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IN "OBSERVADOR"
30/07/18
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2050
O ano de todas as certezas
na condução autónoma
A que distância estaremos realmente do objetivo de sinistralidade
zero, traçado para o ano 2050 à custa de uma frota integralmente
composta por veículos autónomos?
A que distância estaremos realmente do objetivo de sinistralidade
zero, traçado para o ano 2050 à custa de uma frota integralmente
composta por veículos autónomos, capazes de artificialmente percecionar,
compreender e agir-decidir, sem intervenção humana?
Para
conseguir deslocar-se de um destino para outro, evitando obstáculos e
acidentes e estacionando em segurança, sem intervenção humana, um
veículo autónomo precisa de combinar sensores e sistemas de inteligência
artificial mimetizando o que se esperaria de um condutor perfeito e
infalível. No coração de um carro autónomo residem sistemas, que criam e
gerem mapas do ambiente envolvente com base no input recebido dos sensores nele instalados, como por exemplo radares, lidares e câmaras.
O software processa e mapeia os inputs recebidos, pondera-os de acordo com o seu nível de inteligência (que inclui regras core inegáveis, algoritmos para evitar obstáculos, modelação preditiva, software
de identificação/descriminação de objetos) e decide, enviando
instruções que os demais componentes executam, determinando por exemplo
que o veículo circula a determinada velocidade, toma certa direção,
pára, arranca ou trava em determinado momento. Quanto mais robusta e
evoluída for a inteligência artificial, mais eficaz e eficiente será o
veículo autónomo e menor necessidade de controlo humano se justificará.
A Autoridade norte-americana para a segurança rodoviária e de tráfego nacional (National Highway Traffic Safety Administration)
definiu 5 níveis de evolução contínua na tecnologia de condução
autónoma. No nível 0, sem automação, o condutor humano tem controlo
total do veículo. Entre os níveis 0 e 4 os humanos têm, um cada vez,
menor nível de controlo, mas, em situações de crise, em que o software
não consegue ter um nível de segurança adequado para reagir, devolve o
controlo ao condutor humano, que decide. No nível 4, o veículo é
conduzido sem qualquer controlo humano, não dispondo sequer de volante
ou pedais.
O objetivo que abre este artigo encerra a ideia de que
os veículos possam vir a ser capazes de cumprir todos os desafios de
condução, em segurança e de acordo com a regulação rodoviária num nível
4, sem qualquer intervenção humana. Na presente data, a linha de carros
autónomos Alphabet não tem volante e é uma aposta em veículos de nível
4. Os fabricantes Lyft, Uber e Volvo têm apostas igualmente radicais e
perseguem soluções de automatismo integral, estando apostados em dirimir
barreiras legislativas ao mesmo tempo que procuram uma
consciencialização crescente e um aumento da empatia global do público
pelos carros completamente autónomos.
A iniciativa “Self-Driving
Coalition for Safer StreetsOpens a New Window” é um esforço de
materialização concreta desses objetivos. Na Europa, a Alemanha permitiu
que a Volkswagen começasse a testar carros capazes de deslocação e
auto-estacionamento no Aeroporto de Hamburgo. A Volvo está a testar
carros e autocarros autónomos em Estocolmo e, na Holanda, a Amber
Mobility está prestes a lançar um serviço contando com carros autónomos
elétricos. No Reino Unido o Governo lançou recentemente a iniciativa de
condução autónoma (a UK Autodrive initiative) mas cautelosamente está
também a proceder a uma avaliação da segurança com uma base trianual,
não tendo ainda aprovado a realização de testes nas redes viárias
públicas. Igualmente sem pedais e sem volante, o AUTONOM SHUTTLE, do
fabricante Navya, move-se eficientemente e consegue tomar decisões com
elevado nível de segurança e acuidade, muito embora percorrendo pequenos
percursos de forma controlada em cidades como Perth, Las Vegas,
Christchurch, Michigan ou Londres.
Contrastando com os exemplos de
iniciativas de nível 4 – já muito alinhadas com os objetivos do ano
2050 – e essencialmente direcionadas a serviços públicos no que concerne
a consumidores finais a oferta é, ainda e essencialmente, de
semi-automação, permitindo que o condutor assuma o controlo, ou que o
próprio veículo lho devolva se for incapaz de decidir-agir em
determinado momento crítico de condução.
