HOJE NO
"OBSERVADOR"
Como explicar o terrorismo às crianças?
Desta vez um ataque terrorista teve como alvo um público muito jovem. Devem os pais falar sobre isso com os filhos? E como? Fomos ouvir um pedopsiquiatra e quatro psicólogas.
Na terça-feira à noite, as 21 mil pessoas que assistiam ao concerto
da cantora pop norte-americana Ariana Grande no Manchester Arena, em
Inglaterra, foram surpreendidas, no final do espetáculo, por uma forte
explosão que vitimou
22 pessoas e deixou outras 59 feridas. Mais um atentado, já
reivindicado pelo Estado Islâmico, que se soma a muitos outros nos
últimos meses mas este com uma particularidade que o distingue dos
demais: desta vez o alvo foram sobretudo crianças (e os pais que as
acompanhavam).
.
Por isso, e pelo facto de o atentado ter ocorrido
no final de um concerto de um dos ídolos pop das crianças e jovens, faz
com que, provavelmente, as crianças e adolescentes se sintam mais
identificadas e estejam mais sensíveis a estas notícias. É também
natural que as dúvidas e perguntas em torno deste atentado e vindas
desta faixa etária surjam com mais expressão.
A pensar nisso, no concerto desta cantora que está agendado
para o dia 11 de junho no MEO Arena, nos receios dos pais e nas
eventuais perguntas que possam surgir em casa, o Observador falou com
quatro psicólogas e um pedopsiquiatra para ajudar a encontrar respostas
para algumas das questões que possam estar a surgir neste momento.
1-Deve-se falar e explicar o terrorismo às crianças e pré-adolescentes?
Sim. Esconder informação não deve ser opção
“Vindo a propósito, os pais podem falar do terrorismo, sem
alarmismo”, defende Pedro Pires, pedopsiquiatra do Hospital Garcia de
Orta, em Almada. Uma opinião subscrita pela psicóloga clínica Filipa
Silva: “Neste momento, a questão da violência e do terrorismo estão na
ordem do dia e devem ser discutidas. Não é possível abafar a informação e
não parece que esconder informação seja a melhor abordagem”.
Também
Isabel Abreu-Lima, professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação da Universidade do Porto, defende que a criança que interroga
sobre este assunto deve ter uma resposta e que os pais não devem mentir.
“Contudo essa verdade deve ser doseada. Devemos ajustar as nossas
explicações, monitorizando a forma como a criança está a reagir.”
E
a psicóloga clínica e psicoterapeuta Patrícia Câmara é da opinião que
“a abordagem não deve ser nunca que as coisas não acontecem, ainda que
não devam ser empoladas”.
2-Como deve ser feita a abordagem?
Como se deve explicar o terrorismo?
“Há pessoas boas e más”
OK, deve-se falar sobre estes atentados e sobre o terrorismo às
crianças e pré-adolescentes. Mas como? Inês Marques, psicóloga clínica,
coordenadora da equipa infanto-juvenil da Oficina da Psicologia,
aconselha a que os pais evitem vocabulário difícil quando estão a falar
para crianças em idade de pré-escolar ou a frequentar o ensino primário.
“O ideal é falar de pessoas boas e más, sempre na lógica de que
as pessoas não nascem más mas que há algo na história de vida dessas
pessoas que as levou para esse extremo”. E questionados sobre
as motivações dessas pessoas más, os pais podem “assumir que é muito
difícil perceber o que está por detrás de tudo isto, que eles próprios
não entendem. Ser genuíno é muito importante”.
Também Filipa
Silva, psicóloga clínica e formadora, começa por dizer que é preciso
“adaptar o discurso”. “Até aos seis anos devemos explicar,
contrariamente a alguns livros de histórias encantadas, que nem toda a
gente é boa e que nem todos os fins de história são felizes. E isso não
tem mal nenhum”, assegura a psicóloga, acrescentando que “dos seis aos 10 anos, ainda numa fase da infância, podemos começar a usar a palavra ataque e explorar o que é isto do ataque.
Da pessoa que não está bem e que planeia fazer mal aos outros”. Isso,
remata a Filipa Silva, “sem nunca fazer associações a etnias, nem
religiões, nem nacionalidades.” A partir dos 11 anos, “aí já podemos
elaborar a ideia de terrorismo porque já vão perceber os conceitos”.
