23/12/2017

BRUNO FARIA LOPES

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O resgate público 
encapotado do Montepio

Por que razão haveria a Santa Casa de concentrar um investimento significativo numa participação sobrevalorizada num banco que provavelmente precisará de mais capital?

Por que razão decidiria a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) concentrar um enorme investimento numa participação accionista num banco? Ou melhor: por que razão acharia uma instituição vocacionada para o apoio social que um banco com uma carteira de crédito problemática e um ambiente regulatório que exigirá mais capital no futuro é a melhor opção para canalizar até 200 milhões de euros? Melhor ainda: porque admitiria o provedor da SCML comprar uma participação de apenas 10% nesse banco por um valor inflacionado?

Até ontem a tese oficial para este negócio era a que o actual provedor da SCML, Edmundo Martinho, defendeu em tom cândido em entrevista ao Público: ao entrar no Montepio, a SCML espera "poder ter uma palavra a dizer de modo a que o banco Montepio se centre na economia social". A tese das boas intenções é areia para os olhos. Ninguém consegue explicar como se transforma um banco comercial a sair de dificuldades num "banco social" - na verdade ninguém sabe explicar o que é um "banco social" -, nem como uma instituição que fica com 10% de outra pode reorientá-la para aquilo que ela não é. A explicação para o negócio, a verdadeira, foi sinalizada ontem no Parlamento por nada menos que próprio primeiro-ministro: "Preservar a Associação Mutualista é preservar a poupança de milhares de portugueses". A prioridade não é o retorno para a Santa Casa.

Depois de estabilizados os maiores bancos, a Caixa Económica Montepio é a maior preocupação do Banco de Portugal e das Finanças. O banco tem feito parte do caminho das pedras, mas deverá precisar de mais capital, até para cumprir com a nova regulação financeira. É importante atrair um parceiro, mas não um parceiro qualquer. Isto porque para a Associação Mutualista, o único accionista da Caixa Económica, é muito importante que a entrada desse parceiro não seja feita ao preço de mercado, inferior ao contabilístico.

O banco é o activo principal do universo empresarial da Associação Mutualista, cuja situação consolidada negativa não conhecemos pelo menos desde 2015, já que a equipa de Tomás Correia não publica as contas de 2016. Para quem tem as poupanças em aplicações na Associação, a respectiva situação financeira importa - pode ser invocada para justificar penalizações quer nos juros, quer no capital das mesmas. Isso seria uma surpresa para muita gente que pensa que as suas aplicações têm a mesma garantia que um depósito - e mais um vexame para a regulação (a supervisão da Mutualista cabe à Segurança Social).

Para conseguir o 'bailout' dos mutualistas, e ajudar a estabilizar o banco, alguém no Governo e no Banco de Portugal se lembrou que a SCML é o accionista ideal para sofrer um "bail-in": tem bolsos fundos, o dinheiro é de todos e não é de ninguém e a administração responde à tutela da Segurança Social. Assim se percebe como o provedor da SCML aceita um investimento que, contrariando as regras da diversificação, não só não vai gerar retorno, como deverá obrigar a reforços de capital no futuro - ou como admite pagar pelo Montepio como se este valesse mais do que o maior e mais bem gerido BPI. 

Mais de 85% da receita da SCML vem do monopólio exclusivo dos jogos sociais concedido pelo Estado para uso em fins sociais, em substituição desse mesmo Estado. Aquele dinheiro é, em substância, dinheiro público. A concretizar-se nos termos noticiados, a entrada da SCML no Montepio será um resgate público, encapotado, dos mutualistas do Montepio à custa das finanças de uma instituição secular de apoio social. Será, de caminho, um resgate da actuação de Tomás Correia, que segue à frente da Associação Mutualista e que condiciona a gestão da Caixa Económica, apesar dos processos do regulador e das suspeitas da Justiça sobre a sua má gestão passada. Parece coisa de outro tempo. Irá mesmo acontecer em 2018?

Jornalista da revista Sábado

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
21/12/17


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