O direito a nos
esquecermos de nós
Na semana passada, o Tribunal de Justiça
Europeu pantenteou o direito ao esquecimento. Determinou que era
legítimo que o Google pudesse ser obrigado a esconder resultados
relativos a uma pesquisa, desde que a pessoa em questão não os quisesse
divulgados. Esta sentença foi uma resposta ao caso de um espanhol,
Mario Costeja González. No caso, não era nada de pessoal, eram dados
publicados em dois anúncios de uma casa que ele tinha tido para vender,
no jornal La Vanguardia, há 16 anos. A venda da casa tinha
sido forçada por dívidas e essa era a questão que incomodava o espanhol
e foi o que fez que o tribunal decidisse que havia informações
«inadequadas, não pertinentes ou já não pertinentes ou excessivas em
relação ao objetivo pelo qual foram processadas tendo em conta o tempo
decorrido». E que, num caso como este, «a pessoa afetada pode dirigir-se
diretamente ao explorador do motor de busca, que deve então examinar o
seu fundamento».
Isto é tudo muito bonito. Mas tem dois problemas.
Por um lado é perfeitamente inexequível. Por outro lado, é
perfeitamente irrealista. Para o bem e para o mal, o ciberespaço que
construímos transformou-se numa segunda camada de realidade. E, ao
contrário da realidade – que é volátil em cada momento que acontece – o
ciberespaço não desaparece. A realidade obedece aos vetores do espaço e
do tempo. E estes, no ciberespaço, são infinitos. Ou seja, estão sempre
presentes. Esta é a verdadeira dimensão das coisas, como sabem todos
os aprendizes de Snowden por aí.
Por tudo isto é absolutamente ridículo querer apagar
uma referência minha num lugar qualquer. Ela existirá em todas as suas
formas anteriores. Querem um exemplo? Eu tirei de todas as fotos em que
não gosto de ver-me, no Facebook, a referência ao meu perfil. Essa foi a
razão, aliás, porque já escrevi uma crónica sobre este assunto, há
cerca de dois anos: falava, precisamente, em querer esquecer-me de mim.
Desse meu eu antigo, na faculdade ou até antes, com borbulhas e cabelo
que desafiava a lei da gravidade que amigos meus resolveram postar de
novo. Queria – e consegui – fazer essa seleção, pouco natural, de ter
poder sobre a minha imagem. Essa que o tempo me deu, nos meios que
domino, como esta revista, ou um arquivo de um jornal de onde se podem
apagar fotografias para sempre.
É isso precisamente o que não se pode fazer na
internet. Essas páginas onde eu apareço existirão para sempre. Estarão
para sempre no ciberespaço onde tudo é presente. Guardadas, no Facebook
ou noutro lugar qualquer, por exemplo, nos arquivos digitais que
existem e são acessíveis a todos. Ali estarei eu, perseguindo-me a mim
própria.
É mais ou menos isto que acontece com os filhos dos
pais que põem fotografias deles na internet, em redes sociais como o
Facebook. Como em tudo o que diz respeito à educação, o que os pais
fazem refletir-se-á no que os filhos serão. Mas publicar as fotografias
dos filhos, por exemplo, na internet não é questionável apenas pelo ato
em si, que, obviamente, tem um sentido no que diz respeito à formação
da descendência. Este é um ato com consequências práticas. Os filhos
ficarão marcados pelas fotografias e informações que os seus pais sobre
eles divulgarem. E pode haver quem, chegado à idade adulta, não queira
que o seu primeiro futuro patrão saiba que deixou a chucha apenas com 6
anos ou que era um adolescente rebelde.
A quantidade de informação que existe sobre cada um
de nós no ciberespaço transforma-nos, a todos, em figuras públicas. É
bom que os pais tenham noção do que estão a fazer quando clicam no
botão «partilhar». É que isso não é um eufemismo.
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
01/06/14
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