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ESTA SEMANA NO
"DINHEIRO VIVO"
Há 100 anos, assim era Portugal
28 de Junho de 1914. Sarajevo. Estamos no quilómetro zero da
caminhada para a guerra. Mundial. A primeira. O cadáver do arquiduque
Francisco Fernando ainda está quente. Estrebucha.
Mas lá no Extremo
Ocidente europeu há um país que precisa de tudo menos de confusão. Já a
tem quanto baste. Especialmente desde que foi aprovada a lei eleitoral
de 3 de Julho de 1913. É ainda mais restritiva do que as da Monarquia:
mulher não vota, assim como os analfabetos, facilmente catequizados pelo
clero e caciques locais.
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AFONSO COSTA |
Ou será que querem
voltar à Monarquia? Afonso Costa é eloquente na Câmara dos Deputados:
"Se quiserem fazer eleições com analfabetos, façam-nas os senhores,
porque eu quero fazê-las com votos conscientes... Indivíduos que não
sabem os confins da sua paróquia, que não têm ideias nítidas e exactas
de coisa nenhuma, nem de nenhuma pessoa, não devem ir à urna, para não
se dizer que foi com carneiros que confirmámos a república."
Já
não bastasse estar dividido entre republicanos e monárquicos, Portugal
parte-se agora em quatro: anglo-francófilos beligerantes e germanófilos
antibeligerantes. Pior: ninguém se entende. Muito pior: Portugal não
está preparado psicologicamente para uma guerra que não comprou, mesmo
que as tropas alemãs mordam os calcanhares aos nossos territórios
ultramarinos de Angola e Moçambique.
As tensões sobem quando Bernardino Machado, o presidente do
Ministério, discursa na Assembleia da República sublinhando que Portugal
deve honrar Windsor, esse tratado de ajuda mútua assinado no longínquo
ano de 1386. Os monárquicos não estão convencidos. E fazem, inclusive,
orelhas moucas aos apelos do Rei deposto, agora exilado em Londres. Dom
Manuel II, O Desventurado, não se cansa de fazer apelos patrióticos para
que Portugal combata ao lado dos Aliados, embora a aristocracia pátria
teime em simpatizar com o Kaiser.
Neste Novembro estranho, sinal
dos tempos, é proibida a subida a palco de uma revista que critica o
Exército português, no Teatro da Rua dos Condes.
O escudo
desvaloriza, as finanças lusas estão em estado calamitoso, bancos vão à
bancarrota e o preço dos alimentos é controlado. São tempos em que uma
galinha poedeira dá jeito. Um ovo é salvador. Temem-se açambarcamentos e
outras práticas especulativas. Contudo, é num ambiente de relativa
aceitação popular que os dois Corpos Expedicionários partem para África.
A decisão havia sido tomada a 18 de Agosto. Assinado e feito: a
11 de Setembro o tenente-coronel Alves Roçadas embarca com os seus 1600
homens em Santa Apolónia. Em simultâneo, o tenente-coronel Massano
Amorim zarpa com força equivalente do terminal da Rocha do Conde
D'Óbidos. Desembarcarão na África Austral dois meses depois.
Uma
História de despedidas? Sim, é outro adeus português. Mas consentido.
Nada mais importante para Portugal do que preservar as suas colónias,
esse grande desígnio nacional.
Contudo, para se morrer em combate
nem era preciso ir para o Rovuma ou Naulila. E o carrasco até podia
falar português. Nem nos referimos à revolta monárquica de 20 de Outubro
de 1914, em Mafra e Torres Vedras, também apodada de "Revolta da
Água-Pé" e da qual resultaram três mortos. Mais grave, muitíssimo mais, é
o banho de sangue de 14 de Maio de 1915.
Trata-se de uma revolta
radical. Outra das que tiveram como palco a Rua do Arsenal, em Lisboa,
esse vespeiro de marinheiros arsenalistas com espírito progressista.
