Doenças raras:
o contributo
da investigação
Importa ter em conta que existem entre seis e oito mil doenças raras de causa genética e para a esmagadora maioria não dispomos de tratamento eficaz
Praticamente todos os métodos que se usam actualmente para tratar doenças, sejam elas raras ou mais frequentes, resultam da investigação científica. No caso das doenças raras, é frequente a causa da doença ser uma alteração que afecta um gene ou uma determinada região do genoma. Assim, o primeiro passo para encontrar um tratamento para cada uma destas doenças consiste em identificar qual a alteração genética que está na sua génese. Em seguida temos de perceber como aquela alteração genética provoca os sintomas da doença. Por exemplo, mutações no gene designado por ASS1 conduzem à síntese de uma enzima defeituosa, incapaz de libertar o corpo do azoto que se acumula nas nossas células quando ingerimos alimentos ricos em proteínas. O resultado é uma acumulação excessiva de azoto, sob a forma de amónia, no sangue. O aumento de concentração de amónia no sangue é particularmente tóxico para o sistema nervoso, pelo que as crianças afectadas por esta doença parecem normais à nascença mas rapidamente começam a perder energia, a ter convulsões e a perder a consciência. Sabendo o mecanismo da doença, estas crianças são tratadas com dietas especiais de baixo teor proteico e com medicamentos que ajudam a reduzir os níveis de amónia no sangue.
Infelizmente, existem muitas doenças raras para as quais não se sabe, ainda, qual o defeito genético. E para muitas outras, sabemos o mecanismo mas não temos tratamento. Felizmente, a investigação não pára de dar frutos. Desde 1983, o programa de apoio à investigação sobre doenças raras do National Institute of Health dos Estados Unidos deu origem a mais de 350 novas terapias. Durante o ano de 2011, são de salientar duas novidades farmacológicas, ainda em fase de ensaio clínico, para a doença de Fabry e para a fibrose cística.
E o futuro? Importa ter em conta que existem entre seis e oito mil doenças raras de causa genética e para a esmagadora maioria não dispomos de tratamento eficaz. Por outro lado a investigação tem sido lenta a dar resultados. Vejamos o exemplo da fibrose cística: o gene causador da doença foi descoberto em 1989 e apesar de muitos incentivos à investigação sobre a doença, passaram mais de 20 anos sem resultados significativos. Face a este cenário, há quem considere prioritário apostar na prevenção. A prevenção de doenças genéticas passa por analisar todos os genes de cada indivíduo e, no caso de se detectar uma mutação, desencorajar essa pessoa a ter filhos. Apesar de ser já tecnicamente possível fazer isto, trata-se de uma opção polémica. Uma alternativa preventiva consiste no diagnóstico pré-implantatório. No caso de um indivíduo ser portador de uma mutação que causa doença genética e quiser ter filhos, pode recorrer à fertilização in vitro (isto é, são retirados óvulos da mãe e espermatozóides do pai e a fertilização é feita num tubo de ensaio). Os óvulos fecundados começam a dividir-se no laboratório, sendo possível retirar uma célula destes embriões e analisar os seus genes. Apenas os embriões que não possuem o gene mutado são implantados no útero da mãe, assegurando assim o nascimento de uma criança saudável.
Finalmente, importa realçar o papel que as associações de doentes tem tido e vão certamente ter ainda mais no futuro. Por todo o mundo, estas associações têm sido determinantes para o desenvolvimento de programas de investigação em doenças raras. Mas pela frente temos ainda um longo caminho a percorrer. É fundamental aproximar mais as associações dos investigadores, partilhar conhecimento e decidir estratégias em conjunto. Em particular no campo da prevenção de doenças genéticas, uma possibilidade seria organizar grupos de famílias afectadas por doenças de causa ainda desconhecida e analisar o genoma completo destes indivíduos com as actuais tecnologias de sequenciação de ADN de forma a rapidamente identificar qual o gene mutado em cada família.
* Coordenadora executiva do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa
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27/02/12
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