Pretende-se idealmente
que, se a máquina não conseguir decidir-agir, o Homem assuma o controlo e
decida (bem) em sua substituição. Noutro cenário, igualmente ideal, se a
máquina estiver prestes a cometer um erro, a vigilância e atenção do
Homem deverão permitir tomar-lhe o controlo e evitá-lo. A máquina deverá
ir interiorizando e aprendendo com o que observa na condução humana
(devolvida ou tomada), enriquecendo a sua aprendizagem natural profunda e
evoluindo na sua capacidade intelectual (artificial).
Sucede que o
equilíbrio complementar de forças entre Homem e máquina, que deveria
permitir uma evolução rápida e consiste da inteligência artificial, não
tem sido linear. Os acidentes ocorridos em maio de 2016 e de 2017 nos
Estados Unidos (um dos quais, com uma vítima) servem, não só para
questionar o nível de maturidade da tecnologia, mas também para colocar
um ponto de interrogação sobre a efetiva capacidade do Homem para
superar a tecnologia em situações de crise ou de particular tensão.
Em
qualquer um dos acidentes de viação ocorridos, o condutor não foi capaz
de assumir o controlo de condução, corrigir a mesma e evitar o
acidente, estando em linha com os estudos científicos que demonstram
que, em geral, os seres humanos têm muita dificuldade em decidir de
forma rápida e em segurança, justificando os níveis de sinistralidade
por “falha” humana acima de 90%.
No entanto, tem sido muito
difícil à inteligência artificial apreender aspetos da ação-reação
humana.
Os humanos tomam decisões aleatórias, não têm capacidade
ilimitada de observação e de perceção, não decidem por layers,
de forma síncrona e estruturada, são condicionados por contexto,
preconceito, experiência, raramente têm um índice de vigilância e
atenção que lhes permita sequer estar próximo da infalibilidade e têm um
número de neurónios e sinapses que os levam a ponderar o imponderável e
a agir de acordo com uma complexa e intrincada rede de valores, por
ora, ainda difíceis de replicar (sequer por aproximação) pela rede
neuronial mais sofisticada que existe.
Talvez devido a tão Humana
complexidade, os cidadãos continuam reticentes a uma incondicional e
irrevogável entrega de controlo da condução a uma máquina, ainda que,
objetivamente, seja mais provável ter um acidente determinado por falha
humana. A remota e improvável hipótese de a Inteligência Artificial
poder decidir sacrificar a vida de um condutor em prol da defesa de um
outro valor é (compreensivelmente) desconfortante, mais ainda se estiver
em causa a hipótese de um risco fatal associado à nossa integridade
física ou à dos nossos entes queridos, ainda que, na mesma situação,
pudéssemos decidir de igual (ou pior) forma.
No fundo, à questão
se mandaríamos os nossos filhos para a escola num veículo autónomo com
uma probabilidade de acidente de viação mortal de (apenas) 0,001% (muito
inferior ao risco inerente a uma condução humana), muito provavelmente
responderíamos negativamente e com uma fundamentação eminentemente
emocional.
Neste contexto, os cientistas definiram um novo desígnio para a Inteligência Artificial de veículos plenamente autónomos.
A infalibilidade.
Apenas
esta parece, objetivamente, não estar presente no Homem e poder
justificar, numa relação de custo-benefício, a entrega do controlo da
condução à máquina. Apenas este grau de maturidade e robustez para a
Inteligência Artificial parece ser suficiente para contrariar o
ceticismo e desconfiança dos cidadãos na mobilidade plenamente autónoma,
viabilizando-se um futuro querido, de plena automação de condução e
sinistralidade zero.
No Instituto de Investigação Toyota, no MIT, o
cientista Ryan Eustice e a sua equipa estão atualmente focados no
desenvolvimento de um carro incapaz de causar acidentes. Ali perto,
outros investigadores norte-americanos procuram poder contribuir com o
treino profundo de Inteligência Artificial (Deep Learning) para a capacidade de decisão de acordo com os valores da defesa e preservação da vida humana e da ordem social.
Se tudo correr bem, pode ser que 2050 se cumpra antes do tempo que falta para lá chegar.
Sócia fundadora da Techlawyers e é especialista na área da
tecnologia, inovação e criatividade. Advogada desde 1997, teve desde
cedo contacto com as primeiras tecnológicas multinacionais que chegaram a
Portugal no final dos anos 90 (v.g. Cisco Systems e AMS). Foi
responsável da Direção Jurídica da tecnológica Novabase (2002-2017) e em
parceria com a sociedade de advogados pbbr fundou a Techlawyers by
pbbr, um novo conceito na área da advocacia que atua transversalmente no
setor da Tecnologia, IT e indústrias da criatividade e inovação.
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30/07/18
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