Duzentos mortos é o número que entrará nos manuais, culpa dos jornais
espanhóis, há quem fale em 500. A razão? Os radicais republicanos querem
depor imediatamente o Governo dito ditatorial do general Pimenta de
Castro. O lema? "Restituir a República aos republicanos."
Conseguem.
E uma vez mais fica exposto o Estado dentro do Estado que é a
maçonaria. Apesar de "democrático", Afonso Costa gere a distância deste
golpe sanguinolento. Mas até o grão-mestre da maçonaria, Sebastião
Magalhães de Lima, fundador de O Século e um presidenciável segundo
muitos, está envolvido até às orelhas.
A Carbonária assume-se
como seu braço armado, mas a esta há agora que juntar a Formiga Branca,
uma organização semi-clandestina radical composta por civis e fundada em
1913, que se assume como uma espécie de guarda pretoriana dos membros
do Partido Republicano, primeiro, e do Partido Democrático, numa segunda
fase. Estão ao lado dos sindicalistas: a 6 de Março de 1915 assaltam 11
padarias de Lisboa como protesto contra o aumento do preço do pão.
Neste
caos instalado, cresce um certo saudosismo histórico mistificador.
Nacionalista. E não só em Fernando Pessoa. Veja-se o amarantino Teixeira
de Pascoaes e respectivo "A Arte de Ser Português", publicado em 1915:
somos, seremos, o futuro tão prometido quão adiado da Humanidade.
Autênticos poços de virtudes.
Nasce também o fotojornalismo
português. O seu pai tem um nome: Joshua Benoliel, judeu britânico
oriundo de uma família de Gibraltar e estabelecido em Lisboa. Foi o
fotógrafo do malogrado Dom Carlos e do seu filho Dom Manuel II. A ele
devemos grande parte do imaginário visual da Primeira República.
O
jornais gritam. A Capital. O Século. O Insurgente. Illustração
Portugueza. O Corpo Expedicionário Português para a Flandres zarpa do
Tejo em Janeiro de 1917, dividido por três vapores britânicos. A guerra
exponencia-se em Portugal. Não é uma coisa simpática, nada que ver com a
defesa das colónias. Impreparados, acumulamos milhares de cadáveres,
embora haja sempre na tragédia colectiva um herói improvável que nos
entrega uma taça moral.
Falamos do Soldado Milhais, aliás,
Milhões, transmontano de cepa, de Murça, que com a sua humilde
metralhadora permite a retirada de um Exército inteiro. As Lewis viram
"Luísas", a sua Luísa. Agigantou-o no seu metro e 55.
Chegam às
famílias, e às redacções dos principais jornais, cartas de guerra com
histórias tão trágicas quão romanescas. A imprensa empenha-se em apoiar o
esforço de guerra, é bom ter causas nobres. Caridade. Organizam-se
touradas para enviar dinheiro aos feridos de guerra.
Mas quando se
está morto-vivo numa trincheira lamacenta e fria do Norte da Europa, ou
metralhado por um boche, isso pouco importa. A batalha de La Lys,
travada entre 9 e 29 de Abril de 1918, acelera a lusodecadência.
Detalhes.
Nessa alvorada, o contigente português enfrenta 100 mil homens com
mais de mil peças de artilharia. Os alemães baptizam-na de "Operação
Georgette". Saldo para os portugueses: 1341 mortos, 4626 feridos, 1932
desaparecidos e 7440 prisioneiros. A seis meses do fim da Grande Guerra,
a 2.ª divisão do Contigente Expedicionário Português fica em cacos. É o
nosso segundo Alcácer Quibir.
Na verdade, o Armistício de 11 de
Novembro de 1918, a que devemos juntar a mortandade da Gripe Espanhola -
chega à Europa em Abril e um mês depois já dizimava em Portugal e só no
rectângulo matará mais de 50 mil pessoas numa população de seis milhões
-, talvez tenha sido ligeiramente pior do que o nosso 2014.
* Uma enorme lição de História, bem-haja quem a escreveu.
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