seus postos de trabalho, a tentação de usar ferramentas que delapidam a seriedade e a principal missão do jornalismo, é grande. Divulgam-se as notícias com meias verdades, com algumas mentiras, deturpam-se as estatísticas, selecionam-se a dedo as imagens, os sorrisos e os choros.

Os “marketers” há muito que reconhecem que as emoções vendem e que os media para sobreviverem têm que jogar este jogo, ou seja, driblar entre a informação séria e credível e o espetáculo. Os jornalistas e repórteres não apresentam somente factos irrefutáveis sobre o mundo que nos rodeia mas antes proporcionam-nos uma representação do que desejam que o público apreenda. O jornalismo consegue assim servir múltiplos propósitos, desde informar, entreter, fomentar debates e gerar uma certa opinião pública. Mais do que meramente comunicar a realidade, os jornalistas e repórteres conseguem criar outras realidades. Cada vez mais, esperamos de um jornalista a habilidade de um “showman” que consegue influenciar a sociedade mais pela emoção do que pela razão.

Ao mesmo tempo que observamos uma crescente espetacularização do jornalismo, observamos também um crescente interesse em publicar e divulgar informação científica nos media, o que por si só é bastante positivo. Contudo, estes dois fenómenos em conjunto criam problemas e desafios.

A verdade científica é diferente da verdade dos media
A verdade científica é relativa, está dependente de descobertas que são alvo de constante revisão e refutação. Muitas das novas teorias e descobertas conseguem ser validadas por dados e aplicações práticas, mas outras apenas abrem caminho para nova investigação. Existe um grande grau de incerteza, ou, por outras palavras, verdades que são probabilísticas. Mas como incertezas não dão grandes títulos os jornalistas tendem a transformar a verdade científica numa verdade absoluta. Deste modo, em vez de ajudar o público em geral a compreender os resultados científicos, cria-se uma nova realidade. Mais, a investigação científica que se sucede a uma dada descoberta, onde se retificam resultados e se refutam outros, raramente recebe a atenção dos media. Assim sendo, a informação errada que o público eventualmente recebe é raramente corrigida.

A crescente cobertura pelos media de descobertas científicas, médicas, tecnológicas aconteceu em paralelo com o crescente interesse do público por estes assuntos, sobretudo relacionados com a saúde. A constante divulgação de notícias com determinadas descobertas, por exemplo genéticas – “foi descoberto o gene do alcoolismo” ou “já se conhece o gene do autismo” –, cria no público falsas expectativas sobre a existência de cura para determinadas doenças, assim como pode influenciar a produção de conhecimento científico, nomeadamente a atribuição de mais fundos públicos para a investigação que tenha maior popularidade.

A competição por espaço e tempo nos media
O jornalismo científico compete por espaço e tempo com outras notícias. Para ganhar esta competição, é tentador ceder ao sensacionalismo, escolhendo divulgar determinados artigo científicos e apresentando dados e descobertas por forma a gerar no público semelhantes emoções quanto as causadas por notícias sobre catástrofes naturais, dramas familiares, ou crimes.

Por razões de sobrevivência, os meios de comunicação social têm poucos incentivos para alterar a forma como a informação é transmitida, nomeadamente a informação científica. E a verdade seja dita, muitos cientistas preferem que os seus estudos tenham alguma divulgação mediática, mesmo que sensacionalista. Mas, apesar de difícil, não é impossível estabelecer parâmetros de maior veracidade e qualidade no jornalismo científico, por exemplo através de comités científicos nos meios de comunicação social onde seja possível estabelecer relações de maior proximidade entre jornalistas e cientistas. No entanto, enquanto leitor, controle as emoções quando ler, por exemplo, que o chocolate cura o cancro ou que existe uma nova bactéria que pode matar em poucos dias.

* A AUTORA
Sou economista mas raramente escrevo sobre a dívida e o défice, conduzo antes experiências para analisar o comportamento dos agentes económicos. Tenho raízes no ISEG, onde me licenciei em Economia e fiz um mestrado. Fui Assistente na Universidade Católica de Lisboa. Tirei o doutoramento em Economia na Universidade de Amesterdão e, em 2007 rumo à Universidade de Chicago para um pós-doutoramento. Desde 2009, sou professora Assistente na Universidade de Purdue. Escrevi para o Diário de Notícias entre 2006-2007, saltei depois para a opinião do Negócios e desde 2015 que assino &conomia à Sexta, no Expresso. Escrever opinião é um modo de analisar de fora o que se passa cá dentro.


IN "EXPRESSO"
13/01/17

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