Garantias ou um desafio
em matéria fiscal
dos preços de transferência
Um caso passado no Canadá evidencia a tendência crescente de escrutínio das transacções intra-grupo por parte das autoridades fiscais.
Um dos temas que tem levantado questões
em matéria fiscal dos preços de transferência é as operações
financeiras entre empresas integradas em multinacionais. Apesar de não
ser um tema recente tem ganho significativa importância, quer ao nível
dos grupos económicos, quer das autoridades fiscais.
Operações financeiras entre empresas de um mesmo grupo económico
envolvem, entre outras, empréstimos, "cash pooling", operações de
"hedging" e garantias. Por norma, uma garantia tem associada uma
comissão que corresponde ao preço a pagar pela responsabilidade assumida
em caso de incumprimento.
Uma garantia representa um acordo entre o contratante, o
contratado e o fiador. Por exemplo, uma subsidiária de uma multinacional
entra num contrato público para a construção de uma auto-estrada em
Portugal. Dados os escassos recursos financeiros da subsidiária, o
Estado português requer uma garantia da casa-mãe para assegurar o
cumprimento do projecto dentro do prazo e do orçamento acordado.
Caso haja incumprimento, serão aplicadas penalidades financeiras à
subsidiária ao abrigo da garantia prestada. Estando na presença de
entidades relacionadas, esta situação desencadeia questões de preços de
transferência, nomeadamente, se a garantia prestada está a ser
remunerada de acordo com o princípio da plena concorrência.
Determinar a remuneração de mercado de uma garantia torna-se
difícil porque as circunstâncias específicas, associadas a este tipo de
operações, poderá levar à inexistência de operações comparáveis no
mercado. Para além de que as orientações da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em matéria de preços de
transferência fornecem pouca ou nenhuma orientação nesta matéria.
Não existem muitas orientações legislativas nem judiciais em
matéria de garantias. Não obstante, é um assunto que tem sido alvo de
grande debate. Vejamos um exemplo de um caso discutido em tribunal.
A GE Capital Canada operava uma série de transacções financeiras
com entidades relacionadas, as quais envolviam um nível significativo de
dívida. A casa-mãe, GE Capital US, cobrou comissões de garantia à GE
Capital Canada equivalentes a 100 pontos base sobre o valor da dívida.
As autoridades fiscais do Canadá não aceitaram a remuneração dessa
garantia afirmando que deveria ser zero, o que originou uma correcção de
136 milhões de dólares canadianos (gasto desconsiderado na esfera da GE
Capital Canada).
Esta correcção foi contestada pela GE Capital Canada uma vez que,
ao abrigo do princípio da plena concorrência, esta operação deveria ser
tratada como se estivéssemos na presença de duas entidades
independentes. A principal questão é a de saber como duas entidades
independentes estruturam e determinam o preço de uma operação similar.
A GE Capital Canada obteve financiamento a uma taxa de
endividamento mais baixa devido à estrutura financeira da GE Capital US.
A garantia prestada pela GE Capital US melhorou a notação de "rating"
da GE Capital Canada de BBB para AAA. Neste sentido, houve transferência
de um benefício económico para a GE Capital Canada pelo que a GE
Capital US deveria ser remunerada.
As autoridades fiscais do Canadá argumentaram que a notação de
"rating" da GE Capital Canada deveria ser igual à da GE Capital US
devido à sua filiação, pelo que não deveria haver lugar a qualquer
compensação. O tribunal decidiu a favor da GE Capital Canada e aprovou a
utilização de um método baseado numa "yield" de mercado como forma de
medir o benefício implícito nesta operação. O tribunal examinou a
diferença de "yields" entre a notação de "rating" de BBB-, BBB+ e AAA e
apurou o benefício transmitido à GE Capital Canada, equivalente a cerca
de 183 pontos base. Neste sentido, a comissão de garantia paga à GE
Capital US (100 pontos base) mesmo inferior à apurada pelo tribunal (183
pontos base) podia ser pior, pelo que foi aceite pelo tribunal.
Esta decisão poderá servir de referência à forma de determinação
da remuneração deste tipo de transacções, dado não existirem orientações
específicas de tratamento desta matéria fiscal em sede de preços de
transferência.
O caso GE Capital, pode, por si só, não ter um impacto
significativo na forma de avaliar este tipo de operações, mas evidencia
uma tendência de escrutínio deste tipo de transacções por parte das
autoridades fiscais.
Tome nota
1.
As autoridades fiscais estão cada vez mais atentas ao tratamento
jurídico e económico de operações financeiras intragrupo que envolvam
garantias.
2. Os contribuintes estarão melhor preparados para
enfrentarem este desafio, se analisarem cuidadosamente os acordos
intragrupo e prepararem documentação de suporte aos contratos que
permita aferir o cumprimento do princípio da plena concorrência através
de ferramentas analíticas.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
07/02/13
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