08/02/2013

FILIPA GOUVEIA

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Garantias ou um desafio 
em matéria fiscal 
dos preços de transferência

Um caso passado no Canadá evidencia a tendência crescente de escrutínio das transacções intra-grupo por parte das autoridades fiscais.
Um dos temas que tem levantado questões em matéria fiscal dos preços de transferência é as operações financeiras entre empresas integradas em multinacionais. Apesar de não ser um tema recente tem ganho significativa importância, quer ao nível dos grupos económicos, quer das autoridades fiscais.

Operações financeiras entre empresas de um mesmo grupo económico envolvem, entre outras, empréstimos, "cash pooling", operações de "hedging" e garantias. Por norma, uma garantia tem associada uma comissão que corresponde ao preço a pagar pela responsabilidade assumida em caso de incumprimento.

Uma garantia representa um acordo entre o contratante, o contratado e o fiador. Por exemplo, uma subsidiária de uma multinacional entra num contrato público para a construção de uma auto-estrada em Portugal. Dados os escassos recursos financeiros da subsidiária, o Estado português requer uma garantia da casa-mãe para assegurar o cumprimento do projecto dentro do prazo e do orçamento acordado.

Caso haja incumprimento, serão aplicadas penalidades financeiras à subsidiária ao abrigo da garantia prestada. Estando na presença de entidades relacionadas, esta situação desencadeia questões de preços de transferência, nomeadamente, se a garantia prestada está a ser remunerada de acordo com o princípio da plena concorrência.

Determinar a remuneração de mercado de uma garantia torna-se difícil porque as circunstâncias específicas, associadas a este tipo de operações, poderá levar à inexistência de operações comparáveis no mercado. Para além de que as orientações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em matéria de preços de transferência fornecem pouca ou nenhuma orientação nesta matéria.

Não existem muitas orientações legislativas nem judiciais em matéria de garantias. Não obstante, é um assunto que tem sido alvo de grande debate. Vejamos um exemplo de um caso discutido em tribunal.

A GE Capital Canada operava uma série de transacções financeiras com entidades relacionadas, as quais envolviam um nível significativo de dívida. A casa-mãe, GE Capital US, cobrou comissões de garantia à GE Capital Canada equivalentes a 100 pontos base sobre o valor da dívida. As autoridades fiscais do Canadá não aceitaram a remuneração dessa garantia afirmando que deveria ser zero, o que originou uma correcção de 136 milhões de dólares canadianos (gasto desconsiderado na esfera da GE Capital Canada).

Esta correcção foi contestada pela GE Capital Canada uma vez que, ao abrigo do princípio da plena concorrência, esta operação deveria ser tratada como se estivéssemos na presença de duas entidades independentes. A principal questão é a de saber como duas entidades independentes estruturam e determinam o preço de uma operação similar.

A GE Capital Canada obteve financiamento a uma taxa de endividamento mais baixa devido à estrutura financeira da GE Capital US. A garantia prestada pela GE Capital US melhorou a notação de "rating" da GE Capital Canada de BBB para AAA. Neste sentido, houve transferência de um benefício económico para a GE Capital Canada pelo que a GE Capital US deveria ser remunerada.

As autoridades fiscais do Canadá argumentaram que a notação de "rating" da GE Capital Canada deveria ser igual à da GE Capital US devido à sua filiação, pelo que não deveria haver lugar a qualquer compensação. O tribunal decidiu a favor da GE Capital Canada e aprovou a utilização de um método baseado numa "yield" de mercado como forma de medir o benefício implícito nesta operação. O tribunal examinou a diferença de "yields" entre a notação de "rating" de BBB-, BBB+ e AAA e apurou o benefício transmitido à GE Capital Canada, equivalente a cerca de 183 pontos base. Neste sentido, a comissão de garantia paga à GE Capital US (100 pontos base) mesmo inferior à apurada pelo tribunal (183 pontos base) podia ser pior, pelo que foi aceite pelo tribunal.

Esta decisão poderá servir de referência à forma de determinação da remuneração deste tipo de transacções, dado não existirem orientações específicas de tratamento desta matéria fiscal em sede de preços de transferência.

O caso GE Capital, pode, por si só, não ter um impacto significativo na forma de avaliar este tipo de operações, mas evidencia uma tendência de escrutínio deste tipo de transacções por parte das autoridades fiscais.

Tome nota
1. As autoridades fiscais estão cada vez mais atentas ao tratamento jurídico e económico de operações financeiras intragrupo que envolvam garantias. 2. Os contribuintes estarão melhor preparados para enfrentarem este desafio, se analisarem cuidadosamente os acordos intragrupo e prepararem documentação de suporte aos contratos que permita aferir o cumprimento do princípio da plena concorrência através de ferramentas analíticas.


IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
07/02/13

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