Um dos conceitos que as crianças devem aprender desde cedo é o
da maldade, e também têm de perceber que há limites e que todos os atos
têm consequências nos outros, sublinha a docente da Universidade do
Porto, Isabel Abreu-Lima. “Tem de se explicar que existe
maldade, que há pessoas, de facto, más e que causam sofrimento nos
outros, que há pais que ficaram tristes e meninos que morreram, mas que
também há muitas pessoas boas e que isso é o mais frequente.”
Ou seja, até aos seis ou sete anos de idade o melhor mesmo, destaca a
psicóloga, é dar uma “explicação simples e linear de que há pessoas más”
pois a criança “não vai entender o que é o terrorismo”.
Abordar o
assunto pela tónica de que “a maldade existe e que o mundo também é
feito de pessoas más” é a melhor solução também na opinião do
pedopsiquiatra Pedro Pires. Quanto a uma explicação mais elaborada, essa
só deve chegar mais tarde. “A partir dos 10 anos a explicação pode ir até onde o pai ou a mãe sabe que vai a maturidade do filho.”
Para
Patrícia Câmara, mais do que dizer que são más pessoas, pode-se dizer
que são “pessoas que esqueceram que são pessoas que não aguentam que os
outros sejam felizes”.
3- Explicar só depois das crianças perguntarem ou explicar mesmo sem haver perguntas?
Procurar perceber o que a criança quer saber. “Menos é mais”
O pedopsiquiatra acha que a explicação só deve chegar caso a criança pergunte. Já a psicóloga clínica Filipa Silva considera que no caso das crianças até aos seis anos “devemos observar e ver se têm algum tipo de alteração de comportamentos ou se abordam o assunto para não introduzirmos conteúdos precocemente sem necessidade”.
Para Inês Marques, da Oficina da Psicologia, “um bom princípio é, ainda antes de responder às questões, perguntar à criança ou pré-adolescente o que já sabe,
o que já ouviu falar e o que gostava de saber mais”. Desta forma,
acrescenta, a mãe ou o pai poderão “adequar o conteúdo e a quantidade de
informação, assim como a linguagem”.
Já Patrícia Câmara responde
com cautela, afirmando que “conhecendo os nossos filhos e se sabemos que
ficam mais impressionados com o tema devemos falar, mesmo que eles se calem.
Devemos gerir o assunto de acordo com o tipo de criança que temos e a
idade, mas sobretudo tentando não minimizar mas, por outro lado, não
tornando o assunto demasiado próximo”.
4 - Como evitar que as crianças fiquem com medo?
Dizendo que há mais pessoas boas do que más
Sem esconder os próprios receios — “porque o medo é uma emoção que
surge para nos proteger mas que muitas vezes é ativado em situações não
reais” –, os pais devem “passar, na medida do possível, confiança e
segurança aos filhos”, sublinha a psicóloga Inês Marques, e, para tal ,
devem insistir na ideia de que “a maioria das pessoas é boa e
não usa violência e que este grupo de pessoas más é uma minoria e que
estes atentados são circunscritos”.
Também a psicóloga Filipa Silva sublinha a importância de os adultos se acalmarem antes de falar com os filhos. “Importa primeiro regular as nossas próprias emoções
e então mais calmos podemos falar com as crianças. Se estamos a tentar
acalmar as crianças e não estivermos tranquilos elas vão sentir isso”,
começa por dizer Filipa Silva, para logo acrescentar que “é preciso
dizer que há mais pessoas boas do que más”. Além disso, “vale a pena
muitas vezes pegar no argumento de que estes atentados são distantes e
até se pode mostrar no mapa. Se a distância não puder ser usada como
argumento de segurança, podemos pôr o foco nas figuras policiais e dizer
que o senhor mau já foi apanhado”. Questionados sobre a
possibilidade de voltar a acontecer uma situação parecida, os pais devem
dizer a verdade: “pode acontecer, mas é pouco provável”.
