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Valha-nos
o Tribunal Europeu
Discutem-se muito os pesos e as medidas do processo penal quando
estão em causa arguidos de nomes sonantes. E discute-se pouco, ou quase
nada, a forma como a Justiça de menores e família funciona no nosso
país, encriptada e sem margem de fiscalização pela opinião pública. E
devíamos refletir mais e exigir mudanças, como se vê pela decisão desta
semana do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que deu razão a Liliana
Melo.
Ao contrário de
Sócrates, Isaltino Morais ou Vale e Azevedo, esta mulher que em meados
de 2012 viu o Estado retirar-lhe seis dos 10 filhos não teve sequer
direito a um advogado na hora em que ouviu a decisão do juiz do Tribunal
de Sintra. Não é obrigatório, como no processo penal – o que veio a
revelar-se fatal para Liliana, que só teve advogado depois disso (um
patrocínio gratuito, diga-se). Nos tribunais superiores, foi sempre
perdendo – mas ganhou já duas vezes no Tribunal Europeu. A discrepância
das avaliações dá que pensar.
O caso foi denunciado nos jornais, nomeadamente no SOL, em janeiro de
2013. Saliente-se que no processo dos filhos de Liliana Melo não há
qualquer referência a maus tratos físicos ou psicológicos, ou a outro
tipo de abusos, concluindo-se até haver laços afetivos fortes na
família.
A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens remeteu a
responsabilidade para o Tribunal e disse que até tinha delineado um
plano que passava por intervenção junto da família. O Conselho Superior
da Magistratura garantiu que a decisão do juiz fundara-se «unicamente na
existência de perigo concreto e objetivo para os menores quanto à
satisfação das suas necessidades básicas».
Além dos pormenores que nos levam à chocante conclusão de que se
retiram crianças aos pais por estes serem pobres, o que impressiona
também é esta falta de responsabilização dos poderes públicos. Não sendo
Liliana um Sócrates, um Isaltino ou um Vale e Azevedo, não há
inquéritos nem uma reavaliação independente do que se fez até aí. Pelo
contrário: está feito e tudo muito bem feito. Porquê? Porque sim.
Mas a história não ficou por aí. Em maio de 2015, o Supremo Tribunal
de Justiça revalidou todo o processo. Deitando mão de uma boa dose de
valores moralistas pré-formatados, concluiu mesmo: «Em função da
realidade material que vem provada (uma família biológica
desestruturada, com um pai ausente do quotidiano dos filhos e a mãe com
um percurso de vida marcado por grande instabilidade afetiva,
profissional e manifestamente negligente em relação aos cuidados devidos
aos filhos menores, de higiene, saúde alimentação, habitacional e ao
nível da educação), configura uma situação potencialmente perigosa e,
por isso, não se verifica qualquer ilegalidade na decisão das
instâncias».
Claro que não interessou nada que entretanto tivessem decorrido mais
de três anos desde a decisão do Tribunal de Sintra e que as condições de
vida de Liliana tivessem eventualmente mudado. Nem que, como foi
relatado nessa altura, as instituições onde as crianças estão considerem
positivas as visitas e a relação da mãe com os filhos.
Tal como tem acontecido nos processos de abuso de liberdade de
imprensa – que têm valido a Portugal sucessivas condenações por
valorização em demasia do bom nome dos arguidos em detrimento da
liberdade de expressão –, o que nos vale é que ainda há outra Justiça em
Estrasburgo, menos condicionada e menos atávica. E neste caso, perante a
decisão que o Tribunal Europeu tomou esta semana, é dever das
instituições portuguesas promover agora a reunião de mãe e filhos, com o
plano de apoio que deviam ter implementado há quatro anos.
IN "SOL"
23/02/16
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