Dimensões da crise
A infeliz
moldura da crise política que atingiu não apenas a imagem internacional
do País mas também a autoestima dos portugueses exige que seja separada
do conjunto de desafios sérios que o projeto europeu entretanto vai
sofrendo, desafios esses têm que ver com o futuro da comunidade e com a
falta de estadismo e liderança com que a Europa se confronta, e à qual
temos dado visível contribuição.
Não pode omitir-se o conjunto de
sacrifícios que um neoliberalismo sem regras e repressivo, com um
historial elucidativo já do século passado, produziu até que os
fracassos das previsões tenham finalmente sido assumidos: mas tal
memória, que não serve para os remediar, embora possa ajudar a não os
repetir, implica sobretudo a urgência de meditar sobre o
consequencialismo no que toca ao projeto da União, e ao seu conceito
estratégico, se ainda for possível identifica-lo com clareza.
Embora
sem nunca ter sido assumido um modelo final da União, não por falta de
projetos históricos mas por escassez de experiências, estavam claros os
princípios que deviam ser respeitados e fortalecidos pela prudente
política dos pequenos passos.
Tais princípios, sem grande risco
de erro de omissão ou entendimento, incluíam o Estado social, a
democracia de modelo ocidental, a coesão social, o desenvolvimento
sustentado entendido como o nome da paz para os nossos dias, a
diversidade cultural unificada por um conjunto de valores que fazem
parte do património imaterial da humanidade.
A pretensão de ser
um modelo de regionalismo para um mundo em mudança que obrigava a
avaliar a relação entre objetivos e capacidades, com o inevitável
reflexo na redefinição das soberanias, não exigia apenas a igualdade dos
direitos do homem, também implicava a igualdade dos Estados admitidos
no projeto inovador.
Muito cedo se tornou evidente que a inicial
preocupação com o modelo económico, traduzido num mercado livre, exigia
uma inovadora estrutura política, de que o Tratado de Lisboa foi o
imperfeito último passo.
O talento dos grandes pensadores e
interventores que construíram o património político europeu, pagando os
custos de uma evolução longa, e frequentemente conflituosa, depois da
última grande, exigia uma capacidade de gestão das diferenças unificadas
e presididas por uma maneira europeia de estar no mundo.
As
desordens orçamentais, a crise financeira e económica, a confusão entre o
multiculturalismo e o cosmopolitismo são consequências de causas entre
as quais avulta com destaque a fraqueza das lideranças, a falta de
herdeiros dos que sofreram e conduziram o calvário da guerra mundial, e a
longa penitência da Guerra Fria.
A incapacidade manifesta de uma
gestão das diferenças implicou o acidente grave de a própria igualdade
dos Estados da União não ser preservada, o renascimento dos demónios que
os fundadores julgaram dominar, a convicção não assumida de que a
realidade apenas era um processo europeu para uma conjuntura datada, a
qual, nesta entrada de um "século sem bússola", abria agora caminho, e
para alguns necessidade, de dar lugar à pluralidade de capacidades
individualizadas dos Estados, a recordarem a hierarquia dos poderes
efetivos.
A situação dos países do Norte do Mediterrâneo,
abrangidos pela fronteira da pobreza, consentiu que o modelo real do
protetorado, que no passado ajudou a tornar infeliz a relação das
soberanias europeias com a área da "primavera muçulmana", pudesse voltar
ao exercício dentro do território da própria União. O que tem
demonstração na situação do Estado português, e com a contribuição
dispensável do nosso percurso interno para a demonstração de que a falta
de liderança e o simultâneo enfraquecimento do conceito estratégico
europeu estão a transformar em modesta parcela dos tempos o que se
sonhava caminhar para um fim, que não era o de perder a voz da Europa no
mundo.
Não há experiência de um governo a prazo ser uma resposta para a recuperação da igualdade internacional.
16/07/13
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