Divagações de longo prazo
Habituados à lufa-lufa do imediato,
apenas circunscrito pelo ontem e o amanhã, descuramos muitas vezes a
interessante informação de um olhar de longo prazo.
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Como, por exemplo, o facto de o nível de emprego
produtivo na economia portuguesa em 2013 ser praticamente idêntico ao
que se verificava em 1960. É claro que isto se deve sobretudo às
consequências da presente crise, que entre 2008 e 2013 destruiu 620 mil
empregos. Mas, mesmo descontando a crise, a economia portuguesa nunca
criou muitos empregos: entre 1960 e 2008, o emprego cresceu 15%,
enquanto em Espanha cresceu 66% e na zona euro
original (Euro 12) cresceu 37%. Por isso, o contributo directo e
quantitativo do factor trabalho para o crescimento económico foi pouco
significativo (explica cerca de 1/20 do crescimento entre 1960 e 2008;
1/6 em Espanha e 1/8 em Euro 12).
O investimento (acumulado em stock de capital)
deu um contributo mais significativo: explica cerca de 1/3 do
crescimento acumulado no período (um pouco mais de 40% em Espanha). No
entanto, o ‘stock' de capital por trabalhador da economia continua muito
abaixo, quer da média europeia, quer de Espanha, e pouco progrediu em
termos relativos denotando, portando, um investimento insuficiente para
as necessidades de convergência qualitativa da economia.
Desta forma, e talvez surpreendentemente, o principal factor por detrás do crescimento da economia
portuguesa no último pouco mais de meio século foi a produtividade
total de factores, com um contributo de quase 60% para esse crescimento
(40% em Espanha e 50% em Euro 12). Isto não é contraditório com o facto -
várias vezes reiterado - de que a nossa produtividade é muito inferior à
média europeia. Em valor absoluto, a nossa produtividade é
significativamente mais baixa, mas, durante este período, cresceu mais
do que os outros aqui usados como comparação.
Outro facto interessante que ressalta da informação supra
é que a convergência económica de Portugal neste período - PIB per
capita cresceu mais do que a média europeia (3.4% vs 2.5%, em média
anual) - baseou-se mais em eficiência (contributo da produtividade) do
que em esforço (trabalho e capital), numa proporção de 60/40.
Contrariamente a Espanha, por exemplo, onde a proporção é inversa.
Mas isto é um período muito longo. À medida que o encurtamos (a partir do presente) verificamos que as coisas
têm piorado e que, nomeadamente desde 1999, divergimos em termos
económicos (PIBpc cresceu 5%, contra 12.5% em Euro 12, ou 12.8% em
Espanha), o emprego reduziu-se 8% (cresceu 15% em Espanha e 10% em Euro
12) e o investimento foi medíocre. Salva-se, apesar de tudo, a
produtividade total dos factores que, embora não tenha conseguido
superar a média europeia, cresceu mais do triplo da espanhola, apesar da
desastrosa eficiência do investimento verificada nesse período.
Uma das áreas, porém, mais preocupantes é a da poupança, que ao longo deste mais de meio século e como traduz a reiterada acumulação de défices externo foi sempre insuficiente para financiar o investimento
(também ele insuficiente, como já referi). Como os défices anuais têm
efeitos cumulativos - traduzidos, nomeadamente em dívidas acumuladas ou
em cedência da propriedade de activos -, uma tão grande duração deste
fenómeno não pode deixar de ter resultados muito graves.
Assim e se calcularmos o capital (líquido de amortizações) acumulado desde 1977 (data a partir da qual disponho de dados para o efeito) e o confrontarmos com a poupança nacional
(também líquida) acumulada no mesmo período, verificamos que esta
apenas cobre pouco mais de metade daquele. O ‘gap' traduz-se,
naturalmente, na acumulação da poupança externa a que o país recorreu
durante este período e que se expressa nas responsabilidades líquidas
para com o exterior. O que permite dizer que quase metade do ‘stock' de
capital, ou é propriedade estrangeira ou está-lhe indirectamente
hipotecado (através de dívida).
Como parte da dívida vai acabar por ter que ser convertida em capital
- veja-se o recurso a capital das principais empresas, sobretudo
financeiras, e a origem deste - a proporção da propriedade directa será cada vez
maior. O que, independentemente de todas as outras considerações que
sobre o assunto se possam fazer, é uma séria ameaça à autonomia
estratégica do País. É claro que para esse resultado muito contribuiu o
facto de o Estado, nesse período, ter consumido quase 30% da poupança
privada...
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
25/06/14
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