21/04/2018

SANDRA LIMA DE OLIVEIRA

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"Vou ou não vou? 
Confio ou desconfio?"

Caberá aos tribunais a árdua tarefa de validação do prejuízo sério invocado pelos trabalhadores.

Das recentes alterações ao regime jurídico da transmissão da empresa ou estabelecimento, visando o reforço dos direitos dos trabalhadores nestas situações, tiveram maior destaque o direito de oposição do trabalhador à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho e o direito de resolução do contrato de trabalho com justa causa por motivos relacionados com a transmissão.

Não deixa de ser curioso que, no âmbito de um regime jurídico pensado e criado com o principal objectivo de proteger as relações laborais e assegurar a sua manutenção independente da alteração do titular da empresa, se verifique que o reforço dos direitos dos trabalhadores nessas situações deve passar justamente por soluções que implicam a cessação da relação laboral. Por outro lado, fundamentar o exercício destes direitos pelos trabalhadores em conceitos indefinidos não parece ser a forma mais eficaz de protecção nem dos trabalhadores, nem das empresas.

Prevê-se agora o direito de oposição do trabalhador à transmissão do respectivo contrato de trabalho quando aquela lhe possa causar "prejuízo sério", "nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente", ou ainda quando "a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança". E prevê-se também que, após a transmissão, sem que exista um prazo definido, o trabalhador possa resolver com justa causa o seu contrato de trabalho com esses mesmos fundamentos, tendo direito a uma compensação.

A invocação de prejuízo sério pelo trabalhador para obstar a alterações à sua situação laboral não é uma solução estranha ao direito laboral e levantar-se-ão as habituais dúvidas e necessidade de análise de cada caso concreto.

Salvo situações de dificuldades financeiras do adquirente, em que parece óbvio que todos os trabalhadores afectados pela transmissão seriam prejudicados, muitas vezes o prejuízo de um não é o prejuízo de todos e pode até ser a vantagem de alguns, pelo que caberá aos tribunais a árdua tarefa de validação do prejuízo sério invocado pelos trabalhadores.

Maiores dificuldades surgirão na concretização do que seja uma "política de organização do trabalho" que "não merece a confiança" do trabalhador. Desde logo se coloca a questão de definir o que se considera ser uma "política de organização do trabalho".

A antecedência na comunicação das escalas de turnos, a frequência das reuniões de equipa, as regras de marcação de férias? É certamente um conceito vago e pouco familiar que não permitirá o exercício de direitos com a segurança que é desejada. Se a este conceito vago juntamos a relevância e subjectividade de um sentimento - não merecer a confiança -, temos criadas as condições para um elevado nível de incerteza e insegurança que afectará a todos, trabalhadores e empregadores.

E será que o exercício do direito de oposição do trabalhador à transmissão garante a manutenção da relação laboral? Não, não podemos esquecer que o empregador transmitiu a unidade a que o trabalhador estava afecto e que isto implicou, muito provavelmente, a extinção do posto de trabalho, e que não se pode obrigar o empregador a ocupar um trabalhador para o qual não há trabalho.

Fica também a dúvida quanto ao período durante o qual o trabalhador pode socorrer-se da solução de resolver o contrato de trabalho com justa causa. O direito de resolução deve ser exercido nos trinta dias seguintes ao conhecimento dos factos que integram a justa causa. Mas e se só seis meses, um ano ou mais tempo após a transmissão o trabalhador verificar que a política de organização do trabalho do adquirente não lhe merece confiança, pode ainda assim o trabalhador invocar a justa causa para a resolução do contrato de trabalho? Parece arriscado e desproporcionado.

Não é também de descurar o impacto destas soluções para as empresas e para as transacções. Quererá o adquirente correr o risco de ficar sem os trabalhadores que estavam afectos ao negócio que adquiriu e ter ainda que suportar os custos com compensações pela cessação dos contratos de trabalho?

Nesta perspectiva, estas alterações parecem contribuir para a fragilização das relações laborais e não para o almejado objectivo do seu reforço!

IN "JORNAL DE  NEGÓCIOS"
19/04/18

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