Desde
logo “os pais têm de estar calmos e não passar o nervosismo porque a
criança fica mais aflita com a reação dos pais do que com o
acontecimento em si”, frisa o pedopsiquiatra Pedro Pires, que insiste na
ideia de que não se deve gerar alarmismo. “Não podemos passar a ideia
de um mundo perigoso porque isso pode criar na criança um medo excessivo
e generalizado. Os pais devem dizer que há de facto perigos, mas que, de um modo geral, o mundo não é perigoso.” E
na mesma onda, Isabel Abreu-Lima sublinha a importância de não passar a
ideia de que “o mundo e a vida são negativos e que não há nada a fazer
contra estes atentados”. “A mensagem deve ser sempre de esperança.”
“É
importante passar a mensagem às crianças que, aconteça o que acontecer,
há sempre alguém e que mesmo que estejam sozinhas vai sempre haver
alguém que vai ajudar, uma mão que vai aparecer. E que essas mãos, às
vezes, vêm de dentro de nós, da força interna das coisas boas que
vivemos”, aconselha a psicóloga Patrícia Câmara.
5-Qual o controlo em relação às imagens do atentado?
Pais devem controlar o acesso às imagens do atentado
Na opinião de Inês Marques, os pais devem “tentar que as
crianças não tenham demasiada exposição às imagens e vídeos porque as
crianças podem não ter maturidade suficiente para gerir essas
imagens violentas”. Também Filipa Silva alerta que “é preciso ter
cuidado com o tipo de imagem a que as crianças têm acesso. A criança
pode ver uma foto, não tem de ver 10”.
Também o pedopsiquiatra do Garcia de Orta não tem dúvidas que “a criança deve ser protegida dessas imagens” que vão sendo divulgadas dos momentos que sucederam à explosão da bomba artesanal. “Não é expondo a realidade crua que faz com que as crianças tenham noção da realidade.”
“A
gestão das imagens deve vir acompanhada da gestão de tudo o resto. A
exposição às imagens oferece um nível de crueldade às crianças que não
há necessidade”, defende a psicóloga Patrícia Câmara.
6 - Devo deixar a minha filha ou o meu filho ir ao concerto da Ariana Grande em Lisboa?
Não há decisões certas, nem erradas
Para o pedopsiquiatra Pedro este atentado não deve fazer os pais
mudarem de ideias “porque o atentado não teve a ver com a Ariana Grande.
O que se passou foi a utilização de um acontecimento”, embora “tenham o
direito de ter receio e não querer que os filhos vão. E aí devem ser
francos”. O médico deixa contudo claro que “reforçar a segurança só reforça a insegurança. O ideal é agir de forma natural”.
Também
Filipa Silva sublinha que “os pais têm total legitimidade de ficar
preocupados e que não há escolhas certas nem erradas” e nesse sentido
podem dizer que “neste momento, face à proximidade deste atentado, não
se sentem à vontade para ir ao concerto. É como se fosse uma ferida que
ainda está a sarar”. Porém, acrescenta, “há um princípio importante:
quando começamos a fortalecer o medo e contornar questões eventualmente
perigosas, começamos a encher um balão e se começamos a contornar tudo o que possa envolver perigo voltamos à era em que voltamos a ter crianças em casa”.
E, por isso, na opinião desta psicóloga a abordagem, perante a
insistência da criança ou pré-adolescente, pode ser outra: “fico mais
intranquilo do que estava, mas se queres ir vamos porque se não vamos
agora não vamos a mais nenhum concerto, nem tínhamos ido a Fátima ver o
Papa”.
Patrícia Câmara é igualmente da opinião que “reiterar o medo é dar força à parte maligna” e, por isso, “escondermo-nos em bunkers
não é solução”, até porque é preciso saber lidar com a
“imprevisibilidade da vida”, sendo certo que a última decisão caberá
sempre aos pais.
“Manter as nossas rotinas é importante”,
defende Inês Marques. E caso os pais sejam questionados sobre a
hipótese de vir a acontecer um atentado como o que teve lugar em
Manchester, devem ser “sinceros” e dizer que “pode acontecer, embora a
probabilidade de acontecer seja reduzida”.
Já a docente da Universidade do Porto, Isabel Abreu-Lima, vestindo a pele dos pais diz que “tentaria não tomar decisões já e abriria a porta para uma reflexão, tentando que a decisão fosse partilhada com a criança”.
“Adiar a decisão é o mais sensato porque em cima do acontecimento será
sempre não”, afirma, enfatizando que “a decisão diz respeito aos pais” e
que eles “têm de ser soberanos”.
* Uma notícia para reter.
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