Os cães do mercado
que não ladraram
A expansão global e o mercado touro continuarão, mas a liderança passará da América para as economias mais promissoras da Europa, Japão e para o mundo emergente.
Há três meses argumentei que a subida dos mercados de acções em todo o
mundo era uma consequência da melhoria das condições económicas, e não
um sinal de "exuberância irracional".
Desde que esse comentário foi
publicado, a subida dos preços das acções acelerou e começou a aparecer
alguma "exuberância irracional", levando a uma queda acentuada no início
de Fevereiro. Embora a maioria dos mercados de acções ainda esteja bem
acima dos níveis de Novembro passado, a questão persiste: terá a
inversão de Fevereiro marcado o fim do mercado touro [bull market] ou
terá sido apenas uma correcção temporária?
A
evidência mais forte, como Sherlock Holmes poderia ter observado, vem
do cão que não ladrou [alusão à história de Arthur Conan Doyle "Silver
Blaze"]. Mais precisamente, vem de três cães de guarda - preços do
petróleo, taxas de juro de longo prazo dos EUA e divisas - que dormiram
pacificamente no meio da agitação em Wall Street.
O
porquê dessa evidência ser tão significativa torna-se claro quando
reconhecemos que os principais riscos para a economia global são agora
completamente diferentes do "Novo Normal" da estagnação secular, da
recessão e da instabilidade europeia com que os mercados se preocuparam
na última década. As ameaças reais à expansão global e aos preços dos
activos provêm agora da aceleração da inflação, crescimento
insustentavelmente rápido e má gestão política nos Estados Unidos.
Destaquei
alguns motivos para essa inversão na minha análise anterior: a economia
mundial está agora a todo o vapor. Todas as regiões estão a seguir o
guião norte-americano pós-2008 de estímulos monetários agressivos e
recapitalização bancária, mas com longos atrasos que variam de três anos
no Japão e na China a seis anos na Europa e ainda mais em grandes
economias emergentes, como a Índia, a Rússia e o Brasil.
O
perigo de uma recessão ou de uma grande desaceleração desapareceu na
maior parte da economia mundial, pelo menos no que respeita ao próximo
ano ou dois. Mas o crescimento económico não elimina os riscos
financeiros. Pelo contrário, alguns dos maiores colapsos dos mercados de
acções ocorreram durante períodos de crescimento rápido, geralmente
desencadeados pela aceleração da inflação e pelo aumento das taxas de
juro.
A questão agora é se esses riscos relacionados com a
inflação estão ou não a surgir no horizonte. Ou será que ainda é muito
cedo para nos preocuparmos com o sobreaquecimento, uma vez que a
inflação na maioria das economias ainda é igual ou inferior a 2%, as
taxas de juro ainda são negativas no Japão e na Europa, e muito trabalho
e capital continuam subempregados?
É na resposta a esta
questão que devemos notar os cães que não ladraram. A maior ameaça à
inflação este ano vem do aumento dos preços do petróleo. A queda dos
preços do petróleo de mais de 100 dólares por barril em 2014 para o que
parecia um patamar estável em torno dos 50 dólares foi uma grande
vantagem para a economia mundial. Mas os preços do petróleo dos EUA
superaram os 50 dólares no outono passado, e em Janeiro já estavam a
caminho dos 70 dólares, com muitos traders a anteciparem um regresso à
casa dos 100.
A subida dos preços do petróleo, numa altura
em que a inflação já está a aumentar, seria um desastre para a economia
mundial, forçando os banqueiros centrais a elevarem as taxas de juro de
forma agressiva e provocando possivelmente um movimento acelerado de
venda de títulos de longo prazo. Mas, felizmente, os preços do petróleo
não continuaram a subir à medida que os preços das acções diminuíram. Em
vez disso, caíram bruscamente. Se os preços do petróleo estabilizarem
perto do seu nível actual, o risco mais imediato para a economia mundial
e para o mercado touro nas acções terá sio removido.
O
mercado de obrigações dos EUA foi o segundo cão que não ladrou, embora
tenha ficado mais agitado. Muito se escreveu sobre a subida dos juros
das obrigações do Tesouro a dez anos de cerca de 2,5% no início de
Janeiro para quase 3% hoje. O que é realmente significativo, no entanto,
é que o nível de 3%, que serviu de tecto desde 2011, não foi violado.
Se os juros das obrigações dos EUA aumentassem substancialmente acima de
3%, isso aumentaria as dúvidas sobre as avaliações dos activos dos EUA.
Mas isso ainda não aconteceu - e, mais importante ainda, o mercado
obrigacionista parece acreditar que uma subida sustentada acima de 3% no
futuro previsível é muito improvável.
A complacência do
mercado obrigacionista em relação às taxas de juro e à inflação dos EUA
pode ser surpreendente - e na minha opinião, será um erro caro em algum
momento - mas é um facto. A prova é que a yield das obrigações dos EUA a
30 anos ainda está apenas nos 3,2% - exactamente onde estava há um ano e
na maior parte de 2015 e 2016. É quase um ponto percentual abaixo do
nível de 2013 e dois pontos abaixo do nível de 2007. Por outras
palavras, o mercado de obrigações acredita que as perspectivas de longo
prazo para o crescimento e inflação são mais ou menos as mesmas do
período de 2015 até ao início do ano passado - e muito mais fracas do
que há uma década.
Esta confiança pode desaparecer no
futuro, se os investidores em obrigações ficarem despertos para os
riscos de longo prazo relacionados com a inflação e o desregramento
orçamental dos Estados Unidos. Quando isso acontecer, as yields de longo
prazo subirão de forma acentuada e os investidores terão com que se
preocupar. Por enquanto, o comportamento das taxas de juro de longo
prazo dos EUA traduzem uma confiança quase inabalável entre os
investidores de que a inflação nunca mais se tornará uma séria ameaça,
apesar da decisão do presidente Donald Trump de reduzir os impostos,
aumentar os gastos do governo e abandonar os limites do défice numa
economia que já está muito próxima do pleno emprego.
Isso
dirige a nossa investigação para o terceiro cão que não ladrou. As
divisas ficaram praticamente impassíveis com a agitação no mercado de
acções. Esta quietude faz sentido: se os investidores não estão
perturbados pelas pressões inflacionárias na economia dos EUA,
certamente podem estar muito mais confiantes em relação ao resto do
mundo. Na Europa, no Japão e em muitos mercados emergentes, os aumentos
cíclicos são mais recentes, a inflação é menor e a gestão económica é
mais sólida do que nos EUA. A implicação é óbvia: a expansão global e o
mercado touro continuarão, mas a liderança passará da América para as
economias mais promissoras da Europa, Japão e para o mundo emergente.
Economista-chefe e co-chairman da Gavekal Dragonomics e o autor de Capitalism 4.0, The Birth of a New Economy.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
13/03/18
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