O legado de
James M. Buchanan (1919-2013)
Ele há coincidências. No dia em que Portugal ficou a saber do
Relatório do FMI (Repensar o Estado-Opções de Reforma Selectiva da
Despesa) morreu o Nobel da Economia James Buchanan, citado logo a abrir
esse mesmo relatório.
Buchanan foi uma das duas maiores
influências nas finanças públicas da segunda metade do século XX a par
de Richard Musgrave. Eles corporizaram duas visões distintas do Estado e
do processo político. Quando Buchanan (e Tullock) publicaram o seu
Calculus of Consent (1962), a visão dominante nas finanças públicas era a
de que os governos eram “ditadores” benevolentes que promoviam
exclusivamente o bem-estar social. A mensagem de Buchanan, e da teoria
da escolha pública, da qual foi o principal mentor, era outra “Os
economistas devem deixar de fornecer conselhos sobre políticas como se
fossem empregados de um déspota benevolente e deveriam olhar para a
estrutura na qual as decisões políticas são tomadas” (1). Enquanto que
para Musgrave as funções do Estado eram sobretudo ultrapassar os
fracassos de mercado (quer na afectação de recursos quer na
estabilização macroeconómica) e promover a justiça social (através da
função redistribuição), Buchanan e a teoria da escolha pública deram
importância aos fracassos dos governos. Foi com eles que aprendemos
sobre os problemas da burocracia e de orçamentos eventualmente
excessivos (Niskanen), as teorias dos grupos de interesse distributivos
(Olson), a potencial captura das entidades reguladoras pelas empresas
que deveriam regular (Stigler). Hoje qualquer abordagem séria de
finanças públicas considera quer os fracassos do mercado quer os do
governo. Obviamente que quem olha sobretudo para os primeiros, vê maior
necessidade de um Estado mais interventivo e quem olha para os segundos
quer limitar a acção e a dimensão do Estado. Mas para além da opção de
mais ou menos Estado, a teoria ajudou a perceber as possibilidades de um
melhor Estado(2). O mérito adicional de Buchanan foi a sua abordagem
sobre a “economia política constitucional” na linha contratualista
(também de Rawls) de pensar a Constituição como um contrato
voluntariamente aceite pelas partes em condições de incerteza. E sobre
isto e sobre a dívida diz “é quase impossível construir um cálculo
contratual em que representantes de gerações diferentes concordassem em
permitir que as maiorias [políticas] de uma geração financiassem bens de
consumo corrente dessa geração, através da emissão de dívida pública
que implica a imposição de percas de utilidade [leia-se bem-estar] em
gerações futuras de contribuintes” (1). A necessidade de avaliar e
ponderar a questão constitucional e o “contrato social” inter-geracional
é um dos grandes legados de Buchanan e é o inevitável debate profundo
que temos a fazer entre nós, que o FMI não aborda (e ainda bem).
Buchanan
faz parte de uma galeria restrita de economistas que me influenciou
profundamente, excluindo os clássicos (Smith, Ricardo, Marx e Stuart
Mill) esse grupo restringe-se a poucos: K. Wicksell, J. Schumpeter, F.
Hayek, K. Arrow, A. Sen, A. Downs, M. Olson, D. North, A. Hirschman e J.
M.Keynes. Um grupo ecléctico e ideologicamente diverso de economistas
que têm uma coisa em comum: são, cada um à sua maneira, heterodoxos,
economistas políticos e quebraram as fronteiras da ciência económica
numa altura em que ela se estava a balcanizar. Fazem parte das leituras
de juventude, na altura em que havia tempo para ler os clássicos e os
menos clássicos. Estas são como as amizades jovens, recordamo-nos delas e
perduram. Estive com Buchanan nas conferências da European Public
Choice Society, em que participava. Apenas tive um contacto fortuito
que vale a pena registar. Em 1995 a Faculdade de Economia do Porto
atribuiu-lhe o doutoramento Honoris Causa. Na altura falámos brevemente e
entreguei-lhe um questionário que intitulei “8 questões heterodoxas ao
Professor James M. Buchanan” e dei-lhe um cartão meu. De regresso à
George Mason University ele escreveu ao meu colega António Almodovar
(FEP) dizendo que estava “confuso e puzzled” pois achava que tinha sido
ele a dar o questionário, mas tinha um cartão meu. E respondeu apesar de
praticamente não me conhecer. Uma questão era esta: “É possível
implementar regras e instituições de forma que os políticos que queiram
servir o ‘interesse público’ possam sobreviver, se aqueles que as
desenham e aprovam servem frequentemente os seus interesses privados?”
Esta pergunta que fiz em 1995, continua para mim a ser uma das perguntas
fundamentais a necessitar resposta. A que Buchanan me deu, vai na linha
do seu pensamento, mas não é plenamente satisfatória: “Podemos sair
desse dilema se considerarmos que as pessoas podem, do seu interesse
próprio no estádio constitucional, concordar com regras que as
restrinjam [na fase parlamentar das decisões].” Um exemplo deste dilema é
a dificuldade de mudar o sistema eleitoral. Admitamos que servir o
interesse público exige uma mudança do sistema eleitoral com
possibilidade de personalização de voto. Como é possível que políticos
que sejam prejudicados eleitoralmente pela introdução de alguma
competição política resultante de uma eventual reforma a aprovem se esta
vai aparentemente contra os seus interesses? Buchanan (e os
economistas citados) dedicaram as suas carreiras a tentar solucionar
problemas de forma inteligente e original. Conhecer o seu pensamento,
mesmo discordando, é importante para elaborar soluções para esta crise.
(1)
Buchanan, J. (1986) Lição em Memória de Alfred Nobel (tradução nossa).
(2) Ver artigo Pereira, Paulo T. (1997) em Análise Social, p. 419-442.
Membro da Comissão Executiva da European Public Choice Society (1998-2001)
IN "PÚBLICO"
11/01/13
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