30/06/2014

VITOR BENTO

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Divagações de longo prazo

Habituados à lufa-lufa do imediato, apenas circunscrito pelo ontem e o amanhã, descuramos muitas vezes a interessante informação de um olhar de longo prazo.
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Como, por exemplo, o facto de o nível de emprego produtivo na economia portuguesa em 2013 ser praticamente idêntico ao que se verificava em 1960. É claro que isto se deve sobretudo às consequências da presente crise, que entre 2008 e 2013 destruiu 620 mil empregos. Mas, mesmo descontando a crise, a economia portuguesa nunca criou muitos empregos: entre 1960 e 2008, o emprego cresceu 15%, enquanto em Espanha cresceu 66% e na zona euro original (Euro 12) cresceu 37%. Por isso, o contributo directo e quantitativo do factor trabalho para o crescimento económico foi pouco significativo (explica cerca de 1/20 do crescimento entre 1960 e 2008; 1/6 em Espanha e 1/8 em Euro 12).

O investimento (acumulado em stock de capital) deu um contributo mais significativo: explica cerca de 1/3 do crescimento acumulado no período (um pouco mais de 40% em Espanha). No entanto, o ‘stock' de capital por trabalhador da economia continua muito abaixo, quer da média europeia, quer de Espanha, e pouco progrediu em termos relativos denotando, portando, um investimento insuficiente para as necessidades de convergência qualitativa da economia.

Desta forma, e talvez surpreendentemente, o principal factor por detrás do crescimento da economia portuguesa no último pouco mais de meio século foi a produtividade total de factores, com um contributo de quase 60% para esse crescimento (40% em Espanha e 50% em Euro 12). Isto não é contraditório com o facto - várias vezes reiterado - de que a nossa produtividade é muito inferior à média europeia. Em valor absoluto, a nossa produtividade é significativamente mais baixa, mas, durante este período, cresceu mais do que os outros aqui usados como comparação.

Outro facto interessante que ressalta da informação supra é que a convergência económica de Portugal neste período - PIB per capita cresceu mais do que a média europeia (3.4% vs 2.5%, em média anual) - baseou-se mais em eficiência (contributo da produtividade) do que em esforço (trabalho e capital), numa proporção de 60/40. Contrariamente a Espanha, por exemplo, onde a proporção é inversa.

Mas isto é um período muito longo. À medida que o encurtamos (a partir do presente) verificamos que as coisas têm piorado e que, nomeadamente desde 1999, divergimos em termos económicos (PIBpc cresceu 5%, contra 12.5% em Euro 12, ou 12.8% em Espanha), o emprego reduziu-se 8% (cresceu 15% em Espanha e 10% em Euro 12) e o investimento foi medíocre. Salva-se, apesar de tudo, a produtividade total dos factores que, embora não tenha conseguido superar a média europeia, cresceu mais do triplo da espanhola, apesar da desastrosa eficiência do investimento verificada nesse período.

Uma das áreas, porém, mais preocupantes é a da poupança, que ao longo deste mais de meio século e como traduz a reiterada acumulação de défices externo foi sempre insuficiente para financiar o investimento (também ele insuficiente, como já referi). Como os défices anuais têm efeitos cumulativos - traduzidos, nomeadamente em dívidas acumuladas ou em cedência da propriedade de activos -, uma tão grande duração deste fenómeno não pode deixar de ter resultados muito graves.

Assim e se calcularmos o capital (líquido de amortizações) acumulado desde 1977 (data a partir da qual disponho de dados para o efeito) e o confrontarmos com a poupança nacional (também líquida) acumulada no mesmo período, verificamos que esta apenas cobre pouco mais de metade daquele. O ‘gap' traduz-se, naturalmente, na acumulação da poupança externa a que o país recorreu durante este período e que se expressa nas responsabilidades líquidas para com o exterior. O que permite dizer que quase metade do ‘stock' de capital, ou é propriedade estrangeira ou está-lhe indirectamente hipotecado (através de dívida).

Como parte da dívida vai acabar por ter que ser convertida em capital - veja-se o recurso a capital das principais empresas, sobretudo financeiras, e a origem deste - a proporção da propriedade directa será cada vez maior. O que, independentemente de todas as outras considerações que sobre o assunto se possam fazer, é uma séria ameaça à autonomia estratégica do País. É claro que para esse resultado muito contribuiu o facto de o Estado, nesse período, ter consumido quase 30% da poupança privada...


IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
25/06/14



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