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IN "OBSERVADOR"
17/07/18
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A NATO, a Rússia
e o fim de uma era
A trave-mestra da estratégia norte-americana consiste em
privilegiar a relação com a Rússia. Uma parceria para contrabalançar a
China. Neste contexto os aliados europeus tornaram-se quase dispensáveis.
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Gostaria de fazer um ponto prévio: não se deve olhar para a viagem
do presidente norte-americano como visitas-cimeiras distintas umas das
outras, mas um todo indivisível. O mais importante não foi o que se
disse nas conferências de imprensa. Foi a forma como a NATO e a
Grã-Bretanha foram tratadas, como estados dependentes e pouco
importantes para os Estados Unidos, enquanto a a Rússia foi alvo de
todas as deferências.
A Cimeira de Bruxelas veio mostrar aquilo
que já se suspeitava: acabou-se a aliança entre democracias, e deu-se
início a uma nova organização que de semelhante com à anterior pouco
mais tem o nome. Não houve propriamente nada de novo: os países
reiteraram as suas promessas (feitas a Barack Obama na Cimeira de Gales
de 2014) de aumentar paulatinamente a percentagem do seu PIB em gastos
de defesa até 2024. Mas instalou-se uma espécie de drama diplomático em
vários atos, com Tump a engasgar Merkel ao pequeno-almoço ao apontar a
dependência energética alemã da Rússia, e a interromper as reuniões
agendadas para voltar a falar do contributo dos aliados europeus.
Disse-se,
inclusive, que o presidente americano terá ameaçado deixar a
instituição. Mesmo que não tenham sido estas as palavras de Trump, o
certo que houve “reunião de emergência”. Mas muito mais importante: não
terá havido grandes debates sobre os temas regionais de segurança que
estariam na agenda. E esta omissão acaba por ser a mais forte expressão
de forma diminuída como os Estados Unidos da America vêm a Europa. Como
um “foe” (prefiro a expressão em inglês, porque a tradução é dúbia,
correspondendo mais ou menos a um entidade com a qual se está em
competição) no qual não reconhece importância suficiente para discutir
assuntos de defesa comum.
Esse papel coube à Rússia. Na primeira
cimeira bilateral entre os dois países, Donald Trump e Vladimir Putin
sentaram-se a debater todos os assuntos de segurança e economia que
afetam a região. Do DAESH e da Síria à proliferação nuclear e à
cooperação comercial. Ter-se-á até debatido a situação na Ucrânia. Ao
contrário do que fez com os parceiros de sempre, o presidente americano
tratou Putin como líder de uma grande potência com deveres e
responsabilidades. Como parte da solução e não parte do problema. Mais
significativo ainda, foram duas declarações que elucidam para onde
querem que caminhe a relação bilateral: falaram de Xi Jinping e declaram
estar no caminho da cooperação. E Trump ainda enalteceu a sua própria
ousadia política em romper com a longa inimizade entre Washington e
Moscovo.
Destes episódios, que não ocorreram por acaso em menos de
uma semana (aos quais se podem acrescentar uma relação cada vez mais
incómoda com o Canadá, um elogio a Boris Johnson e uma descompostura da
Theresa May), podem tirar-se várias conclusões. A primeira é prosaica,
mas não menos importante – e já foi foi referida aqui noutras ocasiões.
Trump pode ter uma personalidade que desconcerta os chefes de estado,
mas já vai sendo tempo de percebermos que há uma estratégia concreta e
coerente relativamente ao mundo em geral e ao espaço euro-asiático em
particular.
Em segundo lugar, a trave-mestra dessa estratégia
consiste em privilegiar uma relação com a Rússia. Uma parceria até, se
possível. É certo que Trump nunca escondeu a sua admiração por Putin,
mas a razão principal é que a administração acredita que Moscovo é o
único estado capaz de conter a China que, não tenhamos dúvidas, é a
maior preocupação de Washington.
Em terceiro lugar, os aliados
europeus tornaram-se praticamente dispensáveis por três razões. Porque a
visão americana de que os Estados Unidos deviam valorizar as relações
com as democracias acabou, e em vez dela surgiu uma nova em que a União
Europeia prejudica os EUA não só em questões económicas (é importante
não esquecer que há uma guerra comercial em curso), como em questões de
segurança (os EUA pagam pela defesa europeia sem receberam nada em
troca). Também porque Trump não se dá bem com fóruns multilaterais.
Prefere chefes de estado com quem possa negociar de um para um do que
complicadas relações institucionais burocráticas e demasiadas amarras
normativas. Finalmente, porque, precisamente devido à sua fraqueza
militar, a Europa tem pouco a contribuir para as necessidades de
segurança dos Estados Unidos.
Em dois anos o mundo mudou
consideravelmente. Ironicamente, não tanto pela ascendência chinesa,
como esperávamos, mas porque a ainda única grande potência, os Estados
Unidos, se tornou, novamente, revisionista. Partindo dos princípios que
os EUA são um estado “normal” sem obrigações de criação de ordem e sem
restrições normativas, e que todos os estados são inimigos dos Estados
Unidos até prova em contrário, Trump reformulou toda a política externa
do seu país até esta ficar quase irreconhecível. Mas não é uma questão
de personalidade. É uma questão de visão do mundo em que os mais fortes
cooperam e competem de acordo com os seus interesses. E os mais fracos
adaptam-se.
Podemos argumentar que este é um revisionismo
temporário, até pela resposta do Congresso, que parece não estar pelos
ajustes com a política de Trump. Mas ainda assim, a Casa Branca tem um
poder muito vasto no que respeita à política externa e estas mudanças
uma vez implementadas, podem ser mais duradouras do que um (ou dois
mandatos) de um presidente. E porque há muitas razões para se duvidar da
viabilidade da parceria Washington-Moscovo. Mas entretanto a Europa não
pode ficar de braços cruzados. É que, bem vistas as coisas, uma Rússia
mais forte com a conivência americana, enquanto ainda estamos
fragilizados pela nova visão geoestratégica dos EUA, pode ser uma ameaça
à Europa, que surja bem mais depressa que a preponderância chinesa de facto no mundo.
IN "OBSERVADOR"
17/07/18
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