O futuro do poder militar
Por muito
insuspeita que seja a imparcialidade científica de um analista, e
sobretudo de um doutrinador, em relação à nacionalidade a que deve
lealdade (allegiance), a atenção de Joseph Nye ao poder militar não pode
deixar de ser condicionada quer pela sua experiência de governo, quer
pela longa e recompensada carreira académica.
Neste caso admito
que com vantagem para o rigor possível da prospetiva, numa circunstância
em que os juízos de certeza quanto ao futuro são impossíveis, os juízos
de probabilidade são uma audácia, e os juízos de possibilidade estão
sempre sujeitos à imprevisível variação das circunstâncias.
Por
isso é certamente com larga e fundamentada prevenção que no seu último
trabalho sobre "o futuro do poder", recentemente traduzido para
português, se ocupa do poder militar, em tese e particularmente em
relação aos EUA.
Na data em que se discute a reformulação do
conceito estratégico de defesa e segurança português, as observações do
professor merecem atenção, sobretudo não podendo deixar de ter em conta a
Aliança e, em relação a ela, expressa ou implicitamente, o que diz
respeito à pluralidade de interesses dos aliados, e o que interessa
especificamente aos EUA, ou que particularmente inquieta os cidadãos
americanos, como são os casos do Iraque e do Afeganistão: lembrando,
para marcar a mudança em relação aos tempos que vivemos, a fórmula
desatualizada de Napoleão, segundo o qual "Deus está do lado dos grandes
batalhões".
Tem interesse, sobretudo para os pequenos países,
inevitavelmente envolvidos, direta ou indiretamente, nos conflitos que
exigem o recurso à violência das armas, os motivos pelos quais considera
que a força militar, e o seu papel, diminuíram no século passado.
Em
primeiro lugar estima que os arsenais nucleares, em relação aos quais o
Irão é uma constante fonte de inquietações, estão a perder importância
porque os líderes avaliam a relação entre o seu custo e os objetivos que
razoavelmente tenham em vista, incluindo os custos humanos e devastação
inevitável.
Por isso, mesmo para os Estados emergentes, a sua
posse é mais dissuasora do que o seu uso; conclui assim que "as armas
nucleares continuam a ser importantes na política mundial, mas não como
arma de guerra". Por outro lado, adianta, as forças convencionais
tornaram-se excessivamente dispendiosas, lembrando que a França
conquistou a Argélia com 34 000 soldados mas não conseguiu manter a
colónia no século XX com 600 000. Finalmente, cresce nas democracias uma
ética antimilitarista, com menos efeitos nos EUA do que noutras
potências, segundo concede.
Infelizmente os factos, que não ignora
nem omite, vão demonstrando que a deterioração da paz, mesmo apoiada na
lógica e na argumentação da poupança, não só mantém o grave resultado
condenado pelos discursos dos projetistas da paz que deixaram tantas
palavras de esperança, como não impediu que o complexo militar
industrial tenha inspirado o desânimo de Eisenhower no seu discurso do
adeus.
É evidente que existem outros meios de conseguir a
hegemonia, quando o acordo falhe, designadamente a dependência
financeira e económica, mas basta ter lembrança das intervenções em
curso, para além dos variados conflitos armados locais que já tendem
todos para internacionais, para aceitar a evidência de que é a guerra o
que está é em mudança, falando-se na "guerra de quarta geração", e que a
dispensabilidade das Forças Armadas é negada pela evidência de que a
distinção entre civis e militares "pode vir a desaparecer".
A
novidade inquietante é que as guerras transnacionais ultrapassam as
antigas guerras entre Estados, e a segurança torna-se um desafio mais
complexo.
Propor uma estratégia inteligente da parte dos EUA é
uma regra já válida anteriormente à indefinida mudança para a chamada
quarta geração. O urgente parece ser definir uma política inteligente
para que o "interesse nacional permanente" não implique abandonar a paz.
25/09/12
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