"Vou ou não vou?
Confio ou desconfio?"
Caberá aos tribunais a árdua tarefa de validação do prejuízo sério invocado pelos trabalhadores.
Das recentes alterações ao regime jurídico da transmissão da empresa ou
estabelecimento, visando o reforço dos direitos dos trabalhadores nestas
situações, tiveram maior destaque o direito de oposição do trabalhador à
transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho e o
direito de resolução do contrato de trabalho com justa causa por motivos
relacionados com a transmissão.
Não
deixa de ser curioso que, no âmbito de um regime jurídico pensado e
criado com o principal objectivo de proteger as relações laborais e
assegurar a sua manutenção independente da alteração do titular da
empresa, se verifique que o reforço dos direitos dos trabalhadores
nessas situações deve passar justamente por soluções que implicam a
cessação da relação laboral. Por outro lado, fundamentar o exercício
destes direitos pelos trabalhadores em conceitos indefinidos não parece
ser a forma mais eficaz de protecção nem dos trabalhadores, nem das
empresas.
Prevê-se agora o direito de oposição do trabalhador à
transmissão do respectivo contrato de trabalho quando aquela lhe possa
causar "prejuízo sério", "nomeadamente por manifesta falta de
solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente", ou ainda
quando "a política de organização do trabalho deste não lhe merecer
confiança". E prevê-se também que, após a transmissão, sem que exista um
prazo definido, o trabalhador possa resolver com justa causa o seu
contrato de trabalho com esses mesmos fundamentos, tendo direito a uma
compensação.
A
invocação de prejuízo sério pelo trabalhador para obstar a alterações à
sua situação laboral não é uma solução estranha ao direito laboral e
levantar-se-ão as habituais dúvidas e necessidade de análise de cada
caso concreto.
Salvo situações de dificuldades financeiras do
adquirente, em que parece óbvio que todos os trabalhadores afectados
pela transmissão seriam prejudicados, muitas vezes o prejuízo de um não é
o prejuízo de todos e pode até ser a vantagem de alguns, pelo que
caberá aos tribunais a árdua tarefa de validação do prejuízo sério
invocado pelos trabalhadores.
Maiores dificuldades surgirão na
concretização do que seja uma "política de organização do trabalho" que
"não merece a confiança" do trabalhador. Desde logo se coloca a questão
de definir o que se considera ser uma "política de organização do
trabalho".
A antecedência na comunicação das escalas de turnos, a
frequência das reuniões de equipa, as regras de marcação de férias? É
certamente um conceito vago e pouco familiar que não permitirá o
exercício de direitos com a segurança que é desejada. Se a este conceito
vago juntamos a relevância e subjectividade de um sentimento - não
merecer a confiança -, temos criadas as condições para um elevado nível
de incerteza e insegurança que afectará a todos, trabalhadores e
empregadores.
E será que o exercício do direito de oposição do
trabalhador à transmissão garante a manutenção da relação laboral? Não,
não podemos esquecer que o empregador transmitiu a unidade a que o
trabalhador estava afecto e que isto implicou, muito provavelmente, a
extinção do posto de trabalho, e que não se pode obrigar o empregador a
ocupar um trabalhador para o qual não há trabalho.
Fica também a
dúvida quanto ao período durante o qual o trabalhador pode socorrer-se
da solução de resolver o contrato de trabalho com justa causa. O direito
de resolução deve ser exercido nos trinta dias seguintes ao
conhecimento dos factos que integram a justa causa. Mas e se só seis
meses, um ano ou mais tempo após a transmissão o trabalhador verificar
que a política de organização do trabalho do adquirente não lhe merece
confiança, pode ainda assim o trabalhador invocar a justa causa para a
resolução do contrato de trabalho? Parece arriscado e desproporcionado.
Não
é também de descurar o impacto destas soluções para as empresas e para
as transacções. Quererá o adquirente correr o risco de ficar sem os
trabalhadores que estavam afectos ao negócio que adquiriu e ter ainda
que suportar os custos com compensações pela cessação dos contratos de
trabalho?
Nesta perspectiva, estas alterações parecem contribuir
para a fragilização das relações laborais e não para o almejado
objectivo do seu reforço!
19/04/18
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