Assédio laboral
– não é só direito de indemnização
O
GPPS apresentou um projeto de lei (do qual sou primeira subscritora)
que reforça o quadro legislativo para a prevenção da prática de assédio
em contexto laboral no setor privado e na administração pública. A
notícia do mesmo foi dada focando o facto de, nos termos do projeto, se
clarificar que a prática de assédio confere à vítima o direito de
indemnização. Se esse ponto é importante, não é seguramente esclarecedor
das alterações fundamentais que se introduzem ao Código do Trabalho e à
Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Sabemos que a lei,
por si só, não põe fim a um verdadeiro flagelo vivido por milhares de
pessoas como uma tortura (e não estou a abusar das palavras).
A
lei é um dos instrumentos fundamentais para combater o fenómeno, mas não
dispensa as campanhas de sensibilização, a realização de colóquios nas
empresas sobre assédio ou o papel de organizações não governamentais.
Se
o assédio laboral é uma realidade presente em todos os países, os
estudos permitem-nos concluir que o caso português é particularmente
grave quando comparado com os indicadores referentes ao resto da Europa.
De acordo com o estudo promovido em 2014 pela Comissão para a
Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) e desenvolvido em 2015 pelo
Centro Interdisciplinar de Estudos de Género do ISCTE, baseado num
inquérito nacional, sobre assédio no trabalho, feito a homens e
mulheres, 16,5% da população ativa assumiu já ter sido vítima de assédio
moral e 12,6% de assédio sexual no respetivo local de trabalho. Estamos
perante uma multidão e se a legislação laboral, atualmente, responde
com um quadro jurídico sancionatório é evidente que os resultados da
mesma não são animadores face à perceção de persistência de casos que
não são devidamente sancionados.
O legislador tem o dever de
procurar aperfeiçoar a legislação a cada momento, como aconteceu na
legislatura passada como a criminalização do assédio laboral (crime de
perseguição).
É, no entanto, necessário ir mais longe. Se
queremos apostar em gerar um maior conhecimento sobre esta realidade,
por forma a criar formas eficientes de prevenir e combater este tipo de
fenómenos, sabendo ser fundamental que quer as empresas, quer os
organismos públicos, e os respetivos representantes dos trabalhadores
atuem em conjunto para estabelecer, manter e proteger, por todos os
meios à sua disposição, um ambiente de trabalho que respeite a dignidade
e liberdade de todas as pessoas que aí trabalhem e também daquelas que a
frequentam no âmbito de relações de trabalho ou de negócio, temos de
deixar claro na legislação alguns aspetos incontornáveis.
Em
primeiro lugar, o assédio laboral passa a constituir “contraordenação
muito grave, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista na
lei”.
Por outro lado, passa a ser obrigatório “adotar códigos
de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho e
instaurar procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de
alegadas situações de assédio no local de trabalho”.
Se a
entidade empregadora não instaurar processo disciplinar sempre que tiver
conhecimento de alegadas situações de assédio passa a incorrer em
“contraordenação grave”, o que não acontecia.
Na área da
administração pública, clarifica-se e reforça-se, na respetiva redação,
que o regime de assédio do Código do Trabalho se aplica, por remissão do
artigo 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, às
trabalhadoras e trabalhadores das entidades públicas e propõe-se,
mutatis mutandis, a inclusão no elenco de deveres do empregador público,
previstos no artigo 71.º, os deveres de “adotar códigos de boa conduta
de prevenção e combate ao assédio no trabalho e instaurar processo
disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas situações de
assédio no local de trabalho”.
Determina-se, ainda, que as
respetivas entidades fiscalizadoras – Autoridade para as Condições do
Trabalho e Inspeção-Geral de Finanças – devem disponibilizar endereços
eletrónicos próprios para receção de queixas de assédio em contexto
laboral, e informação, nos respetivos sítios eletrónicos, sobre
identificação de práticas de assédio e sobre medidas preventivas, de
combate e de reação a situações de assédio e incluir no seu relatório
anual os dados estatísticos referentes à atividade desenvolvida ao
abrigo do presente regime.
Não podemos esquecer que informação é
poder e uma das maiores queixas de que vamos tomando nota ao longo dos
anos é, precisamente, a que se refere à fragilização dos trabalhadores
pela via da não disponibilização de informação acerca do que é o assédio
laboral e dos direitos de cada uma e de cada um.
Com estas
alterações, certamente o assédio laboral não evapora. Mas são alterações
justas que reforçam a defesa das trabalhadoras e dos trabalhadores alvo
de um fenómeno com consequências devastadoras.
IN "EXPRESSO"
21/01/17
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