18/01/2013

PAULO TRIGO PEREIRA

.


O legado de 
James M. Buchanan (1919-2013) 

Ele há coincidências. No dia em que Portugal ficou a saber do Relatório do FMI (Repensar o Estado-Opções de Reforma Selectiva da Despesa) morreu o Nobel da Economia James Buchanan, citado logo a abrir esse mesmo relatório.
 
Buchanan foi uma das duas maiores influências nas finanças públicas da segunda metade do século XX a par de Richard Musgrave. Eles corporizaram duas visões distintas do Estado e do processo político. Quando Buchanan (e Tullock) publicaram o seu Calculus of Consent (1962), a visão dominante nas finanças públicas era a de que os governos eram “ditadores” benevolentes que promoviam exclusivamente o bem-estar social. A mensagem de Buchanan, e da teoria da escolha pública, da qual foi o principal mentor, era outra “Os economistas devem deixar de fornecer conselhos sobre políticas como se fossem empregados de um déspota benevolente e deveriam olhar para a estrutura na qual as decisões políticas são tomadas” (1).  Enquanto que para Musgrave as funções do Estado eram sobretudo ultrapassar os fracassos de mercado (quer na afectação de recursos quer na estabilização macroeconómica) e promover a justiça social (através da função redistribuição), Buchanan e a teoria da escolha pública deram importância aos fracassos dos governos. Foi com eles que aprendemos sobre os problemas da burocracia e de orçamentos eventualmente excessivos (Niskanen), as teorias dos grupos de interesse distributivos (Olson), a potencial captura das entidades reguladoras pelas empresas que deveriam regular (Stigler). Hoje qualquer abordagem séria de finanças públicas considera quer os fracassos do mercado quer os do governo. Obviamente que quem olha sobretudo para os primeiros, vê maior necessidade de um Estado mais interventivo e quem olha para os segundos quer limitar a acção e a dimensão do Estado. Mas para além da opção de mais ou menos Estado, a teoria ajudou a perceber as possibilidades de um melhor Estado(2).  O mérito adicional de Buchanan foi a sua abordagem sobre a “economia política constitucional” na linha contratualista (também de Rawls) de pensar a Constituição como um contrato voluntariamente aceite pelas partes em condições de incerteza. E sobre isto e sobre a dívida diz “é quase impossível construir um cálculo contratual em que representantes de gerações diferentes concordassem em permitir que as maiorias [políticas] de uma geração financiassem bens de consumo corrente dessa geração, através da emissão de dívida pública que implica a imposição de percas de utilidade [leia-se bem-estar] em gerações futuras de contribuintes” (1). A necessidade de avaliar e ponderar a questão constitucional e o “contrato social” inter-geracional é  um dos grandes legados de Buchanan e é o inevitável debate profundo que temos a fazer entre nós, que o FMI não aborda (e ainda bem).

Buchanan faz parte de uma galeria restrita de economistas que me influenciou profundamente, excluindo os clássicos (Smith, Ricardo, Marx e Stuart Mill) esse grupo restringe-se a poucos: K. Wicksell, J. Schumpeter, F. Hayek, K. Arrow, A. Sen, A. Downs, M. Olson, D. North, A. Hirschman e J. M.Keynes. Um grupo ecléctico e ideologicamente diverso de economistas que têm uma coisa em comum: são, cada um à sua maneira, heterodoxos, economistas políticos e quebraram as fronteiras da ciência económica numa altura em que ela se estava a balcanizar. Fazem parte das leituras de juventude, na altura em que havia tempo para ler os clássicos e os menos clássicos. Estas são como as amizades jovens, recordamo-nos delas e perduram. Estive com Buchanan nas conferências da European Public Choice Society, em que participava.  Apenas tive um contacto fortuito que vale a pena registar. Em 1995 a Faculdade de Economia do Porto atribuiu-lhe o doutoramento Honoris Causa. Na altura falámos brevemente e entreguei-lhe um questionário que intitulei “8 questões heterodoxas ao Professor James M. Buchanan” e dei-lhe um cartão meu. De regresso à George Mason University ele escreveu ao meu colega António Almodovar (FEP) dizendo que estava “confuso e puzzled” pois achava que tinha sido ele a dar o questionário, mas tinha um cartão meu. E respondeu apesar de praticamente não me conhecer. Uma questão era esta: “É possível implementar regras e instituições de forma que os políticos que queiram servir o ‘interesse público’ possam sobreviver, se aqueles que as desenham e aprovam servem frequentemente os seus interesses privados?” Esta pergunta que fiz em 1995, continua para mim a ser uma das perguntas fundamentais a necessitar resposta. A que Buchanan me deu, vai na linha do seu pensamento, mas não é plenamente satisfatória: “Podemos sair desse dilema se considerarmos que as pessoas podem, do seu interesse próprio no estádio constitucional, concordar com regras que as restrinjam [na fase parlamentar das decisões].” Um exemplo deste dilema é a dificuldade de mudar o sistema eleitoral. Admitamos que servir o interesse público exige uma mudança do sistema eleitoral com possibilidade de personalização de voto. Como é possível que políticos que sejam prejudicados eleitoralmente pela introdução de alguma competição política resultante de uma eventual reforma a aprovem se esta vai aparentemente contra os seus interesses?  Buchanan (e os economistas citados) dedicaram as suas carreiras a tentar solucionar problemas de forma inteligente e original. Conhecer o seu pensamento, mesmo discordando, é importante para elaborar soluções para esta crise.

(1)     Buchanan, J. (1986) Lição em Memória de Alfred Nobel (tradução nossa). (2) Ver artigo Pereira, Paulo T. (1997) em Análise Social, p. 419-442.

Membro da Comissão Executiva da European Public Choice Society (1998-2001)

IN "PÚBLICO"
11/01/13

.

Sem comentários: