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OE 2017:
a resposta aos críticos
Duas coisas são certas: há espaço e necessidade de melhorias na
especialidade do OE2017, mas não há nenhuma “folga orçamental”, A haver
aumentos de despesa só acompanhados por aumentos da receita.
Na última semana houve várias críticas a medidas do Orçamento quer
de economistas que apoiam esta solução governativa (Louçã, Ricardo
Cabral, Mariana Mortágua) quer de críticos (Helena Garrido, Pedro Mota
Soares entre outros). Respondo aqui aos críticos, deixando para o fim o
tema mais complexo das pensões.
Qualquer pessoa sensata perceberá que
Portugal está, e permanecerá, em estado de alerta económico-financeiro
enquanto tiver dívida pública e privada desta magnitude e registar um
fraco crescimento. Um corolário elementar: não é possível reduzir
simultaneamente o défice orçamental, o peso da dívida, a carga fiscal e
manter a qualidade dos serviços públicos. Neste sentido, nesta
legislatura não será possível reduzir a carga fiscal pois, a existir,
significaria uma deterioração dos serviços públicos em particular na
saúde e educação.
A redução do défice terá de provir de um crescimento
nominal da despesa inferior ao crescimento do PIB (o que obriga a um
controlo do aumento das pensões) e a um aumento da receita efetiva não
tributária, para que possa ser mantida a carga fiscal que não deverá
subir. Como referi, este OE2017 vai, e bem, no sentido de construir uma alternativa. Porém, não é o OE ideal do PS, mas sim o que resulta de negociações e compromissos com os seus parceiros à esquerda.
1. Austeridades.
Medir a consolidação orçamental
discricionária não é fácil (trata-se da variação do saldo estrutural
primário que é estimada). De qualquer modo a análise do período 2011 a
2017 é inequívoca. Usando dados da AMECO,
a execução do OE2012 foi o que levou à maior consolidação/austeridade
efetiva (+3,7%), seguido do de 2014 (+1,2%). No ano de 2015 já sabemos
que o período pré-eleitoral levou a uma política expansionista (-0,8%) e
em 2017 espera-se alguma contração (+0,6%). Não só este OE é muito
menos contracionista que os de 2012 e 2014, como adopta medidas que não
são austeritárias, a menos que se considere austeritário o aumento dos
dividendos do Banco de Portugal (BdP) para o Tesouro. Importa lembrar
que esta medida teve na sua génese um artigo de Ricardo Cabral
e tem vindo a ser bem estudada. Como diz apropriadamente Nicolau Santos
no Expresso: “Faz sentido que o BdP passe para os mercados (na
sequência de provisões excessivas) a mensagem que pode haver um default
na dívida portuguesa?” Não faz. Um dos dois desafios colocados a todos
os economistas é o de encontrar soluções de consolidação orçamental,
como esta, que não signifiquem austeridade, por exemplo com medidas que
levem a uma redução dos encargos da dívida no PIB (o maior rácio da
União Europeia) ou do saldo primário.
2. Défices.
Não sabemos qual será o défice deste
ano, mas deverá rondar os 2,5% do PIB, e muito menos sabemos o do
próximo ano, apenas temos o objetivo de 1,6% do PIB. Parece-me muito
exigente, mas mais do que o défice é preciso ver o que ele representa.
Do lado da receita significa um desagravamento da tributação dos
rendimentos do trabalho, e do lado da despesa um aumento de apoio a
grupos vulneráveis (portadores de deficiência, entre outros) ou
potencialmente carenciados (recipientes de baixas pensões).
3. As prestações sociais
Representarão, em 2017,
40,9% da despesa pública face a um peso de 41,1% em 2016. Esta
diminuição, ligeira, naquilo que é a principal componente da despesa
pública deve-se a um crescimento da despesa a uma taxa menor do que o
crescimento do PIB. Nas prestações, o peso das pensões da segurança
social e CGA é significativo. A verificarem-se os aumentos requeridos
nas eleições pelo Bloco de Esquerda ou o PCP, o défice e a dívida
disparavam. O rating da república, dado pela DBRS, descia, o BCE deixava
de nos financiar e sairíamos do euro. Pode fazer sentido para alguns,
mas não para o PS. É necessário muita moderação e seletividade na
atribuição das prrstações. O compromisso do OE2017 é manter a aplicação
da lei no tocante à actualização das pensões e adicionalmente aumentar
em 10 euros (referente a 2016) todas as pensões de menos de 625 que
estiveram congeladas nos últimos anos, o que abrangerá cerca de 1,5
milhões de pensionistas.
4. Investimento público e privado.
Existe
estabilidade fiscal neste orçamento o que é bom para as empresas e volta
a haver incentivos para o desenvolvimento do interior. Há um conjunto
de medidas para promover o investimento (programa Capitalizar e Semente,
abolição do IVA alfandegário), mas diria que o essencial da capacidade
de promover o investimento não decorre do Orçamento. Passa pelo acelerar
decididamente a execução dos fundos estruturais e por uma aposta
efetiva na Instituição Financeira de Desenvolvimento. Os países que têm maior taxa de execução do Plano Juncker são países que têm bons e efetivos “Bancos de Fomento”.
5. Tributação de alojamento local (AL).
Aqui está
uma medida que mais do que o impacto na receita tem um claro objetivo de
políticas públicas. O diferencial enorme de tratamento fiscal entre as
receitas de rendas e as de AL, favorável a estas últimas, tem tido
consequências algo dramáticas: o aumento da oferta de AL em detrimento
do mercado de arrendamento, a subida das rendas, a desertificação das
grandes cidades dos seus residentes “autóctones”. Não sendo a única
medida para lidar com este problema, a fiscalidade é uma via. Claro que o
arrendamento local tem custos para o proprietário (água e luz por
exemplo) que ele não incorre no caso do arrendamento. Por isso se
manteve um diferencial fiscal, mas não tão acentuado.
6. Impostos indiretos.
Há impostos especiais sobre o
consumo que geram pouca receita, mas justificam-se pois alteram de
forma desejável o comportamento dos agentes. É o caso do imposto sobre
bebidas açucaradas com receita consignada à saúde. Totalmente de acordo.
Há alterações nos impostos indiretos – subida do IVA da hotelaria para a
taxa intermédia que gerariam uma receita significativa, são racionais, são pagos
essencialmente por não residentes, não afectariam a competitividade
turística do país e não foram mexidos. Lastimo não constar deste OE, mas
vale a pena reter para quando chegarmos ao OE2018 e tivermos algumas
necessidades de despesa inadiáveis a ser cobertas por receitas “não
austeritárias”.
7. Transparência, imposto sobre o património e sobretaxa.
Já abordei acima tópicos do artigo de Helena Garrido
com os quais discordo. Agora as concordâncias: o mapa com as receitas
fiscais do Estado previstas para 2016 e orçadas para 2017 devia constar
no Relatório; o imposto sobre o património (com o qual discordo) e a
reversão da sobretaxa parecem-me mal desenhados técnica e
legisticamente, mas deixarei estes aspetos para posterior análise na
especialidade.
8. Pensões mínimas.
No que toca às pensões mínimas,
abriu-se um debate sobre a eventual aplicação no futuro de condições de
recursos nas do regime não contributivo. Primeiro foi o
primeiro-ministro António Costa e o ministro Vieira da Silva a iniciarem o debate, depois Francisco Louçã a dar avisos a António Costa, depois Ricardo Cabral e agora é Pedro Mota Soares do
CDS-PP a desafiar o Bloco e o PCP a apoiarem a proposta do CDS de
aumentos de todas as pensões mínimas e rurais. Esta estranha
convergência de posições da extrema-esquerda e da direita mais à direita
só pode decorrer do populismo de quem não está no poder e quer retirar
os louros de propostas irrealistas mesmo sabendo que não podem ser
aprovadas. Valha-nos aqui alguma sensatez atual do PSD nesta matéria.
Vejamos primeiro o que fez Mota Soares e o governo PSD-CDS (ver
tabela) enquanto estiveram no poder. Actualizou as pensões mínimas mais
baixas (pensão social, rural e as de pensionistas com menos de 15 anos
de descontos), mas congelou todas as restantes pensões mínimas. Isto
significa que um pensionista (com as regras antigas, pois com as novas
tal não é possível) que tenha descontado apenas 10 anos viu aumentada a
sua pensão de 246 para 262 euros, e um pensionista com 20, 30 ou 40 anos
de descontos viu congelada a sua pensão estatutária mínima nestes cinco
anos. Para obviar a esta injustiça é que o OE2017 se propõe fazer a
atualização extraordinária da pensão daqueles que viram congelada a sua
pensão.
E o que podemos nós saber sobre a situação económica destes
pensionistas, nomeadamente os que têm pensões mais baixas? Efetivamente
pouco. Muitos poderão ter rendimentos baixos, e nesse caso terão acesso
ao complemento solidário para idosos (CSI) que é uma prestação
complementar, com condição de recursos, atribuída a pensionistas de
baixos rendimentos e é o principal instrumento de combate à pobreza nos
idosos. Aqui os dados são reveladores. De 2011 a 2015, as condições de
eligibilidade ficaram mais apertadas e apesar da crise o governo PSD-CDS
“conseguiu” diminuir em 72 mil os beneficiários e “poupar” 82 milhões
de euros em 2015 quando comparado com 2011. O que contraria de forma
radical o discurso atual de Mota Soares que pugna pelo aumento de todas
as pensões quando ainda há pouco tempo admitia um corte nas pensões.
Em relação à eventualidade de condição de recursos em relação a
pensões mínimas importa desde já esclarecer que elas não constam do
OE2017. Mas não devemos fugir ao debate, até porque se pode colocar em
2018 e porque já foi aberto. Ricardo Cabral
argumenta com o exemplo dos EUA e o argumento de autoridade de
economistas agraciados com o “Nobel”. Acontece que os EUA, não tendo
Estado Social, não servem de exemplo para discutir o caso português. Por
outro lado ignora completamente o complemento à pensão dado pelo CSI. O
mesmo fazem Mariana Mortágua e Francisco Louçã, que diz “só articulando
todas as políticas sociais se combate a pobreza”. Ora articular as
políticas sociais é precisamente analisar as pensões mínimas em
articulação com o CSI e não isoladamente como faz Louçã. Dentro dos que
recebem pensões mínimas a maioria significativa são pobres. Mas também
há os que têm rendimentos de rendas habitacionais ou rendimentos de
capitais, não sendo por isso pobres. Basta lembrar que antigamente os
gestores de empresas privadas não tinham de fazer descontos para a
segurança social. Sem condição de recursos como distinguimos os pobres,
que muito legitimamente recebem quer as pensões mínimas quer o CSI, dos
que delas não necessitam? Os argumentos são favoráveis a Costa e Vieira
da Silva. É verdade que os estudos que temos sobre pensões são já
antigos, e os recentes são muito incompletos. Mas então por isso deve
haver vontade política e transparência para analisar, estudar e debater a
temática das pensões em geral e das mínimas em particular.
Estamos nas semanas do debate na generalidade do OE2017 e votá-lo-ei
favoravelmente por dever e convicção. Duas coisas são, porém, certas: há
espaço e necessidade de melhorias na especialidade, mas não há nenhuma
“folga orçamental”, isto é margem para aumentos de despesa que não sejam
acompanhados por aumento da receita.
Professor universitário e deputado eleito como independente nas
listas do PS de Setúbal e membro do respetivo grupo parlamentar. As
opiniões expressas apenas vinculam o autor.
IN "OBSERVADOR"
25/10/16
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